Aula 1
Fatores e condições para que epidemias de doenças infecciosas aconteçam
Objetivos de aprendizagem da aula:
- Identificar os principais fatores relacionados às epidemias.
-
Aplicar a pandemia de coronavírus como exemplo.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, pandemia é a disseminação mundial de uma doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Para que ocorra uma pandemia é necessária a conjunção de diversos fatores relacionados ao contexto físico, ao ambiente, ao agente infeccioso, às pessoas e aos animais envolvidos e à forma como o homem o ocupa e se movimenta nesse ambiente. É isso que veremos a seguir.
Vários fatores relacionados ao agente infeccioso fazem com que este seja potencialmente causador de pandemias, como por exemplo a forma de transmissão. Agentes que se transmite de pessoa a pessoa, por via aérea, como os vírus influenza e os coronavírus, ou por contato, como o Ebola e a varíola, atingem mais facilmente um maior número de indivíduos.
Ao contrário, a transmissão de agentes que dependem da existência de vetores, de reservatórios animais ou de hospedeiros intermediários tende a ser mais lenta. O potencial pandêmico da peste, por exemplo, depende da convivência entre ratos, pulgas e humanos. Assista a seguir a Dra Mayumi Wakimoto sobre como acontece a dinâmica de pandemias dentro da visão de Uma só saúde.
Doutora Mayumi Duarte Wakimoto sobre como as epidemias surgem
Fatores relacionados às pandemias
Agente infeccioso
Agentes infecciosos são microorganismos vivos (vírus, bactérias, fungos, protozários, vermes
etc.), que podem causar doenças em humanos e animais. Várias características determinam seu
potencial para causar pandemias, com destaque para a forma de transmissão.
Vírus
transmitidos por via aérea, de pessoa a pessoa (como influenza e os coronavírus), ou por
contato (como o ebola e a varíola) se propagam mais facilmente, atingindo um maior número de
indivíduos.
Já o contágio por agentes infecciosos que dependem de vetores, reservatórios animais ou hospedeiros intermediários tende a ser mais lento. O potencial pandêmico da peste, por exemplo, está ligado à convivência entre ratos, pulgas e humanos.
Infectividade
A infectividade, capacidade de causar infecção também é um fator importante relacionado às pandemias.
Há agentes infecciosos com maior potencial de causar doenças. É o caso dos que utilizam receptores de grande parte das células humanas — especialmente as mais próximas das portas de entrada, como as proteínas de superfície das células respiratórias nas quais os vírus influenza e coronavírus se encaixam.
Agentes que causam infecção com amplo espectro clínico, médios ou longos períodos de incubação e menor letalidade também atingem mais pessoas. Isso porque os indivíduos infectados se sentem bem para manter suas atividades e rotina, e acabam circulando normalmente nos ambientes e contagiando outras pessoas.
Imunização
O potencial pandêmico também é maior quando um grande número de pessoas ainda é suscetível ao agente. Por essa razão, em geral, as pandemias são causadas por agentes novos ou reemergentes.
Ambiente
A ocupação do ambiente pelos humanos é o principal fator da dinâmica que resulta em surtos, epidemias e pandemias. É no ambiente que:
- Surgem novos agentes infecciosos (como o vírus influenza e os coronavírus, e que causaram a maior parte das pandemias dos séculos 20 e 21);
- Proliferam os vetores de doenças relacionadas à ocupação desordenada e à falta de saneamento (a exemplo do mosquito Aedes aegypti, transmissor da febre amarela urbana, dengue, zika e chikungunya);
- Ocorrem aglomerações humanas, que favorecem a ampla transmissão de agentes infecciosos;
- Acontecem as migrações, determinando maior mobilidade geográfica, devido a guerras, conflitos, fome e pobreza;
- Recursos naturais são produzidos e explorados, muitas vezes a partir de dinâmicas predatórias.
Medidas de prevenção, informação e comunicação
Grande parte da população mundial ainda não tem acesso a recursos tecnológicos ágeis e eficazes no que se refere à informação e comunicação. Esse fator reduz a capacidade de prevenção, monitoramento e controle de agentes infecciosos potencialmente causadores de pandemias e da população suscetível.
Em geral, os doentes só procuram por ajuda, quando a infecção já está amplamente disseminada. Ao mesmo tempo, casos semelhantes aumentam, chamando a atenção de médicos, pesquisadores e da comunidade local, até que a maioria da sociedade tome ciência do problema. Ou seja, muitas vezes, o remédio é tratar o problema, em vez de prevenir por meio de soluções como o desenvolvimento de vacinas, testes para diagnóstico e outras medidas.
As ações mais eficientes para prever e prevenir pandemias dependem, em grande parte, de intervenções relacionadas ao modo como interagimos e impactamos o ambiente. E aí estão também incluídas ações de informação, comunicação e educação, que contribuam para ampliar o conhecimento, a troca de experiências e as ações de vigilância em saúde.
Vírus e mutações
Os vírus, por sua maior capacidade de mutação, causam pandemias com mais frequência do que outros tipos de microrganismos.
De modo simplificado, para que novos vírus surjam, é necessário que pelo menos um dos fenômenos descritos a seguir aconteça:
As ações mais eficientes para prever e prevenir pandemias dependem, em grande parte, de intervenções relacionadas ao modo como interagimos e impactamos o ambiente. E aí estão também incluídas ações de informação, comunicação e educação, que contribuam para ampliar o conhecimento, a troca de experiências e as ações de vigilância em saúde.
- O encontro de vírus diferentes, já adaptados a outras espécies animais, provocando combinações dos genes em maior ou menor grau. Esse processo é comum nos vírus influenza. Uma pandemia de influenza pode ocorrer quando um vírus não-humano da influenza ganha a capacidade de transmissão eficiente e sustentada de pessoa a pessoa, conseguindo se espalhar globalmente.
- Um vírus já adaptado a uma determinada espécie animal evolui e afeta uma nova espécie, havendo seleção de mutações, que o tornam muito diferente do original. Esse processo é comum nos coronavírus. Após o surgimento do novo vírus é necessário o contato entre um ser humano e a nova espécie animal hospedeira, para que uma cadeia de transmissão entre pessoas se inicie. Se ocorrerá um surto, uma epidemia ou uma pandemia dependerá da capacidade do novo vírus de causar doença nas pessoas e de ser transmitido.
Surtos e a pandemia de coronavirus
Os vírus influenza e os coronavírus têm características biológicas que facilitam o surgimento de outros vírus, totalmente novos. Isso significa que os seres humanos não têm anticorpos para esses vírus novos, nem vacinas, medicamentos ou testes diagnósticos desenvolvidos. Como agravante, por serem de transmissão respiratória de pessoa a pessoa, podem se alastrar rapidamente.
A pandemia de Covid-19 (oficialmente declarada pela OMS entre 11 de março de 2020 e 5 de maio de 2023), causada pelo SARS-CoV-2, foi o terceiro surto de coronavírus altamente patogênicos em humanos nas últimas duas décadas — os dois primeiros foram ocasionados por SARS-CoV e MERS-CoV. Todos esses coronavírus cruzaram a barreira das espécies, sendo transmitidos a partir de animais selvagens para humanos, representando uma grande ameaça à saúde global.
De 2002 a 2004 aconteceu o surto de SARS e identificou-se que o SARS-CoV se originou de morcegos, que foram os hospedeiros reservatórios. Posteriormente, esses morcegos infectaram civetas (mamíferos de pequeno porte), que atuaram como hospedeiros intermediários. Os civetas (mamífero carnívoro, vive no continente africano, da família dos viverrídeos, e chega até 90 cm de comprimento) incorporaram mudanças do vírus na proteína de superfície viral spike (proteína S).
O que acontece no seu corpo após tomar a vacina contra a COVID-19
Exposto a humanos em mercados de animais vivos no sul da China, o vírus adaptado aos civetas adquiriu subsequentes adaptações que resultaram na cepa epidêmica, permitindo a transmissão entre humanos. Esse surto teve mais de 8 mil casos confirmados, com mais de 700 mortes no total, ou seja: uma mortalidade de quase 10% das pessoas.
Já no caso do surto de MERS, em 2012, que inicialmente ocorreu na região da Arábia Saudita, os dromedários foram os hospedeiros intermediários. A mortalidade pela doença chegou a 35%.
O vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, se espalhou pelo mundo todo de forma severa. A origem deste novo coronavírus ainda está sendo estudada. Um sequenciamento genético muito próximo do SARS-CoV-2, foi encontrado em morcegos, em 2017. Mas o hospedeiro intermediário ainda não está elucidado. Houve trabalhos sugerindo que poderia ser o pangolim, um mamífero em vias de extinção. Um sequenciamento genético semelhante ao SARS-CoV-2, mas não tão próximo como o do morcego foi encontrado nesse mamífero.
O pangolim é um animal muito utilizado na produção de cosméticos, pela medicina naturalista e para ser consumido como iguaria.
Como um vírus é transmitido de populações de animais silvestres para pessoas? Essa é uma questão bastante complexa e importante de ser respondida. A pandemia de Covid-19 teve início no mercado de Wuhan, um “mercado úmido” (wet market, em inglês), localizado numa das maiores megalópoles da China e do mundo, onde são vendidos animais domésticos, silvestres, vivos e mortos. Isto é: um ambiente altamente propício para que o coronavírus se propagasse entre animais e humanos.
Hoje, já se sabe que a pandemia de Covid-19 foi sustentada pela transmissão de humano para humano.
Saiba Mais
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a Covid-19, acesse o curso do Campus Virtual Fiocruz.
Uma Só Saúde e Covid-19
Sem dúvida, o surgimento da Covid-19 impulsionou a utilização da abordagem Uma Só Saúde (One Health), já que os fenômenos geradores desses vírus estão intrinsecamente ligados a:
- Saúde animal;
- As formas de produção e comercialização de proteína animal utilizadas pelos seres humanos para se alimentar;
- A convivência com animais silvestres, capturados como animais de estimação, assim como a ocupação e exploração predatória de florestas e matas pelo homem;
- As alterações climáticas, que têm influência em uma série de eventos, desde a migração de aves até efeitos danosos resultantes de mudanças nos regimes de chuva (enchentes, secas, deslizamentos etc.), entre vários outros exemplos.
Uma Só Saúde e a Influenza Aviária
Recentemente, entre 2022 e 2024 o Brasil enfrentou o risco da disseminação da influenza aviária, que resultou numa alta mortalidade de aves migratórias nas Américas, com mais de 3 mil registros de suspeitas da doença no país. Essa situação exigiu a intensificação de ações intensas de vigilância em aves domésticas, de criação industrial e em seres humanos. As medidas foram definidas em conjunto pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, com o auxílio de um Comitê de Operações de Emergência (COE) que contou com participação interministerial.
Saiba Mais
Para acompanhar a ocorrência de casos em aves e mamíferos no Brasil, acesse o Painel Investigações de Síndrome Respiratória e Nervosa das Aves realizadas pelo Serviço Veterinário Oficial
Você chegou ao final da aula!
Nesta aula, você aprendeu sobre principais fatores relacionados às epidemias, bem como condições ambientais e comportamentos sociais que influenciam a disseminação de doenças. A pandemia de coronavírus foi aplicada como exemplo, evidenciando como fatores biológicos, sociais e econômicos interagem e amplificam a propagação viral em escala global. Siga em frente com seus estudos e continue em sua trilha de aprendizagem!