Série 2 | Curso 1

Propriedade Intelectual aplicada
à Ciência Aberta

Unidade 1. Propriedade Intelectual e Direitos Autorais.

Aula 8

Limitações aos direitos autorais

Como dito, os direitos autorais não são absolutos e devem ser harmonizados com os demais direitos fundamentais. Deste modo, os direitos autorais são limitados em razão de outros direitos – educação, acesso à informação e cultura, principalmente - e alguns usos podem ser feitos, durante o prazo de proteção, sem autorização ou remuneração e sem se caracterizarem como infração.

A lista das limitações expressas na lei de direitos autorais está nos artigos 46, 47 e 48 da legislação.

Além dos usos livres especificados nos artigos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 964.404/11 reconheceu expressamente que as limitações incluem também usos análogos aos expressos na legislação, desde que observadas as disposições dos tratados internacionais. E isso em razão justamente dos direitos fundamentais à cultura, educação, informação e outros que devem ser compatibilizados e harmonizados com a proteção por direitos autorais.

STJ. Recurso Especial 964.404/ES:

O âmbito efetivo de proteção do direito à propriedade autoral (art. 5º, XXVII, da CF) surge somente após a consideração das restrições e limitações a ele opostas, devendo ser consideradas, como tais, as resultantes do rol exemplificativo extraído dos enunciados dos artigos 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98, interpretadas e aplicadas de acordo com os direitos fundamentais

No escopo do artigo 46, I, são permitidos os usos de obras protegidas para fins informativos e de notícia, sempre mencionando a fonte e o autor. A legislação fala apenas de “imprensa diária ou periódica” e em “diários e periódicos”, mas devemos compreender nesta definição também os blogs, sites de notícia e informação, pois o objetivo maior é a informação que possa estar contida na obra protegida. Também podem ser divulgados nestes meios informativos os discursos pronunciados em quaisquer reuniões públicas.

Quem encomenda uma obra autoral de representação de imagens – de uma fotografia ou um quadro, por exemplo – pode reproduzir esta obra (46,II, c), mas deve estar atento para o direito de imagem das pessoas que aparecem na obra, pois os direitos de imagem não se confundem com os direitos autorais e as obras que usam imagens de pessoas são protegidas pelas duas coisas – direito autoral e direito de imagem - de forma independente.

A adaptação das obras para permitir o acesso a deficientes e sua divulgação é possível, desde que sem fins lucrativos. O texto da norma legal poderia dar a entender que a adaptação somente pode ser feita pelo sistema braile e para os deficientes visuais, mas pessoas com outros tipos de deficiência não podem ser excluídas do direito de acesso à cultura, educação e informação. Assim, em razão dos direitos fundamentais, a Constituição obriga que a inclusão da permissão para quaisquer adaptações necessárias aos diversos tipos de deficiência. Esta questão foi bem melhor equacionada com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência que impôs a disponibilização em formato acessível de toda produção cultural e cientifica.

Art. 42.

A pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso: § 1o É vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência, sob qualquer argumento, inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual.

A cópia privada é tratada no inciso II do artigo 46:

II

a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

Este é um dos dispositivos mais polêmicos, pois não estabelece o que sejam pequenos trechos. É preciso ser razoável nesta identificação. O que se pode observar é algo em torno de 10% a 20% podem ser considerados pequenos trechos, mas ainda assim não há uma definição exata deste percentual. Então deve-se sempre considerar o quanto da obra anterior está contido na obra nova e o percentual representa nesta nova obra.

Não podemos esquecer que esta reprodução não pode ter finalidade lucrativa e deve ser feita ou pelo próprio copista ou a seu pedido. Então uma copiadora que reproduz uma determinada obra em quantidade para vender não está autorizada por este dispositivo a proceder desta forma.

De especial relevância para a produção científica, as citações são plenamente autorizadas:

III

a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

Tratamos aqui dos casos comuns das citações – sempre usadas em textos acadêmicos, por exemplo. A citação deverá ser aquela necessária para a finalidade que está sendo usada e isso depende tanto da obra citada como da obra que a cita. Não se pode esquecer de mencionar o autor e a origem da obra, ou seja, sua fonte. Não há impedimentos quanto ao tipo de obra a ser citado, que podem ser de qualquer natureza – textos, música, filmes, etc.

O inciso IV assegura que os alunos podem copiar ou transcrever as lições e aulas, mas não podem publicá-las ou vendê-las:

IV

o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

O uso de obras autorais para demonstrar os aparelhos que reproduzem estas obras é autorizado no inciso V:

V

a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

É com base neste dispositivo que, por exemplo, as lojas comerciais exibem a programação televisiva, passam DVDs, tocam CDs e etc., mas a sua finalidade é demonstrar a clientela as características e qualidade dos equipamentos, e não a reprodução da obra em si.

O inciso VI trata e permite os usos das obras protegidas nos espaços privados e familiares, do círculo de amizade da pessoa, ou nos ambientes de ensino, inclusive digitais:

VI

a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

A norma inclui expressamente as obras musicais e teatrais, mas também os textos, as obras audiovisuais ou, por exemplo, os games, podem ser usados livremente nestes ambientes e espaços. Afinal o que se objetiva aqui é assegurar tanto a privacidade quanto o direito à educação, que não podem ser limitados às músicas e obras teatrais, sendo este mais um caso de aplicação necessária da interpretação analógica assegurada pelo STJ.

A utilização para fins de prova administrativa e judiciária também é livre:

VII

a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

O que temos neste inciso VIII é da maior importância, pois assegura que sejam usadas partes – excepcionalmente o todo – de uma obra pré-existente na produção de uma obra nova:

VIII

a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Porém não é qualquer uso de obra existente que pode ser feito, é preciso respeitar os limites às limitações, até onde podemos utilizar obras alheias em novas obras. Por isso é importante relacionar o quanto da obra original está sendo usado e o quanto isso representa na obra nova. É necessário manter a razoabilidade. Além disso, a obra nova não pode concorrer com a obra previamente existente, ou seja, não pode competir no mercado prejudicar sua exploração econômica. A finalidade é assegurar o fluxo de criatividade e construção do conhecimento, ao permitir o uso de trechos ou obras pré-existentes na criação de uma expressão efetivamente nova.

O humor é protegido e livre no direito brasileiro, com conforme o artigo 47. Este dispositivo é uma representação da liberdade de expressão, que é um direito fundamental constitucional. Por isso é possível recorrer a obras existentes para fazer humor, parodiando e parafraseando-as.

Por fim, as obras em espaços públicos - como as esculturas nas praças, os monumentos, a arquitetura dos prédios - podem ser representadas em fotos, filmes, pinturas ou outros meios de representação, justamente por estarem em espaços públicos e serem representativas daqueles lugares, conforme o artigo 48.

As limitações são a representação do interesse público no sistema de direitos autorais e da compatibilização e harmonização entre direitos fundamentais. São essenciais ao próprio sistema, pois permitem seu arejamento e evitam que fique fossilizado. Asseguram que a proteção aos direitos autorais não impeça a própria produção cultural, a criação de novas obras, o acesso inclusivo à cultura, a produção e acesso ao conhecimento ou o desenvolvimento do gosto pelas obras culturais. Por isso são muito importantes, tanto quanto a própria proteção patrimonial aos direitos autorais.

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