O critério adotado no Brasil para ser considerado indígena é o da autoclassificação, seguindo os marcos
da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1989, sancionada no Brasil em 2002. Nos
sistemas de informação esse registro é feito por meio da variável cor/raça, que admite as categorias
branca, preta, parda, amarela e indígena. Essa variável tem sido utilizada em todos os sistemas de
informação do Ministério da Saúde desde o final da década de 1990, incluindo aqueles específicos para a
vigilância da Síndrome Gripal e Síndromes Respiratórias Agudas Graves, bem como o Sistema de Informações
sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Internações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), permitindo a análise da
situação de saúde por grupos de cor/raça. Naturalmente, o critério de autoclassificação tem limitações
óbvias para sua aplicação em determinados eventos, como nascimentos e óbitos.
Os Censos demográficos, realizados a cada dez anos, também vêm coletando dados de cor/raça nas últimas
décadas e, nos últimos dois Censos, houve grande avanço na captação de dados censitários para o segmento
indígena. No último Censo, de 2010, além da pergunta sobre cor/raça ter sido deslocada do questionário da
amostra para o questionário do universo da pesquisa, era perguntado a pessoas residentes em Terras
Indígenas que não se autodeclaram indígenas, se elas se consideravam indígenas, conferindo um grau
aprofundado de detalhamento sobre a população indígena no Brasil. O IBGE tem uma página exclusiva para as
informações sobre a população indígena declarada: IBGE - Indígenas, conforme abordamos no Módulo 1.
Para o enfrentamento da Covid-19, o IBGE antecipou os dados sobre indígenas e quilombolas. As notas
técnicas estão disponíveis no documento Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os indígenas
e quilombolas para enfrentamento à Covid-19, disponível na página do IBGE.
Com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), foi implantado, a partir de 2000, o
Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) para monitoramento das informações demográficas
e de saúde. Destacamos que, como o SASI-SUS tem sua cobertura limitada à população indígena residente em
terras indígenas, principalmente aquelas homologadas, o SIASI apresenta informações sobre parte da
população indígena total identificada no Censo demográfico.
SIASI-SUS
É o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena. Inclui dados de morbidade, mortalidade,
demografia, saneamento e acesso a serviços de saúde.
Seus dados não são de acesso aberto e são fornecidos de maneira limitada
mediante solicitação oficial via Lei do Acesso à Informação.
Desafios e Limitações no monitoramento da COVID-19 em Indígenas no Brasil
As informações oficiais sobre a ocorrência de casos e mortes causados pela COVID-19 na população indígena
são registradas em diferentes sistemas de informação, destacando-se três: SIVEP-Gripe, e-SUS Notifica e o
Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), da SESAI. Os dois primeiros sistemas, e-SUS
Notifica e SIVEP-Gripe, se baseiam na variável cor ou raça para a identificação dos casos em indígenas.
Por sua vez, os registros da SESAI, sistematizados através do Sistema de Informação da Atenção à Saúde
Indígena (SIASI), se referem unicamente à população atendida pelos 34 Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI), que é majoritariamente aldeada. Os casos identificados no Subsistema, em princípio,
alimentam o SIVEP-gripe e e-SUS, mas eles se referem apenas à parcela da população indígena no país.
Os dados oficiais de notificação dos casos confirmados e de mortes de indígenas pela Covid-19 são
divulgados nos Boletins e Informes Epidemiológicos da SESAI/MS, em seu sítio eletrônico (Secretaria Especial de Saúde Indígena -
SESAI).
Entretanto, o contexto da pandemia evidenciou um problema de longa data, a invisibilização da
identidade indígena, particularmente daqueles atendidos em centros urbanos, pois: a) a identificação
de cor/raça não foi obrigatória para a notificação da COVID-19 até julho de 2020; b) existem falhas no
preenchimento do campo cor/raça; c) pessoas indígenas estavam sendo identificadas em outras categorias
de cor/raça, em particular como “pardas”.
Os 6 primeiros meses da pandemia
Na Aula 2, do Módulo 2 desse curso (Perfil Epidemiológico e a COVID-19 nos povos indígenas)
apresentamos um panorama dos dados oficiais nos primeiros 6 meses de pandemia.
Lembramos que em 2017, a Portaria 344 determinou a obrigatoriedade do preenchimento da variável
cor/raça nos formulários dos sistemas de informações. A não inclusão dessa variável na ficha de
notificação da COVID-19 afetou não somente os povos indígenas, de forma que a Abrasco divulgou nota sobre a importância do preenchimento da variável cor/raça; tramita no
Congresso o Projeto de Lei 2.179 que visa a obrigatoriedade dessas informações; e houve
manifestações no âmbito judiciário.
Em julho, o Ministério Público Federal do Amazonas, visando evitar a subnotificação de casos
de COVID-19 de indígenas, recomendou ao Ministério da Saúde a obrigatoriedade da autodeclaração do
campo cor/raça e preenchimento do campo etnia.
Cadastrados como brancos e pardos
A mídia denunciou casos de indígenas cadastrados como brancos e pardos pelo sistema de saúde.
Em julho de 2020 foi sancionada a Lei
14.021/2020, que altera a lei 8.080, no artigo 19-G, determinando:
§ 1º-A. A rede do SUS deverá obrigatoriamente fazer o registro e a notificação da declaração de
raça ou cor, garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de
saúde.
§ 1º-B. A União deverá integrar os sistemas de informação da rede do SUS com os dados do
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
O movimento indígena identificou essas limitações na divulgação dos dados oficiais e, por isso, iniciaram
uma vigilância participativa, procurando complementar os dados oficiais da Sesai com a busca ativa junto
às diversas organizações indígenas e lideranças indígenas, visando elaborar um panorama mais completo da
situação da pandemia entre povos indígenas no país.
Você encontra dados disponíveis em painéis do Instituto Socioambiental (COVID-19 e os Povos Indígenas) e da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB (http://quarentenaindigena.info/casos-indigenas/).
Diante deste cenário, encontramos disparidades entre informações oficiais daquelas computadas pelas
organizações não governamentais, abrindo, assim, um debate sobre a potencial subnotificação de casos e
óbitos por COVID-19 nas populações indígenas.
Disparidades: um
exemplo
SESAI/MS divulgou em seu Boletim Epidemiológico de 11 de junho de 2020 que havia, entre indígenas
assistidos pelo SASI-SUS, 2.608 casos confirmados e 89 óbitos.
Por sua vez, a APIB, em sua página na internet, informa na mesma data que havia 3.166 casos confirmados
e 269 óbitos . A partir dessa comparação, verificam-se divergências nos dados, particularmente dos
óbitos, em que há uma notificação de 302,2% maior do número de óbitos pelo movimento indígena em
comparação ao quantitativo oficial do Ministério da Saúde.
A divergência nos dados pode decorrer de inúmeros fatores, como:
- diferença na definição de população indígena em risco, com cobertura
restrita da população residente fora de aldeias e terras indígenas pelo SASI-SUS;
- fragilidade nas estratégias de busca ativa de casos nos DSEI;
- critérios distintos para identificação de casos suspeitos, confirmação e
descarte de casos;
- atraso na atualização de critérios de confirmação de caso e sua efetiva
adoção pelo nível local;
- a grande limitação na estruturação dos fluxos para implementação de testes
diagnósticos para COVID-19 no Brasil, e particularmente nos DSEI;
- falhas ou atrasos gerais na notificação de casos e óbitos;
- não obrigatoriedade, até julho, da informação de cor/raça na notificação
da Covid-19 pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, o que tendia a aumentar a
invisibilidade dos indígenas residentes em áreas urbanas, atendidos pela rede SUS fora do SASI-SUS.
No vídeo, o professor Andrey Cardoso da ENSP discute sobre esses desafios e limitações no monitoramento
da COVID-19 em povos indígenas.
Observamos, assim, vários desafios para o efetivo dimensionamento de como os povos indígenas estão sendo
afetados pela pandemia de coronavírus. Essas informações são fundamentais para o planejamento e a
avaliação das políticas públicas de saúde em âmbito federal, estadual e municipal.
Além disso, o detalhamento do pertencimento étnico nas informações em saúde é também estratégico para
ajudar o controle social indígena.