A doença tinha grande incidência nas zonas urbanas. No Rio de Janeiro do início do século XX, era um dos fantasmas mais temidos, tornando-se célebre em várias peças literárias que muitas vezes a relacionavam com o desregramento da vida e as paixões intensas. Diferentemente do que acontecia com outras doenças do período, o controle da tuberculose não foi alvo de ações da saúde pública.
Unidade 1
Do Império à Primeira República: o surgimento da saúde pública
As doenças
A partir de meados do século XIX, o crescente adensamento populacional, o desenvolvimento de novas cidades e a ampliação do comércio fizeram com que severas epidemias aportassem no país. A ideia corrente entre muitos médicos de que nossa especificidade geográfica e climática iria nos deixar a salvo das grandes epidemias começava a fazer água.
Veja a linha do tempo baseada na obra “Febre amarela, a doença e a vacina, uma história inacabada”, do historiador Jaime Benchimol
1849
Em 1849, uma grande epidemia de febre amarela surgiu no Nordeste e alcançou o Rio de Janeiro. A partir de então, a doença visitaria constantemente a capital brasileira, atacando grande parte de sua população, sobretudo os imigrantes. Nesse mesmo ano, uma epidemia de cólera varreu o país. No ano anterior, ela havia chegado a São Paulo, fazendo meia centena de vítimas na Hospedaria dos Imigrantes – instituição que abrigava os trabalhadores recém-chegados da Europa. Para evitar sua propagação, apelava-se para o isolamento compulsório dos doentes e a quarentena dos navios. Os doentes recebiam atendimento nas enfermarias da Santa Casa e em outras instituições filantrópicas, muitas das quais utilizavam os princípios homeopáticos como forma de terapêutica.
1891
Na última década do século XIX, o agravamento das epidemias de febre amarela se transformou num enorme problema. Em 1891, a doença causou 4454 mortes na cidade do Rio de Janeiro. De forma semelhante, a varíola não dava trégua nas principais cidades do país na virada do século XIX para o XX. Naquele momento, sua forma de prevenção – a vacina – já era conhecida e utilizada no Brasil. No entanto, a população ainda desconfiava muito do produto e, muitas vezes, resistia à aplicação em seus corpos de uma substância provinda de vitelos doentes. Em 1891, já no período republicano, a gravidade dos constantes surtos da doença fez com que a vacina se tornasse obrigatória em São Paulo.
1894
Nas duas últimas décadas do século XIX, a febre amarela e o cólera tiveram passagens violentas pelo país. Em 1894, o cólera atingiu a capital federal e, em pouco tempo, as cidades mineiras também foram afetadas. Na tentativa de deter o progresso do mal, as autoridades da saúde pública interromperam a comunicação terrestre entre o Rio de Janeiro e as cidades do Vale do Paraíba e deram início à construção de lazaretos. As dificuldades geradas pela interrupção dos transportes ferroviários desorganizaram o comércio de toda aquela região e criaram imensas dificuldades à população.
Muito mais que o cólera, a febre amarela foi a doença mais violenta na segunda metade do século XIX. A cada ano, suas epidemias ceifavam milhares de vidas, principalmente entre os imigrantes.
Além da mortalidade e do sofrimento que causava, a febre amarela era um entrave à continuidade do processo de importação de mão de obra e dificultava o desenvolvimento do comércio com os países europeus – elementos vitais à manutenção do modelo econômico do país naquele período.
Malária, peste bubônica e tuberculose completavam o time das doenças que mais mortes causavam na virada do século XIX para o XX.
A malária já existia no país desde os tempos da colônia. A existência de numerosas áreas pantanosas e de muitos focos de mosquitos do gênero Anopheles em diversas cidades possibilitava o contínuo surgimento de epidemias. O problema era ainda maior nas regiões rurais. Nas áreas de selva, habitat natural dos Anopheles, a doença era endêmica, atingindo principalmente os trabalhadores. Entrou para a história o caso da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no território do Guaporé (atual Rondônia): sua construção foi iniciada em 1872 e interrompida várias vezes, até o início do século XX, pela impossibilidade de os trabalhadores suportarem a malária na região.
Velha conhecida da Europa por sucessivas ondas epidêmicas que devastaram grande parte do continente entre os séculos XIII e o XVII, a peste bubônica surgiu no Brasil em 1898, colocando a saúde pública em polvorosa. O surto se iniciou no porto de Santos e ensejou o estabelecimento de medidas de quarentena e a criação dos principais institutos de pesquisa biomédica brasileiros: os institutos Oswaldo Cruz e Butantan, que tinham como objetivo inicial a produção do soro contra a doença. Apesar das medidas de saúde pública, a peste alcançou o Rio de Janeiro, fazendo grande número de vítimas entre 1900 e 1903.
Por fim, a tuberculose. Embora não possa ser caracterizada como epidemia, era problema de proporções gigantescas na virada do século XIX para o XX. Doença infecciosa de evolução crônica, atacava sobretudo as camadas mais pobres da população, pelas péssimas condições de alimentação e de moradia (nas casas de habitação coletiva, grande número de famílias dividia espaços exíguos, pouco ventilados e mal iluminados) e pelos rigores da exploração de seu trabalho (nas fábricas, muitas vezes, os operários faziam jornadas extremamente fatigantes), fatores que acabavam destruindo as defesas imunológicas. Mais que no agente transmissor, a culpa pela grande incidência estava nas condições de vida.