Unidade 1
Do Império à Primeira República: o surgimento da saúde pública
Os institutos de pesquisa
Em grande parte da Europa, o desenvolvimento da medicina experimental ocorreu no âmbito dos institutos de pesquisa. No Brasil, as possibilidades abertas pelo advento da microbiologia, o interesse da saúde pública pelo controle das doenças epidêmicas e a visão de que a pujança econômica proveniente da economia cafeeira não podia sofrer nenhum obstáculo caminharam juntos para a formação dos primeiros institutos de pesquisa biomédica.
Estas instituições eram direcionadas à pesquisa experimental em medicina, à produção de soros e vacinas e à elaboração de diagnósticos para a saúde pública. Elas renovaram a produção científica no campo da saúde e foram centrais no controle de diversas doenças, em especial as transmissíveis.
1888
Em 1888, pouco antes da criação do Instituto Pasteur de Paris, o imperador Pedro II fundou o Instituto Pasteur do Rio de Janeiro para produzir a vacina antirrábica com base na técnica descoberta pelo cientista francês. Embora criado com o beneplácito do Imperador e com o objetivo de ser uma instituição científica, tal qual seu modelo inspirador, o Instituto se caracterizou como uma instituição clínica limitada à reprodução de uma técnica científica desenvolvida no exterior. De seus laboratórios não brotaram pesquisas originais ou iniciativas de formação de quadros em microbiologia.
1892
Os primeiros institutos de pesquisa biomédica de maior vitalidade foram criados em São Paulo, com a reforma sanitária ocorrida em 1892. O Instituto Bacteriológico – depois rebatizado Instituto Adolpho Lutz, em homenagem a seu mais célebre pesquisador – tinha como objetivo o diagnóstico das epidemias que surgiam no estado. Nos primeiros anos de existência do instituto, o cientista Adolpho Lutz e seus auxiliares desenvolveram pesquisas importantes que mostravam a potencialidade dos estudos laboratoriais no campo da microbiologia. Seus trabalhos confirmaram a existência da febre tifoide na cidade de São Paulo, numa época em que a doença era frequentemente confundida com a malária; identificaram surtos de cólera na Hospedaria dos Imigrantes (instituição que abrigava os trabalhadores imigrantes que chegavam da Europa e aguardavam a ida para as fazendas de café) e ratificaram a teoria havanesa que postulava que a febre amarela era transmitida por mosquitos. Resolvido o enigma da identificação das principais doenças epidêmicas que afetavam o estado, o Instituto Bacteriológico passou a dedicar- se sobretudo aos exames bacteriológicos para a saúde pública, funcionando até hoje como laboratório de referência da Secretaria de Saúde de São Paulo.
1899
Outros institutos públicos, filantrópicos e mesmo privados surgiram naquele período e seguiram diferentes trajetórias. Dois deles, porém, tiveram papel de destaque na saúde pública e no desenvolvimento das ciências biomédicas no país: o Butantan, em São Paulo, e o Soroterápico, hoje Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. A criação desses dois institutos ocorreu em 1899 e deveu-se à preocupação dos governos do Distrito Federal e do estado de São Paulo com um surto de peste bubônica surgido em Santos.
1901
O laboratório do Butantan foi criado como seção do Instituto Bacteriológico, encarregado de produzir soro e vacina contra a peste bubônica. Em 1901, transformou-se em instituto independente e passou a se dedicar intensamente aos estudos sobre envenenamento por mordidas de serpentes e outros animais peçonhentos. Os estudos nesse campo haviam se iniciado antes mesmo da fundação do instituto, sendo efetuados por Vital Brazil, que desenvolveu um soro polivalente contra o veneno das serpentes mais abundantes no país.
1904
Em 1904, foi criado o Instituto Pasteur de São Paulo, instituição privada de caráter filantrópico que teve grande produtividade cientifica até 1915, quando foi encampado pelo governo estadual e transformado em posto de vacinação antirrábica. A importância do Instituto Pasteur de São Paulo reside no fato de, diferentemente de várias outras instituições que surgiram no país com essa mesma denominação, ele foi o único que, assim como seu inspirador francês, se dedicou à pesquisa científica, não se limitando à produção da vacina e ao tratamento antirrábico.
1914
Para evitar que alguma amostra de microrganismo perigoso viesse a infectar a cidade de São Paulo, o novo laboratório foi instalado no distante bairro do Butantan, que viria a dar nome ao instituto. Com o passar dos anos, o Instituto Butantan foi se desenvolvendo. A partir de 1914, recebeu financiamento maior e ganhou novas instalações, mais adequadas às atividades de pesquisa e produção. Nesse período, suas atividades diversificaram-se, transformando o Butantan em instituição de referência em pesquisas relacionadas aos animais peçonhentos e à produção de diferentes soros e vacinas.
1917
A partir de 1917, a Saúde Pública de São Paulo buscaria transformar o Butantan em instituição de saúde de maior porte, seguindo os moldes do Instituto Oswaldo Cruz. Para implementar essa diretriz, reforçaram-se os setores responsáveis pela pesquisa e fabricação de medicamentos para as endemias que assolavam o interior do estado, e criaram-se novas seções, como a de botânica e a de química, um horto para plantas medicinais e uma unidade industrial para produzir medicamentos contra a ancilostomose e a malária. Também se lançaram as Memórias do Instituto, periódico científico até hoje existente.
Saiba Mais
Apesar dos esforços, o projeto de ampliação do Butantan naquele momento não vingou. Em 1919, a saída de Vital Brazil deu início a um período de crises, em muito determinadas pela falta de profissionais para dar continuidade às atividades projetadas e pelas querelas políticas relacionadas ao papel da pesquisa e da produção na instituição.
Mas, dificuldades à parte, o instituto continuou ampliando sua produção de imunobiológicos e desenvolvendo pesquisas relevantes nas décadas seguintes, transformando-se em entidade de grande importância para a defesa sanitária do estado de São Paulo.
Na segunda metade do século XX, o Butantan deixaria de conviver com os conflitos que até então marcaram a sua trajetória. No que tange aos aspectos internos, essa pacificação foi fruto do consenso sobre o papel da pesquisa e da produção na instituição. No tocante aos aspectos externos, foi consequência do fortalecimento do setor público no campo da produção de imunobiológicos.
Saiba Mais
Nos anos 1960, a produção de vacinas do Butantan foi fundamental para o controle de doenças como a difteria, o sarampo e, principalmente, para sucesso da campanha nacional de erradicação da varíola. Nas décadas seguintes, o Butantan e o Instituto Oswaldo Cruz, formaram a base para a criação dos programas federais de controle de doenças transmissíveis a partir da vacinação e autossuficiência do país na produção de imunobiológicos.
O Instituto Oswaldo Cruz teve trajetória parecida com seu similar paulista. Sua história será apresentada na próxima aula quando tratarmos de Oswaldo cruz e a saúde pública no Brasil.
Para Refletir
O surgimento dos institutos de pesquisa biomédica marca um momento de inflexão na história da saúde. Grande parte deles teve importante papel no controle de diversas doenças e no desenvolvimento de ações de saúde pública.
Além disso, alguns deles, como o Instituto Oswaldo Cruz, e o Butantan ainda permanecem dando importantes contribuições no campo das ciências e fornecendo conhecimentos e produtos biomédicos de alto valor para a saúde dos brasileiros. Não é sem sentido que durante a epidemia de covid-19 (2020) foi dos laboratórios dessas duas instituições que brotaram as primeiras vacinas que imunizaram a população brasileira.