Aula 5
A obra protegida e não protegida
Os direitos autorais protegem as expressões criativas, desde que artística, literária ou científica. A obra criativa, para fins de proteção jurídica, precisa ser exteriorizada, sendo fruto de uma ‘criação do espírito’, humana. O que se busca proteger é a expressão, a forma como a criação é apresentada, sendo preciso, portanto, que a criação passe do plano das ideias e seja concretizada.
A legislação de direitos autorais estabelece que:
Art.7º
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro (...)”
A obra protegida
Não há limitação quanto ao tipo de obra autoral que possa ser protegida. Por isso o artigo 7º acaba com “tais como”, um sinal que a lista que vem a seguir são exemplos que a lista é a aberta e comporta outras formas de expressão, desde que dentro das categorias literárias, artísticas, científica e, em certa medida, também, tecnológica.
São, então, protegidos por direitos autorais, por exemplo, os livros, filmes, novelas, música, peças de teatro, fotografia, artes visuais, projetos de arquitetura, coreografias, traduções e as adaptações das obras originais.
Importante:
O texto legislativo assim exemplifica os tipos de obra protegidos:
- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
- as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
- as obras dramáticas e dramático-musicais;
- as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
- as composições musicais, tenham ou não letra;
- as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
- as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
- as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
- os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
- as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
- os programas de computador;
- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
Uma dúvida recorrente é sobre o conteúdo dos textos científicos. A própria legislação deixa claro que o que se está protegendo é o texto, a expressão e não o seu conteúdo intelectual, suas informações, conceitos e reflexões. Este é um ponto importante de inflexão quando estamos tratando de titularidade ou propriedade de dados e informações científicas por direitos autorais.
A legislação dispõe da seguinte maneira:
Art. 7º § 3º
No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.”
A mesma questão se aplica aos bancos de dados, uma vez que o que se protege é a própria arquitetura do banco de dados não os dados em si mesmo ou as informações que contêm. Os dados e informações podem ser protegidos por outras formas jurídicas, relativas ou não à propriedade intelectual, como a proteção contra apropriação de dados pessoais, concorrência desleal, segredos de negócios e equivalentes. No entanto, não deve ser esquecido que, indiretamente, a proteção do banco de dados assegura ao titular o bloqueio do acesso e extração dos dados, ainda que não de forma absoluta.
Os programas de computador também são protegidos por direitos autorais. Contudo, têm uma legislação específica que regulam os seus usos, a Lei 9.609/98. Ainda assim, subsidiariamente, aplicamos a lei de direitos autorais. Interessante notar que os bancos de dados que são também programas de computador atraem a incidência tanto da legislação autoral como a que regula os programas de computador.
Não só as obras, mas também os seus títulos são protegidos por direitos autorais, desde que originais e inconfundíveis com o título de outra obra do mesmo gênero já divulgada. Veja o que diz a legislação:
Art. 10
"A proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor.“
Podcast com o autor Allan Rocha, contendo explicações sobre obra protegida.
Obras originais, derivadas e coletivas
Uma questão um pouco mais complicada, mas muito importante, se refere às obras derivadas de outras pré-existentes. Para melhor visualizar considere que as obras originais são aquelas que existem por si só, não necessitam de outras obras da qual emanam diretamente e dependem para serem criadas.
Já as obras derivadas, ao contrário, partem de uma obra existente e promovem-lhe alterações e modificações criando uma nova obra, plenamente protegida por si só, derivada da obra considerada original. A derivação, contudo, depende de autorização do autor e/ou titular, enquanto dentro do prazo de proteção, sendo livre uma vez em domínio público, que veremos mais à frente.
É também tênue e difícil a distinção entre o que seria inspiração e o que seria uma derivação de uma obra anterior. Este problema não é de fácil solução e requer uma análise do caso concreto para extrairmos uma solução. Para tal, muitas vezes se torna necessária perícia técnica que informe a representação dos elementos caracterizadores (como personagens esequência narrativa, por exemplo) da obra anterior na obra nova, quanto mais presentes na obra nova, mais próximo da derivação, e da necessidade de autorização prévia.
Por fim, temos ainda as obras coletivas, cuja definição legal enuncia que:
Art. 5º
"VIII, h: [obra] coletiva - a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma;
Temos assim que na obra coletiva as diversas contribuições fundem-se se tornando indistintas e, ao mesmo tempo, produzem uma obra nova, legalmente protegida, como no caso dos jogos eletrônicos, das óperas, dos dicionários e, muitas vezes, o próprio banco de dados, que é de extrema relevância quando falamos de dados e ciência abertos.
Obras protegidas por direitos conexos
Além das obras protegidas por direitos autorais que vimos acima, ainda há a proteção aos direitos conexos, que se aplicam aos direitos dos artistas, intérpretes ou músicos executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão.
Com relação aos artistas e intérpretes, suas obras são justamente suas atuações e suas interpretações. Os artistas dão vida às obras dos autores, seja cantando, dançando, atuando ou executando as músicas. Por isso estes direitos são tão importantes quanto os direitos dos autores, mesmo sendo direitos sobre obras diferentes (ex.: a composição e sua interpretação).
A obra do produtor musical é o fonograma em si, onde estão contidas as músicas e suas interpretações. Por este trabalho de organização e produção do fonograma – que é obra do produtor - são reconhecidos direitos conexos.
Por fim, com relação aos organismos de radiodifusão, seu objeto de proteção é justamente a emissão que faz das obras autorais e de suas interpretações.
Assim, são obras objeto de direitos conexos as atuações, interpretações e execuções, os fonogramas e as emissões e radiodifusão das obras autorais. São justificadas por darem vida e viabilizarem a propagação das obras autorais.
Suporte físico e obra autoral
As obras protegidas por direitos autorais têm um conteúdo duplo. Um é interno, que é a concepção criativa do autor (“corpo místico”), e o outro externo, que é a expressão da concepção criativa materializada com inclusão em algum suporte físico (“corpo mecânico”).
Isso acontece, pois, para expressar e convir esta concepção criativa perceptível ao público faz-se necessário, muitas vezes, encapsulá-la em um suporte, físico ou não, que é elemento exterior e distinto da obra, com ela não se confundindo.
A criação em si é uma abstração que pode, uma vez expressa, assumir diversas formas (um livro, um filme, uma peça teatral, etc.) e ser encapsulada em tipos variados de suporte físico ou digital (livro impresso, livro eletrônico, vídeo livro, CD, DVD, etc.).
A proteção por direitos autorais alcança a obra, o elemento interno, e, por consequência, as suas diversas e possíveis representações, qualquer que tenha sido o meio pelo qual foi inicialmente expressa, e por isso a mesma obra pode ser apresentada na forma de um livro, uma peça ou um filme (“Dona Flor e seus Dois Maridos”, por exemplo).
Interessante notar que o que chamamos de “original” é a primeira materialização ou expressão da obra e o que chamamos de “cópias” são suas subsequentes reproduções. Assim, o que de fato chamamos de original ou master não é mais do que a primeira materialização da criação, sua expressão inicial.
Isto é importante porque o suporte onde a obra é inserida não se confunde com a própria obra protegida por direitos autorais. É o que diz o artigo 37 da legislação autoral.
Uma vez que o que se protege é a expressão e não os suportes onde estão inseridas, é possível ser titular de direitos de propriedade sobre os suportes onde está inserida a obra autoral, sem, contudo, ser titular de quaisquer direitos autorais sobre a mesma.
Por exemplo, você se torna dono de um livro ao comprá-lo, mas não se torna ‘dono’, titular, dos direitos autorais sobre o livro. O mesmo vale quando você compra um CD, DVD ou game.
Obras não protegidas
A legislação também especifica que tipos de obras não estão protegidas por direitos autorais ou conexos. Diz isto no artigo 8º, como se segue:
Importante:
Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
- as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
- os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
- os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções
- os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
- as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
- os nomes e títulos isolados;
- o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.
Com isso dá para se ver que a legislação especificamente exclui ideias, sistemas, métodos, conceitos, projetos como tais e as informações de uso comum.
Fundamental notar que o uso econômico das ideias e conceitos incluídos nas obras não são protegidos por direitos autorais, mas podem sê-lo por outros mecanismos. Este é especificamente o caso dos dados pessoais ou mesmo os puramente científicos, que têm outro arcabouço de proteção.
Ideias, conceitos, sistemas e metodologias circulam livremente na sociedade e não são – e nem deveriam ser - passíveis de apropriação. Esta limitação é importante, pois seus efeitos mostrar-se-iam inevitável e insuportavelmente cerceadores da circulação e progressão do conhecimento e informação e da elevação cultural da sociedade, além de imensa dificuldade intrínseca de identificar os autores das ideias.