Módulo 4 | Aula 2

Enfrentamento da COVID-19
No contexto dos povos indígenas

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Módulo 4 - Aula 2

Informações em saúde no contexto da pandemia: monitoramento e notificação da Síndrome Respiratória Aguda

Nesta aula, vamos falar sobre a Vigilância da Síndrome Respiratória Aguda, sua notificação e a produção das informações sobre a pandemia da Covid-19.

Ao final, você será capaz de:

  • Conhecer a Vigilância das Síndromes Respiratórias Agudas e os fluxos de notificação de síndrome Gripal, Síndrome Respiratória Aguda Grave, casos de Covid-19 e óbitos, no contexto indígena.
  • Conhecer os desafios do monitoramento da Covid-19, no contexto indígena.
  • Compreender a importância da vigilância e monitoramento do coronavírus, no contexto indígena.

Vigilância de Síndromes Respiratórias Agudas

O Sistema de Vigilância de Síndromes Respiratórias Agudas realiza o monitoramento da influenza e de outros vírus respiratórios, e no contexto da pandemia foi adaptado para incluir a vigilância da COVID-19.

Em 2009, na pandemia da Influenza A (H1N1)pdm09, se organizou o monitoramento da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), realizada em todos os hospitais do país, da rede pública ou privada, que devem coletar as informações e notificar “todos os casos de SRAG hospitalizados e/ ou óbitos por SRAG, causados por vírus respiratórios de importância em saúde pública” (SVS/MS, 2020: 13 ). Ressalta-se que qualquer óbito por SRAG ocorrido em hospital ou não deve ser notificado no Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). A hospitalização e óbito por SRAG é um importante indicador para analisar o impacto da pandemia em povos indígenas, sendo que este tem apresentado nos últimos meses um padrão de aumento em relação à série histórica nos últimos 10 anos (relatório PROCC/Fiocruz; FGV; ENSP, 2020).

Segundo o “Guia de Vigilância Epidemiológica da COVID-19” (MS, 2020: 12), os objetivos da Vigilância da Covid-19 são:

  • “Identificar precocemente a ocorrência de casos da COVID-19;
  • Estabelecer critérios para a notificação e registro de casos suspeitos em serviços de saúde, públicos e privados;
  • Estabelecer os procedimentos para investigação laboratorial;
  • Monitorar e descrever o padrão de morbidade e mortalidade por COVID-19;
  • Monitorar as características clínicas e epidemiológicas do vírus SARS-CoV-2;
  • Estabelecer as medidas de prevenção e controle; e
  • Realizar a comunicação oportuna e transparente da situação epidemiológica no Brasil.”

Notificação de casos suspeitos e confirmados

A COVID-19 é uma doença ou agravo de notificação compulsória imediata, por ser Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). A notificação compulsória é “comunicação obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de saúde pública, descritos no anexo, podendo ser imediata ou semanal” (Portaria de Consolidação nº 4, publicada em 03 de outubro de 2017, Anexo V), sendo que a notificação imediata da suspeita ou confirmação do agravo/doença deve ocorrer em até 24 horas.

Considerando a situação de transmissão comunitária em todo território nacional, é fundamental a notificação imediata dos casos de Síndrome Gripal (SG) e de Síndrome Gripal Aguda Grave (SRAG) para que seja possível monitorar, acompanhar a situação epidemiológica, tomar decisões quanto às ações a serem desenvolvidas na prevenção e tratamento da COVID-19. O Ministério da Saúde orienta que as unidades de atenção primária, o que engloba os Polos Base e Unidades de Saúde Indígena, devem notificar os casos de SG por meio do sistema e-SUS VE, enquanto os casos de SRAG são notificados pelos hospitais no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), conforme o Fluxo de Notificação COVID-19. Os casos de óbito suspeitos ou confirmados e por SRAG, que ocorrerem nas comunidades, devem ser notificados no SIVEP-Gripe e também no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Notificação de casos suspeitos e confirmados

Fonte: Ministério da Saúde

Os critérios de identificação de casos de COVID-19 foram apresentados na Aula 1 do Módulo 4. Os profissionais das Equipes Multidisciplinares em Saúde Indígena devem notificar todos os casos de Síndrome Gripal, óbito na comunidade por SRAG e indivíduos assintomáticos com confirmação laboratorial de COVID-19, de acordo com as definições de caso apresentadas no Módulo 3.

Deve-se utilizar na Ficha de notificação os seguintes Códigos Internacionais de Doenças (CID -10) para a COVID -19:

  • Infecção por coronavírus de localização não especificada.

  • COVID-19, vírus identificado. É atribuído a um diagnóstico de COVID-19 confirmado por testes de laboratório.

  • COVID-19, vírus não identificado, clínico epidemiológico. É atribuído a um diagnóstico clínico ou epidemiológico de COVID-19, em que a confirmação laboratorial é inconclusiva ou não está disponível.

A notificação imediata deve ser realizada pelo meio de comunicação mais rápida disponível, em até 24 horas a partir do conhecimento de caso que se enquadre na definição de suspeito.

Meios para receber a notificação de casos suspeitos do novo coronavírus e outros eventos de saúde pública

Orientações e esclarecimentos para os profissionais de saúde estarão disponíveis no portal do DATASUS.

Especificamente em relação à notificação de casos em populações indígenas atendidas pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS)

EMSI ou Equipe Casai COM acesso à internet

Preenchimento do formulário eletrônico de notificação (e-SUS Notifica) - após o preenchimento, o profissional deve baixar o PDF da ficha de notificação e enviar eletronicamente para a vigilância epidemiológica municipal ou estadual, para a Divisão de Atenção à Saúde Indígena (DIASI) do DSEI respectivo e para a SESAI, no e-mail lista.nucleo1@saude.gov.br.

EMSI ou Equipe CASAI SEM acesso à internet

Contato por telefone ou rádio com a Divisão de Atenção à Saúde Indígena (DIASI) do DSEI, informando os detalhes do caso. A DIASI fará a notificação por meio do formulário eletrônico - após o preenchimento, o profissional da DIASI deve baixar o PDF da ficha de notificação e enviar eletronicamente para a vigilância epidemiológica municipal ou estadual e para a SESAI, no e-mail lista.nucleo1@saude.gov.br.

O preenchimento adequado das fichas de notificação e em tempo oportuno possibilita que a gestão dos serviços de saúde, seja os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ou os gestores municipais, estaduais e federal, acompanhem o desenvolvimento da pandemia de COVID-19 nos povos indígenas. Assim, é imprescindível o correto preenchimento da variável Raça/Cor para a identificação desta população.

A produção da Informação em Saúde sobre os Povos Indígenas no Brasil

O critério adotado no Brasil para ser considerado indígena é o da autoclassificação, seguindo os marcos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1989, sancionada no Brasil em 2002. Nos sistemas de informação esse registro é feito por meio da variável cor/raça, que admite as categorias branca, preta, parda, amarela e indígena. Essa variável tem sido utilizada em todos os sistemas de informação do Ministério da Saúde desde o final da década de 1990, incluindo aqueles específicos para a vigilância da Síndrome Gripal e Síndromes Respiratórias Agudas Graves, bem como o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Internações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), permitindo a análise da situação de saúde por grupos de cor/raça. Naturalmente, o critério de autoclassificação tem limitações óbvias para sua aplicação em determinados eventos, como nascimentos e óbitos.

Os Censos demográficos, realizados a cada dez anos, também vêm coletando dados de cor/raça nas últimas décadas e, nos últimos dois Censos, houve grande avanço na captação de dados censitários para o segmento indígena. No último Censo, de 2010, além da pergunta sobre cor/raça ter sido deslocada do questionário da amostra para o questionário do universo da pesquisa, era perguntado a pessoas residentes em Terras Indígenas que não se autodeclaram indígenas, se elas se consideravam indígenas, conferindo um grau aprofundado de detalhamento sobre a população indígena no Brasil. O IBGE tem uma página exclusiva para as informações sobre a população indígena declarada: IBGE - Indígenas, conforme abordamos no Módulo 1.

Para o enfrentamento da Covid-19, o IBGE antecipou os dados sobre indígenas e quilombolas. As notas técnicas estão disponíveis no documento Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os indígenas e quilombolas para enfrentamento à Covid-19, disponível na página do IBGE.

Com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), foi implantado, a partir de 2000, o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) para monitoramento das informações demográficas e de saúde. Destacamos que, como o SASI-SUS tem sua cobertura limitada à população indígena residente em terras indígenas, principalmente aquelas homologadas, o SIASI apresenta informações sobre parte da população indígena total identificada no Censo demográfico.

SIASI-SUS

É o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena. Inclui dados de morbidade, mortalidade, demografia, saneamento e acesso a serviços de saúde.

Seus dados não são de acesso aberto e são fornecidos de maneira limitada mediante solicitação oficial via Lei do Acesso à Informação.

Desafios e Limitações no monitoramento da COVID-19 em Indígenas no Brasil

As informações oficiais sobre a ocorrência de casos e mortes causados pela COVID-19 na população indígena são registradas em diferentes sistemas de informação, destacando-se três: SIVEP-Gripe, e-SUS Notifica e o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), da SESAI. Os dois primeiros sistemas, e-SUS Notifica e SIVEP-Gripe, se baseiam na variável cor ou raça para a identificação dos casos em indígenas. Por sua vez, os registros da SESAI, sistematizados através do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), se referem unicamente à população atendida pelos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que é majoritariamente aldeada. Os casos identificados no Subsistema, em princípio, alimentam o SIVEP-gripe e e-SUS, mas eles se referem apenas à parcela da população indígena no país.

Os dados oficiais de notificação dos casos confirmados e de mortes de indígenas pela Covid-19 são divulgados nos Boletins e Informes Epidemiológicos da SESAI/MS, em seu sítio eletrônico (Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI).

Entretanto, o contexto da pandemia evidenciou um problema de longa data, a invisibilização da identidade indígena, particularmente daqueles atendidos em centros urbanos, pois: a) a identificação de cor/raça não foi obrigatória para a notificação da COVID-19 até julho de 2020; b) existem falhas no preenchimento do campo cor/raça; c) pessoas indígenas estavam sendo identificadas em outras categorias de cor/raça, em particular como “pardas”.

Os 6 primeiros meses da pandemia

Na Aula 2, do Módulo 2 desse curso (Perfil Epidemiológico e a COVID-19 nos povos indígenas) apresentamos um panorama dos dados oficiais nos primeiros 6 meses de pandemia.

Lembramos que em 2017, a Portaria 344 determinou a obrigatoriedade do preenchimento da variável cor/raça nos formulários dos sistemas de informações. A não inclusão dessa variável na ficha de notificação da COVID-19 afetou não somente os povos indígenas, de forma que a Abrasco divulgou nota sobre a importância do preenchimento da variável cor/raça; tramita no Congresso o Projeto de Lei 2.179 que visa a obrigatoriedade dessas informações; e houve manifestações no âmbito judiciário.

Em julho, o Ministério Público Federal do Amazonas, visando evitar a subnotificação de casos de COVID-19 de indígenas, recomendou ao Ministério da Saúde a obrigatoriedade da autodeclaração do campo cor/raça e preenchimento do campo etnia.

Cadastrados como brancos e pardos

A mídia denunciou casos de indígenas cadastrados como brancos e pardos pelo sistema de saúde.

Em julho de 2020 foi sancionada a Lei 14.021/2020, que altera a lei 8.080, no artigo 19-G, determinando:

§ 1º-A. A rede do SUS deverá obrigatoriamente fazer o registro e a notificação da declaração de raça ou cor, garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde.

§ 1º-B. A União deverá integrar os sistemas de informação da rede do SUS com os dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.

O movimento indígena identificou essas limitações na divulgação dos dados oficiais e, por isso, iniciaram uma vigilância participativa, procurando complementar os dados oficiais da Sesai com a busca ativa junto às diversas organizações indígenas e lideranças indígenas, visando elaborar um panorama mais completo da situação da pandemia entre povos indígenas no país.

Você encontra dados disponíveis em painéis do Instituto Socioambiental (COVID-19 e os Povos Indígenas) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB (http://quarentenaindigena.info/casos-indigenas/).

Diante deste cenário, encontramos disparidades entre informações oficiais daquelas computadas pelas organizações não governamentais, abrindo, assim, um debate sobre a potencial subnotificação de casos e óbitos por COVID-19 nas populações indígenas.

Disparidades: um exemplo

SESAI/MS divulgou em seu Boletim Epidemiológico de 11 de junho de 2020 que havia, entre indígenas assistidos pelo SASI-SUS, 2.608 casos confirmados e 89 óbitos.

Por sua vez, a APIB, em sua página na internet, informa na mesma data que havia 3.166 casos confirmados e 269 óbitos . A partir dessa comparação, verificam-se divergências nos dados, particularmente dos óbitos, em que há uma notificação de 302,2% maior do número de óbitos pelo movimento indígena em comparação ao quantitativo oficial do Ministério da Saúde.

A divergência nos dados pode decorrer de inúmeros fatores, como:

  • diferença na definição de população indígena em risco, com cobertura restrita da população residente fora de aldeias e terras indígenas pelo SASI-SUS;
  • fragilidade nas estratégias de busca ativa de casos nos DSEI;
  • critérios distintos para identificação de casos suspeitos, confirmação e descarte de casos;
  • atraso na atualização de critérios de confirmação de caso e sua efetiva adoção pelo nível local;
  • a grande limitação na estruturação dos fluxos para implementação de testes diagnósticos para COVID-19 no Brasil, e particularmente nos DSEI;
  • falhas ou atrasos gerais na notificação de casos e óbitos;
  • não obrigatoriedade, até julho, da informação de cor/raça na notificação da Covid-19 pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, o que tendia a aumentar a invisibilidade dos indígenas residentes em áreas urbanas, atendidos pela rede SUS fora do SASI-SUS.

No vídeo, o professor Andrey Cardoso da ENSP discute sobre esses desafios e limitações no monitoramento da COVID-19 em povos indígenas.

Observamos, assim, vários desafios para o efetivo dimensionamento de como os povos indígenas estão sendo afetados pela pandemia de coronavírus. Essas informações são fundamentais para o planejamento e a avaliação das políticas públicas de saúde em âmbito federal, estadual e municipal.

Além disso, o detalhamento do pertencimento étnico nas informações em saúde é também estratégico para ajudar o controle social indígena.

Chegamos ao final da aula

Na última aula do curso, você conheceu sobre a Vigilância das Síndromes Respiratórias Agudas e os fluxos de notificação de síndrome Gripal, Síndrome Respiratória Aguda Grave, casos de Covid-19 e óbitos no contexto indígena, sobre os desafios do monitoramento da Covid-19 no contexto indígena e entendeu a importância da vigilância e monitoramento do coronavírus no contexto indígena.

O professor Andrey Cardoso encerra esse curso relembrando as vulnerabilidades dos povos indígenas e papel dos profissionais de saúde, no contexto da COVID-19.

Esperamos ter contribuído para aprimorar sua prática profissional no combate à Covid-19.