Módulo 3 | Manejo clínico: atenção especializada

COVID-19
Manejo da infecção causada pelo novo coronavírus

Aula 4

Suporte farmacológico

Esta é a Aula 4 do Módulo 3 do curso COVID-19 Fiocruz.

Nesta aula, vamos compartilhar o conhecimento científico atual sobre suporte farmacológico para pacientes com COVID-19.

Ao final, você será capaz de:

  • Reconhecer a importância de estudos clínicos controlados para a identificação de medicamentos que sejam eficazes e seguros no tratamento de doenças, bem como alguns exemplos de estudos em andamento.
  • Conhecer as recomendações atuais de terapias farmacológicas de suporte elaboradas por sociedades de especialistas, com base na evidência científica atual.

Tratamento farmacológico específico: estudos clínicos em andamento

Até julho de 2021, não há tratamento específico com efetividade comprovada. O uso de medicamentos específicos contra o SARS-CoV2 deve ser feito dentro de protocolos clínicos e de pesquisa, que resultem de estudos clínicos controlados.

O estudo clínico Solidariedade (“Solidarity”), da Organização Mundial da Saúde (OMS), é um exemplo de esforço mundial para acelerar as pesquisas sobre os tratamentos para COVID-19.

A coalizão de 90 países tem por objetivo atender a demanda de oferecer tratamento para os quadros mais graves.

No Brasil, a Fiocruz integra a coalizão internacional e é responsável por conduzir as pesquisas em 18 hospitais de 12 estados, com o apoio do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde.

Os primeiros resultados do ensaio clínico "Solidarity", que busca avaliar a eficácia de medicamentos no tratamento da COVID-19, foram publicados na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM).

O estudo inclui apenas pacientes internados, maiores de 18 anos e com confirmação para infecção pelo SARS-CoV2 (PCR).

Em busca do tratamento para COVID-19: a importância dos ensaios clínicos

Até julho de 2021, não há medicamento comprovadamente eficaz para o controle da infecção pelo coronavírus, embora muitos estudos venham sendo realizados.

A recomendação do uso de um medicamento depende da realização de pesquisas em diversas fases. Em geral, são realizados testes em laboratório ou “in vitro”, seguidos de estudos em animais e, apenas se ambos tiverem resultados positivos, são realizadas pesquisas com seres humanos.

Ensaios clínicos são estudos realizados com grupos de pessoas com uma determinada condição, visando analisar a eficácia e segurança de um ou mais medicamentos.

Tais estudos seguem protocolos aprovados por comitês de ética em pesquisa e são desenvolvidos sob condições controladas, em termos de perfil dos pacientes, forma de administração e monitoramento da resposta aos medicamentos. Os ensaios clínicos podem comparar medicamentos entre si com placebo ou com a não administração de medicamento, bem como diferentes doses ou durações de tratamento com um mesmo medicamento.

Um exemplo de ensaio clínico controlado em busca de tratamento para a COVID-19 é o estudo Solidariedade, coordenado pela OMS, que envolve diversos países e inclui 18 instituições de pesquisa de 12 diferentes estados do Brasil. Inicialmente, tal estudo visa comparar quatro esquemas terapêuticos para COVID-19: (i) Remdesivir; (ii) Lopinavir/Ritonavir; (iii) Lopinavir/Ritonavir com Interferon beta-1a; e (iv) Cloroquina ou Hidroxicloroquina.

Seu desenvolvimento é dinâmico: caso haja evidências de que um esquema não é eficaz ou seguro, ele será retirado do estudo. Caso haja evidências de que um esquema é superior aos demais, ele passará a ser adotado. Existe ainda a possibilidade de incorporação de novos esquemas ao estudo, a depender de evidências científicas.

Além dos estudos em andamento, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia publicaram, em consenso, as Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19. O documento apresenta 11 recomendações embasadas em evidência de nível baixo ou muito baixo.

Fonte: Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19: AMIB, SBI e SBPT. Elaboração: 18 de maio de 2020

Legenda:

  1. Benefício clínico – o: pequeno ou negligenciável; +: moderado; ++: importante
  2. Risco – o: pequeno ou negligenciável; +: moderado; ++: importante
  3. Custos diretos – $: custos baixos; $$: custos moderados; $$$: custos elevados. Avaliação qualitativa, considerando sistema público e saúde suplementar, com base em preços aferidos pelo Painel de Preços do Ministério da Economia, Banco de Preços em Saúde, tabela CMED e preços habituais praticados em mercado.
  4. Acesso - : indisponível; ✓: disponibilidade limitada no contexto brasileiro, seja do insumo, seja de profissionais com experiência no seu uso; ✓✓: boa disponibilidade no contexto brasileiro
  5. Evidência avaliada de acordo com o GRADE. Níveis de confiança na evidência: ++++ alto; +++o moderado; ++oo baixo; +ooo muito baixo
  6. Para custos, considerada anticoagulação terapêutica com heparina de baixo peso molecular, implicando em maiores custos.

Considerações sobre as 11 recomendações

  • Recomendação fraca - Nível de evidência baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que as evidências disponíveis não sugerem benefício clinicamente significativo no tratamento com hidroxicloroquina ou com cloroquina. Houve entendimento de que o risco de eventos adversos cardiovasculares é moderado, em especial de arritmias. Até o momento, os estudos comparados existentes avaliaram pacientes hospitalizados somente, não havendo base para uso ou não em pacientes ambulatoriais. O uso pode ser considerado mediante decisão compartilhada entre médico e paciente, somente em pacientes graves ou críticos, hospitalizados, com monitorização frequente de intervalo QTc e evitando medicamentos concomitantes que também prolonguem o QTc. Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que as evidências disponíveis não sugerem benefício clinicamente significativo no tratamento com hidroxicloroquina ou com cloroquina em associação com a azitromicina. Houve entendimento de que o risco de eventos adversos cardiovasculares é moderado, em especial de arritmias, sendo potencializado com a associação de hidroxicloroquina/cloroquina com azitromicina, necessitando maiores cuidados em relação a esses eventos adversos. Até o momento, os estudos comparados existentes avaliaram somente pacientes hospitalizados, não havendo base para uso ou não em pacientes ambulatoriais. O uso pode ser considerado mediante decisão compartilhada entre médico e paciente, somente em pacientes graves ou críticos, hospitalizados, com monitorização frequente de intervalo QTc e evitando medicamentos concomitantes que também prolonguem o QTc. Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação forte - Nível de evidência muito baixo

    Sem considerações

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que não há evidência para uso do oseltamivir no tratamento do SARS-CoV-2, não havendo também racional teórico que possibilite essa utilização. Contudo, o oseltamivir pode ser considerado na suspeita de infecção por influenza, por pacientes com síndrome respiratória aguda grave ou com síndrome gripal na presença de fatores de risco para complicações da influenza (doenças crônicas, imunossupressão, idade ≥ 65 anos, gestantes). A dose usual em adultos com função renal adequada é de 75mg duas vezes ao dia por cinco dias. A suspeita de influenza deve levar em conta sinais e sintomas do paciente, achados radiológicos, assim como a epidemiologia local. A suspeita permanece mesmo em indivíduos com histórico de imunização, uma vez que a efetividade da vacina raramente é superior a 80%. Na possibilidade de testagem para influenza, o oseltamivir pode ser interrompido caso o teste seja negativo, desde que o teste possua sensibilidade adequada para influenza A sazonal, B e H1N1. A decisão sobre o uso do oseltamivir foi realizada com base nas indicações do seu uso fora do contexto da pandemia da COVID-19, não havendo informações adequadas de como a mesma se comporta no cenário epidêmico do SARS-CoV-2. Na existência de protocolos locais bem desenvolvidos, adequados à epidemiologia local, sugerimos utilizá-los.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que as evidências disponíveis não sugerem benefício clinicamente significativo do tratamento com lopinavir/ritonavir. O medicamento pode ser considerado promissor e a ausência de benefício observada pode ser decorrente do pequeno número de pacientes avaliados. Apesar da alta taxa de descontinuação por eventos adversos e potencial de interações medicamentosas, o medicamento é relativamente seguro em seu uso no curto prazo. O medicamento pode ser considerado mediante decisão compartilhada entre médico e paciente, em pacientes hospitalizados graves e críticos, em centros com profissionais que já possuam experiência com o seu uso. Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que não há evidências que suportem o uso de corticosteroides de rotina na COVID-19. Glicocorticosteroides devem ser evitados nos primeiros 7 a 10 dias do início dos sintomas, momento no qual a resposta viral é mais relevante, havendo evidências de que corticosteroides podem retardar a negativação viral. Algumas evidências apontam para potencial benefício no paciente com SARA moderada a grave fora do contexto da infecção viral. O seu uso pode ser considerado em casos selecionados, com SARA moderada a grave, sem suspeita de infecção bacteriana não controlada, após 10 a 14 dias do início dos sintomas da COVID-19. As doses utilizadas nos estudos variaram de 10 a 20mg de dexametasona e de 40 a 120 mg de metilpredinisolona por dia, por 5 a 10 dias. Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica. Pacientes com outras indicações para o uso de corticosteroides (ex. asma e DPOC exacerbadas) devem utilizar de acordo com indicação clínica, avaliando os demais riscos e benefícios frente à infecção pela COVID-19.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

    Dra. Elnara Marcia Negri, médica e pesquisadora da USP fala sobre o uso dos corticosteroides.

    Este vídeo é parte de um dos debates promovidos pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia sobre atendimentos e procedimentos médicos no contexto da COVID-19. Você pode assistir ao debate completo aqui

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que não há evidências de benefício e de segurança que possa sugerir o uso do tocilizumabe de forma rotineira. Além disso, o custo da medicação é elevado e, especialmente durante uma epidemia, há a necessidade de se racionalizar recursos, evitando o uso de intervenções sem evidência de benefício. O medicamento pode ser considerado mediante decisão compartilhada entre médico e paciente, em pacientes hospitalizados graves e críticos, com diagnóstico confirmado de infecção pelo SARS-CoV-2, com elevação significativa de marcadores de inflamação (ex. IL-6, d-dímeros, proteína C reativa, LDH e ferritina). A utilização do tocilizumabe deve ser restrita a centros com profissionais que já possuam experiência em seu uso. Seu uso preferencial deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação forte - Nível de evidência muito baixo

    Sem considerações

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Considerações: O painel de recomendações entendeu que não há indicação de heparinas em doses terapêuticas (ex. enoxaparina 1 mg/kg subcutânea [SC] a cada 12 horas) para o tratamento da COVID-19. O raciocínio é análogo para outros anticoagulantes. Anticoagulação está associada ao risco aumentado de eventos hemorrágicos e deve ser reservada para pacientes com indicações para tal (ex. fibrilação atrial, tromboembolismo pulmonar, trombose venosa profunda, entre outras), seguindo protocolos relacionados. Pacientes com COVID-19 parecem possuir risco aumentado de eventos tromboembólicos e a equipe assistencial deve atentar para o desenvolvimento de sinais e sintomas. Pacientes hospitalizados por COVID-19 devem receber profilaxia de tromboembolismo conforme estratificação de risco de acordo com protocolos hospitalares locais. Contudo, pode-se estender o uso de doses profiláticas para todos os pacientes com COVID-19 uma vez que alguns pacientes com infecção pelo SARS-CoV-2 parecem apresentar estado de hipercoagulabilidade, sendo observado alta taxa de eventos tromboembólicos em estudos clínicos observacionais e post mortem. Podem ser utilizadas, por exemplo, a enoxaparina 40 a 60mg SC 1x/dia ou a heparina não fracionada 5.000UI SC 2 a 3x/dia. Apesar da evidência para a profilaxia farmacológica no contexto da COVID-19 ser limitada, a intervenção é de baixo custo e bem tolerada, com potencial de evitar eventos de elevada importância clínica. Heparina não deve ser utilizada no caso de contraindicações (ex. alto risco de sangramento, sangramento ativo, plaquetopenia grave); HBPM deve ser utilizada com cautela em pacientes com disfunção renal.

    Dra. Elnara Marcia Negri, médica e pesquisadora da USP e Dra. Samia Rached, pneumologista do Incor falam sobre procedimentos profiláticos para anticoagulação e comentam casos específicos.

    Este vídeo é parte de um dos debates promovidos pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia sobre atendimentos e procedimentos médicos no contexto da COVID. Você pode assistir ao debate completo aqui

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação fraca - Nível de evidência muito baixo

    Sem considerações

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

  • Recomendação não graduada

    Considerações: O painel entendeu que, na ausência de evidências, não há base para indicar antibacterianos profiláticos em pacientes com COVID-19. Além da ausência de evidências de benefício, tal prática pode resultar em eventos adversos, maior resistência antimicrobiana e custos. Não há dados adequados sobre coinfecção bacteriana em pacientes com COVID- 19, contudo deve-se atentar que sobreposição de infecções podem ocorrer. Entende-se que esses pacientes devem receber antibacterianos de forma semelhante aos pacientes sem COVID-19, levando-se em consideração a epidemiologia local, seguido diretrizes e protocolos locais e orientações dos serviços de controle de infecção.

    O resumo da evidência está descrito no documento das Diretrizes.

Com estudos em andamento e o surgimento de novas evidências, é possível que, no momento em que esteja fazendo essa aula, as recomendações tenham sido atualizadas novamente. Consulte os órgãos de referência e o material complementar do curso para se manter atualizado.

A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) publicou, em maio de 2021, as Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com COVID-19. O documento tem como principal objetivo contribuir para sistematizar e padronizar os procedimentos terapêuticos destinados aos pacientes com COVID-19, e foi elaborado a partir de evidências científicas diretas e indiretas, e diretrizes nacionais e internacionais sobre o tema, contextualizadas pela experiência clínica dos especialistas envolvidos.

Em resumo, de acordo com a publicação, poucas terapias farmacológicas mostraram-se eficazes no tratamento da COVID-19, em pacientes hospitalizados, em especial agindo na resposta imunomodulatória. À exceção de corticoesteróides e do tocilizumabe, ambos em pacientes com uso de oxigênio suplementar, não há outras terapias que mostraram benefício na prevenção de desfechos clinicamente relevantes como mortalidade e evolução para ventilação mecânica. Algum benefício marginal pode ser obtido com o uso de rendesivir, contudo seu alto custo, baixa experiência de uso e incertezas em relação à efetividade não justificam seu uso de rotina. Da mesma forma, há incertezas sobre o benefício do uso de anticoagulação terapêutica, que, acrescidos do aumento definido no risco de sangramento, impedem que a mesma seja indicada de rotina, devendo ser utilizada em dose de profilaxia para tromboembolismo venoso. Por sua vez, antimicrobianos devem ser utilizados somente na presença ou suspeita de infecção bacteriana associada, não devendo ser utilizado de rotina no paciente com COVID-19.

Resumo das recomendações: Medicamentos para tratamento hospitalar do paciente com COVID-19

Tratamento farmacológico do paciente hospitalizado com COVID-19.

(*) Este curso foi atualizado em 27 de julho de 2021.

Chegamos ao fim da aula

Você terminou a Aula 4 do Módulo 3 do curso COVID-19 - Manejo da infecção causada pelo novo coronavírus.

Nesta aula, você conheceu as recomendações atuais de terapias farmacológicas de suporte elaboradas por sociedades de especialistas, com base na evidência científica recente e aprendeu sobre a importância da realização de ensaios clínicos controlados de maior porte para identificar medicamentos que sejam eficazes e seguros no tratamento da COVID-19.

Na próxima aula, vamos falar sobre suporte respiratório para pacientes graves.

Siga em frente lembrando que, até a oferta desta aula, não havia tratamento farmacológico específico, comprovadamente eficaz, contra a COVID-19.

Atividade