Módulo 1 | Aula 1

Enfrentamento da COVID-19
No contexto dos povos indígenas

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Introdução

História, direitos e diversidade

Nesta aula, vamos falar sobre conceitos e conteúdos fundamentais para pensar a situação dos povos indígenas e a sua relação com o Estado. Além disso teremos um panorama das características demográficas e de diversidade sociocultural.

Esse panorama contextual é fundamental para pensarmos as políticas de saúde direcionadas aos povos indígenas. Também, o perfil demográfico e de ocupação territorial são fatores a se considerar para pensarmos o enfrentamento da COVID-19.

Ao final, você vai ser capaz de:

  • Compreender as origens e a identificação dos povos indígenas;
  • Conhecer os principais marcos legais e de direitos dos povos indígenas;
  • Compreender as características demográficas e de ocupação territorial;
  • Conhecer a diversidade sociocultural e linguística dos povos indígenas.

O material de referência dessa aula é o texto Vigilância alimentar e nutricional para a saúde indígena (ENSP/Fiocruz).

As origens dos povos indígenas

A explicação mais aceita atualmente quanto às origens dos povos indígenas é a de que eles descendem de populações de caçadores-coletores oriundas da Ásia, que adentraram o continente americano pelo Estreito de Bering, no extremo norte da América do Norte. Acredita-se que a entrada dos ancestrais dos povos indígenas nas Américas ocorreu entre 15 e 25 mil anos atrás. Alguns cientistas defendem que aconteceu apenas um movimento de migração, outros sustentam a ocorrência de várias levas migratórias.

Ao longo de milhares de anos, os descendentes das populações que chegaram ao continente americano geraram sociedades altamente diferenciadas nas formas de manejo dos recursos naturais, nas línguas faladas, nos modos de organização social, na religião e em outros aspectos do imaginário coletivo. Essa diversificação inclui desde populações cujas economias se baseiam na caça e na coleta até a formação de sociedades organizadas na forma de Estados hierarquizados, como ocorreu na região dos Andes e na América Central.

Fonte: Adaptado do Blog ProfeSidney

Pesquisas arqueológicas mostram que havia, na região que atualmente é o território brasileiro (no vale do rio Amazonas, por exemplo), povos indígenas cujas populações atingiam a cifra dos milhares (FAUSTO, 2001; NEVES, 2006). Essas sociedades apresentavam uma complexidade organizacional e política significativa.

Pós-1500, a partir da invasão dos europeus, fatores como doenças infecciosas epidêmicas, guerras, escravidão e assentamentos missionários transformaram as populações em grupos menores e mais dispersos, incluindo os locais mais distantes do litoral, como no interior do país. Os povos indígenas atuais possuem fortes laços culturais com os povos ancestrais de que são originados, mesmo que também estejam se adaptando há séculos para lidar com a presença de sociedades não-indígenas.

Quem são os indígenas, afinal?

“[...] com este termo, índios, os conquistadores rotulavam as populações mais diversas desde o norte até o sul do continente americano. Tais populações diferiam umas das outras tanto no aspecto físico como nas suas tradições. (...) Nada, pois, havia de comum entre as populações americanas que justificasse serem denominadas por um único termo, índios, a não ser o fato de não serem europeias.”

Melatti (1987, p. 19-20)

Nem todos os países e organizações definem o termo “indígena” da mesma maneira. Muitos povos indígenas, assim como autoridades nacionais e internacionais, acreditam que não existe uma definição universal devido à grande heterogeneidade existente entre as partes interessadas. A Organização das Nações Unidas (ONU) apresenta a seguinte definição de “indígena”:

Comunidades, povos ou nações indígenas são aqueles que, apresentando uma continuidade com sociedades pré-coloniais que se desenvolveram em seus territórios no passado, consideram-se diferentes de outros segmentos que, na atualidade, predominam nesses territórios, ou em parte deles. Constituem segmentos não dominantes da sociedade e manifestam o compromisso de preservar e desenvolver suas culturas e transmitir para gerações futuras seus territórios ancestrais, suas identidades étnicas, tendo por base sua existência contínua como povos, de acordo com seus padrões culturais, instituições sociais e sistemas jurídicos. Essa continuidade histórica pode se manifestar, por um período que se estende até o presente, de um ou mais dos seguintes fatores:

  • Ocupação de terras ancestrais, ou de partes delas;
  • Ancestralidade que remonta aos habitantes originais das terras que ocupam;
  • Cultura em geral, ou através de suas manifestações particulares (como religião, modo de vida tribal, pertencimento a uma comunidade indígena, formas de se vestir, modos de vida etc.);
  • Língua (seja a língua-mãe a forma habitual de comunicação em casa ou na família ou na comunidade como um todo);
  • Residência em certas partes de um país, ou em certas regiões do mundo.

Do ponto de vista individual, uma pessoa indígena é aquela que pertence a uma dada comunidade indígena através da autoidentificação (consciência de grupo), ao mesmo tempo que é reconhecida e aceita por essa comunidade como um de seus membros (pertencimento comunitário)

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2004, p. 2).

Considerando a grande diversidade sociocultural, histórica e linguística que existe na população indígena mundial, assim como também se observa no Brasil, a ONU considera que a autoidentificação indígena ou tribal é mais importante do que qualquer definição ou condição específica (ONU, 2008).. Por esse motivo, para a ONU, a autoidentificação indígena ou tribal é mais importante do que qualquer definição ou condição específica.

No Brasil

Segundo a lei que regulamenta a questão indígena no Brasil, conhecida como Estatuto do Índio (Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973), [índio] “é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” (BRASIL, 1973). Atualmente, apesar de continuar em vigor, o Estatuto do Índio é considerado superado pelos novos marcos Constitucionais. Sua ênfase na integração dos indígenas à sociedade nacional, ou seja, que as sociedades indígenas deixariam de existir, com o passar do tempo, “integrando-se” à sociedade nacional, não representa os novos valores que vigoram na sociedade brasileira (LIMA; BARROSO-HOFFMAN, 2002a,b).

Índio e indígena

Você sabia que existe diferença entre as palavras índio e indígena? Quem explica essa diferença é o escritor Daniel Munduruku, da etnia Munduruku, que é formado em Filosofia, História e Psicologia e doutor em Educação e pós-doutorado em Literatura. Ele acredita que a palavra índio entrou no imaginário no século XVI e mudou de conotação ao longo da história: virou apelido. "Um apelido traz sempre um aspecto negativo e reforça algo ruim", diz ele.

Daniel Munduruku comenta que procura em suas obras alertar para o uso correto das palavras, pois é importante dar nome às pessoas. "A nossa identidade é revelada pelo lugar onde nós pertencemos", alerta. Veja sua explicação para essa diferença.

Mais índio e menos preconceito - pelo direito de ser índio

Vídeo do Instituto Socioambiental questiona: Se você não é mais igual ao seu tataravô, porque os índios também não podem mudar? Incorporar hábitos considerados de “homem branco”, como usar roupas ou tecnologia, não faz do indígena menos indígena.

Relação entre Povos indígenas e Estado - marcos legais e de direitos

Para entendermos algumas características e desafios na formulação das políticas de saúde direcionadas aos povos indígenas, precisamos conhecer como historicamente o Estado brasileiro se relaciona com essas populações.

A história da política indigenista no Brasil república iniciou no princípio do século XX, momento em que se questionava o extermínio dos povos indígenas no Brasil, destacando-se o sertanista Cândido Rondon. Esse debate culminou na criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPI). Nesse contexto, a proteção ao "índio" significava transformá-los em pequenos produtores rurais, no qual a educação era o caminho para sua incorporação social. Em 1967, a Fundação Nacional do Índio (Funai) substituiu o SPI como responsável pelos povos indígenas.

No processo de atuação do SPI, mantido posteriormente pela Funai, criou-se um estatuto jurídico especial para os "índios", com a noção de “capacidade civil relativa”, que vai resultar na tutela do Estado sobre os mesmos. Tutela é o exercício do tipo de poder do Estado que incide sobre os povos indígenas, sendo que pressupõe a insuficiência para a vida cívica dos indígenas. Dessa forma, o Estado montou uma estrutura para a administração e controle dessas populações. Portanto, a tutela tem como base uma relação desigual e assimétrica, que limita o exercício de cidadania dos indígenas.

Para saber mais

Diversidade cultural das sociedades indígenas, parte do livro Vigilância Alimentar e Nutricional para a Saúde Indígena (p. 34-40), ajuda a aprofundar a reflexão sobre quão abrangente é a questão da diversidade desses povos.

No início dos anos 1970, no contexto internacional surgiram uma preocupação e críticas contra o extermínio dos povos indígenas, que resultaram em cobranças aos Estados nacionais acerca da proteção dessas populações. Como resposta a esse cenário, em 1973, aprovou-se o Estatuto do Índio, que mantém o regime tutelar e a perspectiva integracionista, mas que já apresenta algumas prerrogativas para o respeito de seus usos, costumes e tradições, e a proteção e demarcação das terras indígenas.

Durante as décadas de 1960 e 1970, estudos como o de Ramos (1993) e Davies (1977) apresentaram os impactos negativos dos projetos desenvolvimentistas para os povos indígenas. Assim, durante os anos de 1970, foram criadas entidades de defesa dos direitos dos povos indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 1972; a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), em 1978; a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI), em 1978; e a Comissão Pró-Índio (CPI).

No início dos anos 1980, diversas assembleias indígenas e a recém criada União das Nações Indígenas (UNI) fizeram denúncias e propuseram uma nova relação com o Estado nacional. O movimento indígena e seus aliados se juntaram na Assembleia Constituinte, que repercutiu na aprovação do capítulo referente ao "direito dos Índios". Segundo a Constituição Federal, Capítulo VIII, "Dos Índios", Artigo 231:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”

(BRASIL, 1988).

Pela primeira vez no Brasil se reconhece aos indígenas o direito à diferença, isto é, de serem povos originários e de permanecerem como tal indefinidamente. Esses marcos são resultado de um processo de luta e resistência dos povos indígenas e que levaram à nova relação entre eles e o Estado brasileiro.

Internacionalmente, outros marcos legais subsidiam e fortalecem as prerrogativas de direitos socioculturais e territoriais dos povos indígenas e da sua autodeterminação. Destacamos a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, de 1989, ratificada pelo Brasil em 2004 pelo Decreto n. 5.051 de 19 de abril de 2004. É obrigação dos Estados consultar os povos indígenas “por meio de procedimentos adequados e, em particular, através de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente” (Artigo 60 da Convenção 169/OIT/1989).

Demonstrando que a perspectiva de defesa dos direitos dos povos indígenas continua com relevância internacional, em 2007, as Nações Unidas aprovou uma Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas.

A obrigação do Estado de consultar os Povos Indígenas

O vídeo discute a importância do diálogo na implementação de qualquer iniciativa junto aos povos indígenas..

A produção é uma iniciativa da RCA Brasil - uma rede de cooperação alternativa integrada pelas organizações indígenas e indigenistas Apina, Atix, CPI/AC, CTI, Foirn, Hutukara, Iepé, ISA, Opiac e Wyty-Catë.

Fonte: YouTube RcaRede

Portanto, qualquer ação ou política pública direcionada aos povos indígenas, deve envolver sua participação em todas as suas etapas, desde o planejamento, execução, monitoramento, até a avaliação. Essa prerrogativa se aplica também no enfrentamento da COVID-19, referendando as organizações indígenas que têm solicitado participação ativa na elaboração e monitoramento dos planos de enfrentamento à pandemia.

Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) conta um pouco sobre a história da relação dos povos indígenas com o Estado brasileiro:

Depois de ver o vídeo, reflita:

Com base na primeira na Declaração de Barbados, sobre o dever dos Estados de respeitar os direitos dessas populações viverem e se organizarem, quais outros deveres estão nessa declaração? Vire os cards e confira as respostas.

Proteger os territórios indígenas

Proteger os territórios indígenas

Exatamente! A Declaração de Barbados preconiza o respeito aos territórios indígenas.

Reconhecer que os povos indígenas têm direitos anteriores à sociedade nacional.

Reconhecer que os povos indígenas têm direitos anteriores à sociedade nacional.

Isso mesmo! Essa é uma das justificativas para a proteção dos territórios indígenas.

Garantir a tutela dos povos indígenas

Garantir a tutela dos povos indígenas

Não. A Declaração de Barbados não fala de tutela dos povos indígenas.

Linha do Tempo da Política Indigenista no Brasil

Características demográficas e de ocupação territorial

As estimativas quanto ao tamanho da população indígena que habitava, em 1500, o que é atualmente o território brasileiro são bastante variáveis. Conforme sumarizam Kennedy e Perz (2000), vão de 800 mil a 5 milhões de pessoas. Seja na América como um todo e no Brasil, doenças, guerras, perseguições e rupturas econômicas e sociais são apontadas como os principais fatores responsáveis pela drástica redução populacional. Muito possivelmente, as epidemias de doenças infecciosas ceifaram mais vidas do que qualquer outro fator. Como afirmou Darcy Ribeiro (1977, p. 272), bacilos e vírus também foram verdadeiras “armas de conquista”, tendo contribuído sobremaneira para o processo de subjugação das sociedades indígenas em face do expansionismo ocidental.

Durante a primeira metade do século XX, e até aproximadamente a década de 1970, eram correntes os prognósticos sombrios sobre o futuro dos povos indígenas no Brasil, antecipando-se a possibilidade de extinção cultural (DAVIS, 1978; RIBEIRO, 1977).

A reversão do quadro de pessimismo quanto ao futuro dos povos indígenas no Brasil fundamentou-se com a constatação do contínuo crescimento populacional ao longo do tempo. Confirmando essa tendência, Marta Azevedo (2000, p. 80) observou que “a maioria dos povos indígenas têm crescido, em média, 3,5% ao ano, muito mais do que a média de 1,6% estimada para o período de 1996 a 2000 para a população brasileira em geral”.

Povos indígenas hoje

O Censo Demográfico de 2010 indica a existência de populações indígenas em todos os Estados do país. São 896,9 mil pessoas que se autodeclararam indígenas, o que representa 0,4% da população brasileira. Esse contingente está representado por 305 etnias, falantes de 274 línguas distintas, demonstrando a grande diversidade no território brasileiro. Observa-se que em torno de 63% vivem na zona rural, num total de 502,7 mil pessoas. O restante mora nas zonas urbanas, correspondendo a uma população de 324,8 mil indígenas, contingente bastante significativo.

A cidade como local de afirmação de direitos indígenas

A Comissão Pró Índio de São Paulo passou mais de dois anos de pesquisas e diálogos com índios que residem em contexto urbano. Os resultados desse levantamento estão no vídeo Índios na Cidade. O documentário reúne múltiplas vozes de distintos povos indígenas, traz experiências concretas de políticas públicas que vêm contribuindo para efetivar os direitos individuais e coletivos dos índios que vivem em contextos urbanos.

Fonte: YouTube Comissão Pró-Índio de São Paulo

Observe o mapa

A distribuição da população indígena no território nacional não é igual entre as regiões. Olhando o mapa acima, quais as regiões têm maior concentração de população indígena?

Escolha o card que representa a sua resposta

Norte e Nordeste

Norte e Nordeste

Sul e Sudeste

Sul e Sudeste

Norte e Sul

Norte e Sul

A maior parte dessa população está concentrada na Região Norte (37%) e Região Nordeste (26%). O Estado do Amazonas abriga a maior parcela da população, com 113.391 pessoas autodeclaradas indígenas. Das dez cidades brasileiras que mais abrigam indígenas, seis estão nesse Estado: São Gabriel da Cachoeira, São Paulo de Olivença, Tabatinga, Santa Isabel do Rio Negro, Benjamin Constant e Barcelos. As outras quatro cidades são: São Paulo (SP), Pesqueira (PE), Boa Vista (RR) e São João das Missões (MG).

Dados dos Censo sobre a população indígena

A pirâmide etária indígena é diferente para a população residente em terra indígena ou fora dela. Particularmente, aquela em área rural tem a base larga e vai se reduzindo com a idade, em um padrão que reflete suas altas taxas de fecundidade e de mortalidade. Na área rural, a proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos (45,0%) era o dobro da área urbana (22,1%), com o inverso acontecendo na faixa de 65 anos ou mais (4,3% na rural e 7,0% na urbana) (IBGE, 2010).

Adaptado de MARINHO (2020)

Adaptado de MARINHO (2020)

O Censo também traz informações relevantes sobre as iniquidades que afetam os povos indígenas, como acesso à educação e ao saneamento básico.

Abastecimento de água

O abastecimento de água é feito por poços ou nascentes em 37,7% dos domicílios, seguido da rede geral de distribuição (30,8%) e de rios, açudes ou igarapés (23,8%).

Destino do lixo

O lixo nas Terras Indígenas é normalmente queimado (68,3% dos domicílios, porém, ainda é alta a quantidade de lixo jogado em terrenos baldios (11% dos domicílios) que, no caso, constitui a própria terra indígena.

Esses dados são de 10 anos atrás. A realização do próximo Censo Demográfico pelo IBGE estava prevista para 2020. Entretanto, considerando o atual quadro de pandemia, ainda não há uma definição quanto ao início da pesquisa. Tratando-se dos povos indígenas no contexto da COVID-19, o próximo Censo poderá trazer novas informações valorosas sobre os impactos da pandemia sobre a realidade dessas populações.

Pertencimento étnico nas estatísticas oficiais

O debate "Demografia e Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: Cenários e Perspectivas para o Censo Demográfico de 2020", realizado em 2018, durante o 120 Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, traz reflexões sobre processos relacionados à inclusão de dimensões ligadas a pertencimento étnico em estatísticas oficiais na América Latina. A coleta de dados relativos a indígenas vêm experimentando significativa ampliação nos censos decenais conduzidos no Brasil nas últimas décadas.

Fonte: YouTube VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz

Territórios Indígenas

O modo de ser de um povo indígena tem relação direta com a terra. Sua cultura e modos de vida estão vinculados ao espaço em que habitam e sua ligação com a natureza. É nesse espaço geográfico que se encontram os recursos necessários para a sobrevivência, onde se dão as relações entre o homem e a natureza e as relações sociais. No território é construída a história dos povos, com suas específicas formas de viver, considerando sua organização política, econômica, religiosa, social e cultural. Como indica a antropóloga Alcida Ramos (1986, p. 13):

Para as sociedades indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural, mas – e tão importante quanto este – um recurso sociocultural.

No Capítulo VIII da Constituição de 1988, artigo 231, há vários parágrafos sobre a questão das terras indígenas, entre os quais:

§ 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

(BRASIL, 1988)

O que é demarcação de terras indígenas?

O processo de demarcação é o meio administrativo para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas.

O processo de demarcação é regulamentado pelo Decreto n.º 1775/96.

Elaboração: Jornal A Nova Democracia - Fonte: ISA - Instituto Socioambiental

A Funai define "Terra Indígena" (TI) como uma porção do território nacional, de propriedade da União, onde habitam uma ou mais comunidades indígenas que utilizam a área para suas atividades produtivas e culturais, bem como para o seu bem-estar e reprodução física, conforme seus costumes e tradições.A Funai define "Terra Indígena" (TI) como uma porção do território nacional, de propriedade da União, onde habitam uma ou mais comunidades indígenas que utilizam a área para suas atividades produtivas e culturais, bem como para o seu bem-estar e reprodução física, conforme seus costumes e tradições.

Atualmente, considerando diferentes estágios, existem 568 terras indígenas que representam cerca de 13,7% do território nacional - o dado está disponível no site da Funai. Vale salientar as seis terras em fase de "Interdição", ou seja, aquelas "com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados".

A maior parte delas está concentrada no Amazonas, com 164 áreas de TI. Em segundo lugar vem o estado de Mato Grosso, correspondendo a 79, seguido pelo Pará, que registra 64 terras; Mato Grosso do Sul ocupa o quarto lugar, com 56 Terras Indígenas.

Mapa das terras indígenas do Brasil

O Censo do IBGE de 2010 registrou que em apenas seis terras havia mais de 10 mil indígenas, 107 tinham entre mais de mil e 10 mil, 291 tinham entre mais de 100 e mil e em 83 residiam até 100 indígenas. A terra com maior população indígena é a Yanomami, dividida entre o Amazonas e Roraima, com 25,7 mil indígenas.

Documentário Muita Terra para Pouco Índio?

Confira o vídeo abaixo:

O vídeo apresenta a diversidade da vida dos povos indígenas e suas terras no Brasil e procura e desmontar, apoiando-se em dados, depoimentos e imagens, os argumentos que são usualmente utilizados contra a materialização dos direitos indígenas, atacando o preconceito e os estereótipos que emperram a formulação e o desempenho de uma política indigenista afirmativa, dificultando a garantia dos direitos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.

A demarcação de terras indígenas também é determinante para os povos indígenas isolados. Devido à situação de isolamento voluntário, esses povos são especialmente vulneráveis a doenças e epidemias. Na situação atual da pandemia de COVID-19, essa é uma das questões fundamentais para a proteção dos territórios indígenas.

Povos indígenas isolados

São os povos que optam por não manter qualquer relação de contato permanente com a sociedade, vivendo de modo autônomo em seu território.

Para entender melhor a importância da proteção territorial, em especial dos indígenas isolados, citamos o seguinte exemplo. Em 2014, um grupo de sete indígenas em isolamento voluntário entrou em contato com os "índios" Ashaninka – que vivem na Aldeia Simpatia, na TI Kampa - e Isolados do Rio Envira (AC). Conhecidos como isolados do Xinane, mas cuja autodenominação provável é Chitonawa, estão localizados na região do Paralelo 10. O resultado desse contato foi a contaminação do grupo por infecção respiratória aguda. Por essa razão, o médico sanitarista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Douglas Rodrigues foi chamado à região pelo Ministério da Saúde e pela Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai (CGIIRC/Funai) para prestar atendimento médico. (Fonte Instituto Socioambiental: Contato de índios isolados alerta para necessidade de planos de contingência de atenção à saúde )

A garantia do acesso à terra pelos povos indígenas é pauta principal na política indigenista no Brasil.

Diversidade sociocultural e linguística

O Censo de 2010 caracterizou a sociodiversidade dos povos indígenas:

  • Foram identificadas um total de 305 etnias e 274 línguas indígenas faladas nos domicílios ;
  • As três etnias de maior população foram a Tikúna (46.045 pessoas), Guarani Kaiowá (43.401) e Kaingang (37.470);
  • Houve um predomínio de etnias com poucas centenas de indivíduos, dado que 22,7% eram compostas de < 100 pessoas; 29,2% entre 100 e 499; 27,9% entre 500 e 1.999; somente 20,1% acima de 2.000.

Esses resultados apontam para um cenário de expressiva sociodiversidade étnica e linguística indígena no Brasil, um dos mais pronunciados da América Latina, com predominância de sociedades com tamanhos populacionais em geral reduzidos (poucas centenas) e que vivem predominantemente em Terras Indígenas.

A diversidade social e cultural dos povos indígenas manifesta-se em múltiplos aspectos. Um deles refere-se ao número de línguas faladas. É possível que em 1500, por ocasião da invasão dos europeus, fossem faladas no Brasil mais de mil diferentes línguas indígenas. Como ressalta o linguista Aryon Rodrigues:

Os índios do Brasil não são um povo: são muitos povos, diferentes de nós e diferentes entre si. Cada qual tem usos e costumes próprios, com habilidades tecnológicas, atitudes estéticas, crenças religiosas, organização social e filosofia peculiares, resultantes de experiências de vida acumuladas e desenvolvidas em milhares de anos. E distinguem-se também de nós e entre si por falarem diferentes línguas. [...] Embora diferentes, [as línguas dos povos indígenas] compartilham do que todas as quase seis mil línguas do mundo têm em comum: são manifestações da mesma capacidade de comunicar-se pela linguagem”.

(RODRIGUES, 1986, p. 17)

Sobre poder tutelar do Estado sobre os povos indígenas

Diversidade cultural das sociedades indígenas, parte do livro Vigilância Alimentar e Nutricional para a Saúde Indígena (p. 34-40), ajuda a aprofundar a reflexão sobre quão abrangente é a questão da diversidade desses povos.

As línguas indígenas se dividem segundo troncos e famílias, sendo que os troncos Macro-Jê e Tupi concentram um número significativo de famílias e línguas, e há muitas etnias cujas línguas não se enquadram nem em troncos e nem em famílias. De acordo com o Censo 2010 (IBGE), 37,4% dos indígenas de 5 anos ou mais falavam uma língua indígena em casa e 17,5% não falavam o português

Vale salientar que, em algumas regiões do país, como no Nordeste e no Sul, há muitos povos indígenas que, por viverem em contato permanente com outros segmentos da sociedade brasileira desde longa data, falam o português em sua comunicação cotidiana, sendo que a língua original em alguns casos é falada somente pelos mais velhos ou então não é mais utilizada. Como ressaltam os antropólogos, por mais que o não uso da língua constitua uma perda cultural significativa, isso não significa que deixou de ser indígena. A diversidade que se observa no caso das línguas encontra paralelo no plano da ecologia, da economia, da política, da cosmologia, da vida ritual e assim por diante.

Pela sobrevivência das línguas indígenas

Com auxílio de tecnologia, pesquisadores atuam para evitar desaparecimento de idiomas nativos existentes no Brasil - com a professora Luciana Storto (Departamento de Linguística da FFLCH-USP)

Também em texto: Pela sobrevivência das línguas indígenas

Fonte: YouTube Pesquisa Fapesp

“A riqueza da diversidade sociocultural dos povos indígenas representa uma poderosa arma na defesa dos seus direitos e hoje alimenta o orgulho de pertencer a uma cultura própria e de ser brasileiro originário. A cultura indígena em nada se refere ao grau de interação com a sociedade nacional, mas com a maneira de ver e de se situar no mundo; com a forma de organizar a vida social, política, econômica e espiritual de cada povo. Neste sentido, cada povo tem uma cultura distinta da outra, porque se situa no mundo e se relaciona com ele de maneira própria.”

(SANTOS, 2006, p. 46)

Música e poesia e a diversidade linguística

Música sobre a diversidade cultural

Autoria de Paulo Basta

Chegamos ao final da aula

Chegamos ao final da aula. Nela, você conheceu a origem e a identificação dos povos indígenas; seus direitos; suas características demográficas e ocupação territorial e sua diversidade sociocultural.

Na próxima aula, você vai conhecer os sistemas médicos indígenas e a organização do subsistema de atenção à saúde indígena.

Siga em frente!