[00:00:00]
[NARRADOR]: 8ª Conferência Nacional de Saúde
[00:00:06]
[Pessoas conversando ao fundo com cenas dos participantes da Conferência]
[00:01:02]
[APRESENTADOR]: O único conferencista escalado para esta sessão é o professor Sergio Arouca. Já
por demais conhecido de todos nós, e que, na realidade, dispensa qualquer tipo de apresentação.
[00:01:21]
[SERGIO AROUCA]
Bem, com maior prazer, maior satisfação estou aqui para falar nessa, nessa conferência sobre
democracia e a saúde nessa mesa com o doutor Mosconi, que revitalizou a Comissão de Saúde da
Assembléia, e também com o doutor João Nei, que vem dando um papel absolutamente novo a
presidência do Conselho Nacional de Secretários de Saúde.
E na realidade hoje, nessa 8ª Conferência Nacional, eu acho que nós temos um convidado, o
participante que conseguir um lugar nessa conferência com bastante sacrifício que a sociedade
civil brasileira organizada.
E acho que é muito pra eles que eu gostaria hoje, quase que dedicar às palavras.
Eu acho que o fato de estar aqui na 8ª Conferência Nacional de Saúde, a representação de
Confederações Nacionais de Trabalhadores, de estarem aqui representados e pedindo direito a voz
e a voto, o movimento popular de saúde de Recife, pelo fato de estarem aqui participando
associações de bairro e outras entidades da sociedade brasileira, CNBB, ABI, a OAB, enfim, quase
que o conjunto das entidades que nós conseguimos identificar no mapeamento quase exaustivo da
sociedade brasileira,
Eu gostaria de considerá-los como membros privilegiados dessa 8ª Conferência Nacional de Saúde.
E a eles quase que dedicar a discussão sobre essa questão de “Democracia é a saúde” que hoje nós
vamos enfrentar.
E para tomar essa discussão me pareceu que nada melhor do que tomar o conceito de saúde e
doença.
E o conceito de saúde e doença, que vem sendo nos últimos anos colocado, principalmente pela
Organização Mundial da Saúde, um conceito muito criticado, talvez porque ele não conseguisse,
ele ficasse em termos muito genéricos e abstratos e não conseguia servir de base para que
pudesse ser quantificado, quantas pessoas têm ou não têm saúde em um certo país.
Mas me parece que nesse momento de transição, acho que é importante voltar a colocar esse
conceito sobre a mesa, que saúde não é simplesmente a ausência da doença, não é simplesmente
aquela pessoa que num determinado instante, por qualquer forma de diagnóstico médico, qualquer
tipo de exame não seja constatado nele nenhuma doença, a Organização Mundial de Saúde considerou
que é mais que isso, que além da simples ausência de doença que saúde deve ser entendido como um
bem-estar físico, e, portanto, no instante que ele é físico, ele supõe uma determinada maneira
de sentir, social, afetivo.
E algumas pessoas nesses debates que antecederam a Conferência Nacional de Saúde, entre eles o
professor da Escola Nacional de Saúde Pública, professor Cynamon, acrescentou, também, a
ausência do medo e talvez sobre isso, seria interessante a gente pensar um pouquinho o que
significa isso.
O que significa esse conceito de saúde quase colocado com alguma coisa a ser atingida, que não é
simplesmente que as pessoas não tenham doença, é mais é um bem-estar social, um bem-estar social
que pode significar que as pessoas têm mais alguma coisa do que simplesmente não estar doente,
que tem o direito a casa, que tem direito ao trabalho, que tem direito ao salário condigno, que
tem direito a água, que tem direito a vestimenta, que tem direito a educação, até informações
sobre como se pode dominar esse mundo e transformá-lo, que tenha direito ao meio ambiente que
não nos seja agressivo, mas pelo contrário, que permita a existência de uma vida digna e
decente, que tenha direito a um sistema político que respeite à livre opinião, a livre
possibilidade de organização, a livre possibilidade da autodeterminação de um povo e que não
esteja todo tempo submetido ao medo da violência, daquela violência resultante da miséria que
resulta no roubo, no ataque que não esteja também submetida ao medo da violência de um governo
contra seu próprio povo, para que seja mantido interesses que não são os interesses do povo.
Como nós assistimos infelizmente na última década na América Latina e continuamos ainda
assistindo em alguns países, se bem que a maioria dos países da América Latina conseguiram nos
últimos anos afastar a grande maioria das ditaduras desse país que assistimos com alegria agora
o Haiti, que assistimos agora com alegria as Filipinas, mas ainda somos obrigados a viver com a
ditadura chilena.
E nessa linha conviver sem o medo é conviver com a possibilidade da autodeterminação individual,
da liberdade de organização, da autodeterminação dos povos e simultaneamente,
com possibilidade de viver sem ameaça da violência final que seria uma guerra exterminadora de
toda a civilização.
Em alguns dos encontros preparatórios dessa conferência, já que esses encontros preparatórios se
realizaram em praticamente todos os estados do território desse país,
nós tivemos a oportunidade de assistir a depoimentos da maior sabedoria.
Em uma pequena cidade no interior do Paraná, onde estava se reunindo uma comissão de saúde, num
trabalho organizado pela Secretaria de Saúde do Paraná, um camponês chega ao microfone e diz o
seguinte: "Saúde é a possibilidade de trabalhar e ter acesso à terra."
Então saúde começa a ganhar uma dimensão muito maior do que simplesmente ser uma questão de
hospitais, que simplesmente ser uma questão de medicamentos, ela se supera
e ela quase que chega num certo instante e se iguala ao nível e qualidade de vida.
Algumas vezes qualidade vida ainda não conseguida, mas pelo menos ainda desejada.
Alguns tempos atrás também foi criado o conceito, muitas vezes até criticado, inclusive até por
mim mesmo, que chamava o ciclo econômico da doença, mas que nesse momento, talvez, seja até
importante trazê-lo de volta porque é uma questão muito simples,
é uma ideia que eu acho que tem que ser entendida e pensada da sua, exatamente, simplicidade.
Esse conceito de saúde e doença diz simplesmente o seguinte: Se uma pessoa ganha pouco e não
consegue comprar aquilo que é fundamental para a sua sobrevivência,
ela não consegue recuperar toda energia que ela tá gastando no trabalho e, portanto, ela se
enfraquece.
Se uma pessoa mora mal não consegue que a sua casa seja uma proteção contra as agressões do meio
ambiente.
Se uma pessoa não tem acesso à educação, não consegue ter que aquele conhecimento
que lhe permite controlar a natureza e tudo isso finalmente leva que se uma pessoa não come, não
come aquilo que é o mínimo necessário adequado à reprodução da vida, essas pessoas se
enfraquecem e se enfraquecendo ela perde a luta contra a agressão e adoece, e adoecendo, não
trabalha, e não permite mais vencer todas as lutas que uma sociedade competitiva lhe coloca e,
portanto, trabalha menos, ganha menos, mora pior tem água em piores condições, se ele alimenta
pior, e adoece mais.
A ideia desse conceito na sua simplicidade é quase que dizer, que quanto são piores as condições
de vida de um povo isso vai se tornando um ciclo vicioso que faz com que cada vez sejam piores,
tanto pior educação, pior é comida, pior é a alimentação, pior é a vestimenta, pior é a
possibilidade de ter assistência médica, pior é a possibilidade de ter condições de trabalhos
dignos e decentes, pior é a possibilidade de condições de trabalho que não troquem por dinheiro
a intoxicação e morte do trabalhador.
Cada vez esse povo será mais doente e ao contrário, cada vez que o povo consegue ter direito
universal à educação, ter direito a uma educação condigna, onde a casa não seja a casa do
barbeiro, mas a casa do camponês. E que não se conviva no mangue com os caranguejos, mas em
condições dignas de existência que se possa comer aquilo que permite uma reprodução humana digna
e que não transforma a nação, como já foi denunciada, em uma nação de pigmeus.
Cada vez que se consegue isso é uma população que briga mais, que têm mais consciência, que
domina a natureza, que consegue ganhar força para transformar essa sociedade no sentido de
alcançar cada vez mais o nível de vida melhor, que consiga alcançar cada vez mais o bem-estar
que condiga com um crescimento acelerado da qualidade de vida da civilização, é isso que nós
queremos.
A Conferência Nacional de Saúde e esse momento que nós estamos encontrando aqui quer dizer, me
parece que é fundamental, ter claro essas duas ideias: saúde não é simplesmente a ausência de
doença, é muito mais que isso, é bem-estar físico, mental, social, político.
Segundo: Que as sociedades criam ciclos, que uns são ciclos da miséria ou são ciclos do
desenvolvimento e que é fundamental, que ao acontecer o ciclo da miséria, ele seja rompido, seja
transformado, seja mudado.
O Brasil, infelizmente, nos últimos, conseguiu romper talvez uma das leis jamais consolidadas da
história da civilização, que a é lei quando um povo cresce, a sua riqueza melhora o nível de
vida desse povo.
Quando o Brasil no auge do seu chamado 'Milagre Econômico', esse país conseguiu aumentar sua
riqueza e aumentar a morte das suas crianças, aumentou sua riqueza e aumentou as pessoas que
passam fome, aumentou sua riqueza e aumentou a miséria de uma grande maioria da população,
aumentou a riqueza e aumentou os marginalizados, aumentou a riqueza e diminuiu o tamanho do
nosso povo.
Isso não é suportável, isso tinha que ser vencido e derrubado.
E foi nessa direção que me parece que durante todos os últimos anos, se cunhou uma frase que me
parece uma frase da maior importância, que era uma frase absolutamente simples, que dizia:
"Saúde é Democracia".
Atrás dessa frase, a compreensão que se tinha, é que não era possível melhorar o nível de vida
da nossa população enquanto persistisse neste país um modelo econômico concentrador de renda e
um modelo político autoritário.
Então era fundamental era ponto de partida antes, conseguir a democracia.
E o lema que foi colocado no sistema de saúde durante os últimos anos foi exatamente isso,
democracia é saúde, significando que para conseguir começar a timidamente melhorar as condições
de saúde da população brasileira, era fundamental a conquista de um projeto democratização desse
país.
Essa luta eu acho que ela teve repercussões em todos os níveis, ela teve repercussão na área
médica, com a criação dos movimentos de renovação médico, com o Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde. Teve impacto em praticamente todas as áreas de profissionais de saúde, que acabaram com
associações e sindicatos que muitas vezes não representavam os seus interesses.
Ela permitiu que o papel do legislativo, através das suas comissões de saúde, fosse efetivamente
recuperado como influenciadores de uma política mais efetiva, se criou o parlamento da saúde
como a Associação das Comissões de Saúde das Assembleias Legislativas e Estaduais, o Sindicato
dos Trabalhadores criaram os departamentos dedicados à saúde do trabalhador.
A universidade participou de uma forma efetiva criando um conhecimento que permitisse fazer a
crítica desse sistema de saúde. E todo esse movimento acabou desembocando de uma forma
absolutamente direta no segundo semestre de 1984.
Quando, simultaneamente, com a luta pela democratização desse país também se travou uma grande
luta pela redefinição da política de saúde desse país.
Durante esse período se fizeram muitos diagnósticos, se tentou entender por que isso acontecia
dessa maneira.
Por que os profissionais da área da saúde estavam concentrados nos grandes centros urbanos?
Por que a principal quantidade de serviços saúde estava situada na região sul e sudeste?
Por que a nossa indústria farmacêutica foi absolutamente sucateada? Também como foi a grande
maioria dos serviços públicos, que não receberam nenhuma prioridade durante os últimos anos.
Como foi possível durante esse período liquidar com a capacidade de produção dos nossos
laboratórios nacionais, não só de medicamentos. Como foi possível fazer uma política de recursos
humanos que leva que pessoas que desempenham funções iguais tenham salários diferentes?
Como foi possível praticamente liquidar com a capacidade de investigação de nossa universidade?
Como foi possível estabelecer relações tão difíceis? Para não usar uma palavra pior, com o setor
privado.
Enfim, como foi possível durante esse período montar um sistema tão perverso de saúde que não
atende o interesse de mais ninguém.
Mas o momento de hoje, na realidade não é o momento mais de repetir diagnósticos, esse
diagnóstico, análise de qual o sistema de saúde do Brasil hoje, ele pode com uma ou outras
palavras talvez ser repetido pela grande maioria das pessoas que estão aqui, ele pode ser
colocado pelo usuário como ao entrar num centro de saúde que só trabalha meio período, onde os
profissionais são contratados por seis horas e trabalham só duas.
E que a higiene se transforma em uma verdadeira pocilga, onde faltam medicamentos,
onde o indivíduo não é tratado no mínimo da sua dignidade humana que até nome e sobrenome, e que
todos os homens são transformados em Zé e todas as mulheres em dona Maria.
Na mesma forma, como esse diagnóstico pode ser feito ao nível do usuário, ele está sendo feito
ao nível de todos os técnicos e políticos, que estão efetivamente comprometidos com a mudança no
sistema de saúde desse país.
Então o momento da conferência, na realidade, não está sendo pensado como o momento da
Conferência de se continuar no diagnóstico, é o momento de pensar de quais são as possibilidades
reais e concretas que nós temos de mudar esse sistema de saúde hoje no Brasil.
Esse é o porquê da Conferência e, assim, ela nasce no instante em que a discussão sobre a
reformulação do sistema de saúde no Brasil, infelizmente, quase que foi tratada com uma simples
reforma administrativa, em que se discutia se o INAMPS passava ou não passava para o Ministério
da Saúde. Mas não é isso, não é isso que está em questão, o que está em questão é uma coisa
muito mais séria e muito mais profunda de que uma simples reforma burocrática e administrativa.
Para que não acontecesse nenhuma mudança durante o ano de 1985 e essa ideia foi uma ideia
importante, apareceu uma crítica que era uma crítica absolutamente séria que o conjunto das
propostas que estavam sendo feitas de reformulação do sistema de saúde
Ainda não tinham passado por um debate suficiente ao nível da sociedade brasileira e qualquer
mudança no sistema de saúde não podia ser feito, uma mudança simplesmente por uma lei, mas tinha
que ser uma mudança que acontecesse a partir do instante em que existisse uma consciência
nacional tão profunda e tão séria que se transformasse em desejo político, e um desejo político
irreversível, eu diria que quase que suprapartidário, que levasse a essa noção, a essa
identidade que o sistema de saúde brasileiro tem que ser mudado.
Como se teve essa compreensão se chegou então a uma consciência que tinha que ser convocada uma
Conferência Nacional de Saúde, exatamente uma Conferência que permitisse ampliação a nível
nacional de todo debate, que durante o ano de 1985, talvez tenha acontecido ao nível das
capitais e ao nível de alguns setores da sociedade brasileira.
Então essa Conferência Nacional, ela não podia ser igual a outra, ela não podia ser igual as
sete conferências que antecederam; ela tinha uma natureza e um caráter absolutamente distinto,
ela tinha que representar quase que uma solicitação: a que a sociedade brasileira pudesse a
partir da crítica do sistema que tem, a partir do seu desejo, a partir da sua cultura,
porque não se trata aqui de buscar um modelo de saúde que não seja um modelo de saúde que seja
adequado a nossa cultura de brasileiros. Não é o sistema de saúde que nós vamos tirar do bolso
de uma hora para outra e falar, 'olha é esse, o sistema de saúde vai ser feito'.
É um sistema de saúde cuja experiência foi gerada nas experiências de trabalho comunitário ao
nível de bairros, nas experiências que a igreja realizou em termo de trabalho, na experiência
que os sindicatos realizaram, na experiência que a Secretarias de Saúde estaduais e municipais
enfrentaram no sentido de transformar esse sistema, na experiência, inclusive, que pessoas
individuais ao não assumir mais a convivência com o sistema perverso foram para qualquer lugar
desse país e começaram a experiência concreta de tentar transformá-lo.
É disso que nós estamos falando, como recuperar num certo instante a cultura nacional, a
experiência acumulada por aquelas instituições que trabalharam sério, por aqueles que têm alguma
coisa que dizer que funcionaram e que aqueles que têm que nos alertar que isso não funciona e
não vale a pena tentar, contra aqueles de indivíduos e a favor daqueles indivíduos que podem
dizer como alguma coisa deu certo em prol da saúde do povo brasileiro.
É para isso que foi convocada esta Conferência. Então ela não podia ser uma Conferência de
funcionários, ela não podia ser uma Conferência de empresários simplesmente.
Alguns dias atrás, algumas entidades ligadas ao setor privado se retiraram da conferência e se
retiraram a partir do pressuposto de que elas representavam uma grande porcentagem do serviço de
saúde prestado no país e na realidade o representam.
Mas se equivocaram a não entender que essa proporção de serviços prestados não corresponde à
proporção da população brasileira e que essa é uma conferência da população brasileira e não é
uma conferência dos prestadores de serviço.
A conferência, eu gostaria também de dizer aos senhores que superou as nossas expectativas.
Quando ela foi convocada, e é fundamental que isso seja colocado aqui, ela foi pensada como a
conferência que se realizaria durante quatro dias, de 17 a 21 de março, e que teriam três temas
fundamentais que são os temas que nós vamos discutir a partir de hoje. Se a saúde é ou não é um
direito do brasileiro, atrás disso existe uma discussão que é uma discussão muito séria, que é
atrás disso que nós estamos dizendo é o seguinte:
Se a saúde é ou não é um direito da pessoa humana e por ser um direito, uma necessidade da
pessoa humana deve corresponder um direito e esse direito deve ser defendido. E ao ser
brasileiro, uma pessoa humana deve corresponder o brasileiro o direito à saúde.
Se a saúde é um direito, a quem cabe garantir esse direito?
E, portanto, qual é a organização dos serviços de saúde que de acordo com a nossa cultura,
de acordo com o nosso país, de acordo com a nossa experiência acumulada, de acordo com a
organização dos serviços saúde, nós temos que organizado vai permitir melhor a garantia desse
direito e terceiro como financiá-lo era isso que nós queríamos discutir.
Imaginamos que isso podia ser discutido em quatro dias, mas no instante também que nós
acreditávamos e tinha a absoluta certeza que para essa conferência representar a voz da
sociedade brasileira e que não era uma conferência simplesmente funcionários, foi iniciado todo
movimento de discussão ao nível dos estados para que essa conferência pudesse representar o
máximo, o mais variado conjunto de opiniões que a sociedade pode ter.
E de repente apareceu uma figura que inicialmente não havia sido pensada, que foram as
Pré-Conferências estaduais de saúde. Elas nasceram quase por um movimento próprio no sentido de
que os estados começavam a se interessar e se preparar na organização dessa Conferência. E, as
Pré-Conferências estaduais quase, que num certo instante, superaram a própria conferência
nacional, porque hoje o que nós estamos fazendo é um plenário de uma conferência já iniciada.
A conferência iniciou nos encontros municipais de São Paulo, iniciou nos debates no Pará,
iniciou em Alagoas, iniciou no interior do Paraná, todo esse debate iniciou em CONCLAT, iniciou
nas instituições, instituições sindicais, nos conselhos regionais de profissionais de saúde, que
durante os três últimos meses, de uma forma ou de outra, discutiram a situação de saúde, talvez
não tanto como nós queríamos, mas que de uma certa forma esse debate superou a toda a
expectativa que nós tínhamos.
E as Pré-Conferências estaduais já resultaram em uma primeira conquista absolutamente objetiva
na reorganização do Sistema Nacional de Saúde, que é a criação de uma figura até hoje não
existente, a figura das Conferências Estaduais de Saúde.
Em alguns lugares, aconteceram de forma mais fácil, aconteceram e criaram um movimento como que
se então a Conferência já não era mais simplesmente de 17 a 21 de março, ela já tinha todo um
instante de Pré-Conferência que já era Conferência.
Segundo lugar, apareceu o fato também que era da maior importância da organização da
conferência, nós imaginávamos que existiam determinados temas que não poderiam deixar de forma
nenhuma de ser tratado, como, por exemplo, a questão da saúde do trabalhador, tão maltratada na
história do país, a questão das grandes endemias onde efetivamente nós ainda estamos perdendo a
batalha no controle das grandes endemias.
A questão de uma política de sangue nesse país que possa liquidar com esse vampirismo acelerado
e mercantilista do sangue nesse país, uma política de equipamentos, vacinas e medicamentos que
levem o país a autossuficiência, a independência nacional, uma política de recursos humanos que
recupere a dignidade do trabalho na área de saúde, com o plano de cargos e salários, com o plano
de carreira, com capacitação permanente.
Então, se chegou a uma outra solução, de imaginar que a Conferência Nacional de Saúde, o que ela
quer é na realidade, que uma boa política de saúde seja implantada, que seja colocado ao nível
da Constituição Nacional, que a Conferência de Saúde não podia ser quatro dias, ela era todas as
Pré-conferências que aconteceram.
Ela é esses quatro dias um grande plenário nacional e ela deve se expandir a partir de março até
outubro na discussão de todos esses temas. E a conferência deixou de ser quatro dias para ser um
grande processo durante o ano todo.
E que mobilizando a sociedade brasileira, a ciência, a academia, os profissionais, efetivamente
possa caminhar para quê? Para construção de um grande projeto nacional na área da saúde, o
projeto nacional que ganhando uma grande consciência, que podendo, inclusive, ser
suprapartidário, que podendo fazer quase que um grande gesto de desejo e força, transformar em
uma vontade tão grande, que se torne irreversível.
E esse projeto nacional, que não exclui o setor privado, que pressupõe que ele seja federado e,
portanto, obedeça às diversidades de todas as regiões do país, que entenda que existam
responsabilidades específicas da União, do Estado e do Município.
Esse grande projeto nacional possa ser formulado e possa ser formulado, numa verdadeira reforma
sanitária, da mesma forma e que foi possível por um grande gesto de coragem a instituição numa
reforma econômica que mudou profundamente as questões econômicas desse país, da mesma forma que
todos nós desejamos que seja implantado de uma forma efetiva uma grande reforma agrária, como é
fundamental se caminhar por uma profunda reforma urbana e uma reforma financeira a nós do setor
de saúde, sabendo que a saúde que ela é determinada antes de tudo pela economia, pela política,
pela sociedade, mas que nós temos uma grande responsabilidade na nossa área específica de
construir esse projeto. Cabe a nós, profissionais, técnicos, associados com a sociedade
brasileira, não divorciados, nós temos que romper o muro e o fosso do setor saúde e abrir canais
de comunicação com a sociedade brasileira, inclusive aprender a falar com ela, nós temos que
começar a transformar nossa linguagem e a mudar o nosso ouvido para que quando uma sociedade de
bairro e um sindicato fale, a gente entenda.
E quando a gente consiga falar que é importante acabar com as doenças transmissíveis nesse país,
isso possa ser dito de uma forma simples e objetiva para que o nosso povo entenda.
Esse novo pacto, essa nova aliança que nós estamos chamando uma profunda reforma sanitária desse
país que deve supor uma reformulação do sistema de saúde, baseado em se colocar na constituição
que a saúde é um direito do brasileiro, e é um dever do Estado.
Mas que Estado? Nós temos aqui que diferenciar de Estado e governo;
Estado: Supõe um território, supõe um povo e supõe um governo.
Muitas vezes durante o período autoritário Estado foi confundido com governo.
E se estabeleceram leis de segurança do Estado, mas que, na realidade, eram leis de segurança
dos governantes.
Não é disso que nós estamos falando, nós estamos falando de uma nação que tem um território e
dentro dele tem um povo e um povo que pretende ter um governo que representa os seus interesses
e, portanto, é esse Estado, Estado como povo. Estado como território. Estado como nação, que
cabe garantir o direito à saúde do seu povo, essa é primeira grande questão.
A segunda grande questão é que a reforma sanitária deve ser ampla, ela não pode ser confundida
com reforma administrativa, ela não pode ser confundida com simplesmente transferência
burocrática de instituições de uma para a outra, mudando simplesmente a direção das
instituições, não é isso.
A reforma sanitária pressupõe a criação de um organismo, que reunindo tudo que existe ao nível
da União possa fazer com a União, a partir de um grande Fundo Nacional de Saúde possa distribuir
esse fundo, possa fazer uma política de distribuição mais justa, mais igualitária, levando a
universalização que nada mais é a universalização que cada pessoa nesse país tenha direito aos
serviços básicos de saúde, é por essa reforma que nós estamos brigando.
E essa reforma não pode ser o projeto da minha cabeça, não pode ser o projeto da cabeça
simplesmente dos técnicos, não pode ser simplesmente o projeto da cabeça dos profissionais, ele
tem que ser construído mesmo que o resultado final não seja aquilo que muitos de nós estamos
desejando, mas o resultado construído, desejado, montado e inventado pela sociedade brasileira
nesse ano, nesse século.
O que nos interessa nessa reforma sanitária, imaginando que ela seja um projeto nacional, não é
uma modernização administrativa das instituições. Não é simplesmente mudar o desempenho das
instituições, se bem que isso é da maior importância, não é simplesmente acabar com fraude -
quando isso é fundamental -, não é simplesmente recuperar a dignidade do serviço público quando
é da maior, mais alta prioridade na construção de um governo, de uma nação comprometida.
Mas, ao mesmo tempo, é tudo isso e é mais que isso, é como que, simultaneamente, nós tivéssemos
montado, eu estava tendo/vendo essa imagem, uma maria fumaça, ofegante, soltando fumaça, lenta,
quase que caindo pelas beiradas da estrada e, ao mesmo tempo, sem parar transformar isso numa
grande locomotiva que leve para o futuro, mas sem parar.
Então, é fundamental que, ao mesmo tempo, se modernize, que se lute contra a fraude, que se
melhore o empenho institucional, mas sem perder o projeto, e o projeto ele só aponta para um
sentido, e se nesse sentido ele não der resultado, o projeto falhou, que é a melhoria das
condições de vida da população.
Que morram menos crianças, que o nosso povo viva mais, que o nosso povo cresça mais, que o nosso
povo tenha menos medo, que o nosso povo trabalhe melhor, que o nosso povo participe cada vez de
uma forma maior na criação do nosso futuro, que essa nação cada vez mais se autodetermine e crie
um grande projeto brasileiro.
É para isso que nós apontamos, é para isso que é o nosso compromisso e foi nesse sentido que
essa conferência foi convocada.
E é por isso que eu gostaria de colocar uma última questão, que essa conferência foi montada com
delegados.
Nós não queríamos que houvesse qualquer possibilidade de influência econômica nessa conferência,
que por qualquer motivo, qualquer entidade, para poder trazer o maior número de pessoas aqui e
influenciar sobre o destino dessa conferência quando nós sabemos que chegar em Brasília tem um
alto custo.
Nós queríamos garantir que os usuários pudessem expressar de uma forma absolutamente autônoma a
sua posição. E garantimos, então, vagas para todas essas entidades, para a Confederação dos
Trabalhadores Agrícolas, para a CUT, para CONCLAT e para CONAM.
Podemos ter errado em muitas coisas, e na medida do possível durante esse próprio congresso,
própria conferência, vamos tentar reverter os erros, que ainda foram feitos em termos de
representatividade, mas o fundamental era garantir uma alguma representatividade, era que alguém
que vindo aqui no conselho eleito ou indicado por uma confederação, que representa milhares de
sindicatos e milhares de trabalhadores desse país não fosse confundido com um voto que pudesse
ser trazido aqui pelo poder econômico.
Então a representatividade era fundamental, mas, ao mesmo tempo, nós, também, não queremos de
maneira nenhuma excluir que todas as pessoas que chegaram aqui se manifestem suas opiniões,
participe da forma mais democrática das decisões aqui vão ser tomadas.
Mas eu gostaria de chamar efetivamente atenção a todos, que nós estamos aqui com olhos sobre o
que acontecendo nessa conferência. Aqui pela primeira vez se encontram o setor saúde com a
sociedade. Pela primeira vez em uma Conferência Nacional de Saúde está aqui representado os
usuários. Então o papel que nós temos aqui na formulação de políticas de saúde é da maior
importância.
Talvez seria muito fácil e mais, inclusive, mais tranquilo uma conferência com o pequeno número
de delegados, provavelmente as filas dos sanitários não seriam tão grandes, as filas do telefone
não seriam tão grandes, a dificuldade se registrar e acabaram as fichas.
Que, na realidade, as pessoas que chegaram aqui superaram e muito as expectativas, mas eu acho
que é exatamente por aí que é o caminho, acho que nós temos que aprender a viver com a
diversidade, nós temos que aprender a viver com o coletivo e vai ser a diversidade, vai ser no
coletivo é que nós vamos construir nosso projeto, imaginando que na construção disso, muitas
vezes nós vamos errar, mas nunca vamos errar o caminho que aponta para a construção de uma
sociedade brasileira mais justa.
Muito Obrigado!
[00:41:31]
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