Módulo 2 | Aula 2

Enfrentamento da COVID-19
No contexto dos povos indígenas

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Módulo 2 - Aula 2

Perfil Epidemiológico e a COVID-19 nos povos indígenas

Nesta aula, vamos falar sobre o perfil epidemiológico dos povos indígenas e os dados disponíveis sobre o impacto da COVID-19.

Ao final, você vai ser capaz de:

  • Explicar o perfil epidemiológico dos povos indígenas, identificando suas iniquidades em saúde.
  • Conhecer a progressão da disseminação do risco de exposição do Sars-Cov-2 na população indígena.
  • Descrever a organização do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) e o princípio de atenção diferenciada.
  • Compreender o impacto da Covid nas populações indígenas.

Perfil epidemiológico dos povos indígenas

As iniquidades em saúde que afetam a população indígena têm sido evidenciadas em inúmeros estudos.

Anderson e colaboradores (2016) realizaram um estudo comparativo da situação de vida e saúde de povos indígenas em 23 países e mostraram evidências de que, globalmente, essas populações possuem desfechos desfavoráveis como: menor expectativa de vida; maior mortalidade materna e infantil; presença de baixo peso ao nascer e desnutrição infantil; maior obesidade em adultos; piores indicadores educacionais e de renda.

Na América Latina, também se observa que os povos indígenas apresentam importantes desigualdades de saúde e condições de vida, que impactam em maiores taxas de morbidade e mortalidade. Essa constatação está no artigo de Montenegro e Stephens (2006).

No Brasil, o Subsistema de Saúde Indígena (SASI-SUS) implantou o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) a partir de 2000. Entretanto, as informações do SIASI nunca foram plenamente disponibilizadas para acesso público.

Apesar dos poucos dados disponíveis sobre a situação de saúde dos povos indígenas em escala nacional, diversos estudos demonstram que essas populações se encontram em desvantagens em comparação a outros segmentos populacionais.

Informações em saúde no contexto da pandemia

Módulo 4 - Aula 2 - Monitoramento e notificação da Síndrome Respiratória Aguda

Nessa aula, você encontra a discussão sobre os dados de saúde dos povos indígenas.

No país, são elevadas as prevalências de diferentes doenças e agravos à saúde indígena, como desnutrição e anemia em crianças, doenças infecciosas como malária, tuberculose, hepatite B, entre outras, além da cada vez mais frequente ocorrência de hipertensão, diabetes, obesidade e doenças renais em adultos (Basta et al., 2012; Coimbra Jr. et al., 2007). Essas doenças tornam os indígenas mais vulneráveis a complicações no contexto da pandemia.

EA histórica invisibilidade dos dados sociodemográficos e epidemiológicos dos povos indígenas gera implicações negativas na formulação e avaliação das políticas públicas, e prejudica o enfrentamento dessas desigualdades.

Documentário - Kumuã: os especialistas de cura do Alto Rio Negro

O professor e pesquisador da ENSP/Fiocruz, Ricardo Ventura Santos, fala sobre a saúde dos povos indígenas e explica por que esses povos têm os piores indicadores de adoecimento e morte que a população, em geral.

O Primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas (Coimbra Jr., 2014; Coimbra Jr. et al., 2013), realizado entre 2008 - 2009, focou na análise da situação de saúde de mulheres entre 14 e 49 anos e crianças menores de cinco, em todas as macrorregiões do país. O estudo apontou as iniquidades entre indígenas e não indígenas, mas também as desigualdades regionais.

Saúde e povos indígenas no Brasil

Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena

Importante apontar que os dados acerca das condições de saneamento: “Somente 19% dos domicílios indígenas em todo país dispõe de banheiro dentro de casa; 30,6% dos respondentes indicaram defecar fora de casa, no “mato”; e 50% das latrinas estão localizadas fora de casa” (Coimbra Jr., 2014: 856). Na região Norte, cerca de 63% dos domicílios indígenas não dispõem de saneamento básico adequado no domicílio. O acesso à água de 55% dos domicílios indígenas do país é de poço artesiano, sendo que no Norte, 40% obtém água diretamente em poços rasos, lagos ou cursos de água. E, o lixo doméstico é enterrado, queimado ou despejado no entorno da aldeia em 79% dos domicílios indígenas no país.

Com relação à saúde das crianças indígenas, o I Inquérito Nacional “revelou um quadro marcado pela desnutrição crônica. Cerca de um quarto (25,7%) das crianças examinadas apresenta déficit de crescimento para idade sendo que, na região Norte, a prevalência de déficit estatural chega a 40,8%” (Coimbra Jr., 2014: 857). Também se encontrou alta prevalência de anemia (51,2%), altas taxas de hospitalização por diarreia (37,2%) e infecção respiratória aguda (37,2%) nos 12 meses anteriores e, quase um quarto (23,6%) das crianças tiveram diarreia na semana anterior à entrevista (Coimbra Júnior, 2014).

Com relação à saúde das mulheres, o I Inquérito Nacional identificou que 46,1% das mulheres tinham excesso de peso (30,35 com sobrepeso e 15,8% com obesidade), sendo maior nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A prevalência de anemia em mulheres foi elevada, cerca de 31,7%, sendo maior no Norte (46,8%) (Coimbra Jr. et al., 2013).

Investigações a partir dos dados dos censos demográficos nacionais têm dado atenção às condições de saneamento dos domicílios indígenas em relação à população brasileira, com foco nas categorias de cor ou raça utilizadas pelo IBGE. Segundo Raupp et al. (2019), “os domicílios indígenas continuam a apresentar piores condições quando comparados aos demais, principalmente aos brancos e pardos, até mesmo em área urbana. Confirma-se, assim, um cenário de vulnerabilidade social às quais as populações indígenas estão expostas nas diversas regiões do país. [...], reitera-se a importância de implementar, de forma mais efetiva, políticas públicas equitativas e não-discriminatórias na área do saneamento básico”.

Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas

Diferenciais de mortalidade entre indígenas e não indígenas no Brasil com base no Censo Demográfico de 2010

Recentemente, dados do Censo Demográfico de 2010 têm sido analisados no tocante à caracterização da mortalidade. Campos et al. (2017) apresentaram estimativas de mortalidade para indígenas e não indígenas por grupos de idade, e encontraram que indígenas têm maior probabilidades de morte que não indígenas, particularmente na faixa etária de 0 e 4 anos de idade, com taxas duas vezes maiores que não indígenas. Também a partir de dados do Censo de 2010, Marinho et al. (2019) analisaram a mortalidade infantil e encontram taxas expressivamente maiores em crianças indígenas do que não indígenas. “Em relação às causas, 34,2% dos óbitos de crianças indígenas decorreram de doenças infecciosas, parasitárias e respiratórias, valor expressivamente mais pronunciado que o observado para as crianças não indígenas (12,3%), cuja maioria das mortes ocorreu devido a afecções perinatais” (Marinho et al., 2019: 60).

O estudo de Santos et al. (2020) estimou as curvas de mortalidade de crianças e adolescentes indígenas no país, mostrando as desigualdades que enfrentam as populações indígenas, tanto no contexto rural quanto urbano. Os resultados desse estudo evidenciaram que, em todas as faixas etárias investigadas, as iniquidades são brutais, em geral com as crianças indígenas apresentando níveis de mortalidade 50% superior ao de crianças brancas, chegando a alcançar o dobro nos muito jovens (< 1 ano) e na faixa etária de 10 a 20 anos.

Fonte: Santos (2020)

Mortalidade superlativa

Mortalidade superlativa: povos indígenas e as trágicas manifestações das desigualdades em saúde.

A matéria explica o estudo recente que demonstra que a população indígena apresenta os mais elevados níveis de mortalidade na faixa etária de 0 a 20 anos, dentre todas as categorias de cor/raça (branca, preta, parda, amarela e indígena) investigadas pelos censos demográficos brasileiros.

O estudo foi realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com demógrafos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os estudos internacionais também destacam a vulnerabilidade dos povos indígenas às Infecções Respiratórias Agudas, sendo que Cardoso et al. (2019) descrevem um surto de H1N1 numa aldeia Guarani, no qual evidenciam alto potencial de espalhamento do vírus resultando em elevadas taxas de ataque e internações. Ressaltamos que as Infecções Respiratórias Agudas se situam entre as principais causas de morbidade e mortalidade em populações indígenas, afetando sobretudo o segmento infantil.

Cabe destacar, que nos últimos anos a emergência das doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, hipertensão e Diabetes tipo II, gera muitas preocupações. Esse cenário está correlacionado com “as modificações na subsistência, na alimentação e no padrão de atividade física que resultam da complexa interação entre mudanças socioculturais e econômicas” (Coimbra et al., 2007:60). Transformações muitas vezes resultantes do violento impacto interétnico e das persistentes violações dos direitos territoriais indígenas. No contexto da pandemia, esses agravos são condições que podem ocasionar complicações da COVID-19.

Vida na aldeia - Fiocruz estuda a vida dos Xavantes

O caso dos Xavantes mostra a tendência de transição alimentar e nutricional, que tem sido monitorada pelos pesquisadores da ENSP.

Risco de Exposição da pandemia em povos indígenas

Diante desse cenário de desigualdades da situação de saúde, mesmo não se sabendo como seria o comportamento da COVID-19 em populações indígenas, pode-se apontar um cenário preocupante. Dessa forma, desde março, autoridades, pesquisadores e movimento indígena vêm monitorando a progressão da pandemia.

O estudo “Risco de espalhamento da COVID-19 em populações indígenas: considerações preliminares sobre vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica”, apontou a vulnerabilidade dos distintos segmentos da população indígena, representados por indígenas residentes em municípios e zonas urbanas e rurais, em municípios abrangidos por Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e em Terras Indígenas (TIs) oficialmente reconhecidas.

A situação foi analisada em três momentos distintos do curso da pandemia no país, tendo como data da primeira análise o dia 18 de abril de 2020, a segunda (05 de maio de 2020) e a terceira (20 de maio de 2020). O médico da Fiocruz, Andrey Cardoso, apresentou os resultados do estudo no webinário Povos Indígenas e a pandemia da COVID-19. Assista à apresentação:

Riscos de espalhamento da COVID 19 em populações indígenas

Fonte: Campus Virtual Fiocruz (2020)

Essa pesquisa mostra a dinâmica de transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil, que resultou em acelerado incremento da proporção de indígenas em municípios em alto risco imediato para pandemia. Esse processo ocorreu de maneira bastante diversa entre as regiões do país, sendo que a disseminação inicial da COVID-19 ocorreu por via aeroviária para as capitais da região litorânea do país e para capitais das regiões Norte e Centro-Oeste, e com sua subsequente interiorização por vias rodoviária e hidroviária expondo as populações indígenas mais remotas e localizadas no interior do país, ameaçando inclusive aquelas em isolamento voluntário ou de recente contato.

Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica, responsável pelo estudo - http://COVID-19.procc.fiocruz.br/

No site Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica, você encontra mais informações a respeito da vigilância epidemiológica em COVID-19.

Panorama da situação epidemiológica e resposta da pandemia em povos indígenas

Análises mais aprofundadas acerca dos dados da COVID-19 em povos indígenas encontram diversos desafios, com diferentes cenários epidemiológicos devido à diversidade de características demográficas, socioculturais, situação de saúde, resposta sanitária dos serviços, entre outros fatores.

Os relatos e monitoramento de casos em nível local e regional têm mostrado que a disseminação em nível da COVID-19 possui elevada transmissão e rápidos impactos em número de casos e óbitos.

Cronologia

A cronologia da Covid nos povos indígenas, até o registro oficial da primeira morte, pode ser resumida da seguinte forma:

28/jan

Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), coordenadora do Subsistema de Saúde Indígena (SASI-SUS), emite sua primeira nota informativa (nº 02) aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). Nesse boletim, solicita alerta aos sintomáticos respiratórios com histórico de viagem, a implementação das medidas preventivas e a notificação de casos suspeitos e confirmados.

26/fev

Registrado o primeiro caso da COVID-19 no país, na cidade de São Paulo.

16/mar

SESAI encaminha aos DSEI o “Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas” e o primeiro Informe Técnico com ajuste das orientações e recomendações técnicas ao contexto indígena.

18/mar

É solicitado que cada DSEI elabore, com participação do controle social, o “Plano de Contingência Distrital para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19)”. Os documentos e normativos da Sesai têm sido atualizados e divulgados em repositórios organizados pela secretaria.

20/mar

Ministério da Saúde decreta estado de transmissão comunitária em todo território nacional. As maiores precauções eram com portadores de comorbidades e maiores de 60 anos.

23/mar

GT de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABA) divulgam nota pública ressaltando as vulnerabilidades dos povos indígenas, e solicitando a tomada urgente de medidas para minimizar seus impactos.

24/mar

Seis casos suspeitos são identificados em terras indígenas - nos DSEI Cuiabá, Xavante e Litoral Sul.

26/mar

Publicado no DOU a Portaria 16/2020 que institui o Comitê de Crise para planejamento, coordenação, execução, supervisão e monitoramento dos impactos da COVID-19 no âmbito da Saúde dos Povos Indígenas.

27/mar

Apresentado na Câmara dos Deputados, pela Deputada Federal Rosa Neide (PT-MT), o Projeto de Lei 1.142.

1º/abr

Primeiro caso confirmado de indígena com COVID-19, ocorrido nessa data - DSEI Alto Rio Solimões.

02/abr

Confirmada a primeira morte de indígena ocorrida em 19 de março, na cidade de Santarém, de uma idosa da etnia Borari. A secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) informa que não contabilizará casos e óbitos atendidos fora dos Distritos Especiais de Saúde Indígena.

02/abr

O Ministério Público Federal, preocupado com a progressão da COVID-19 em povos indígenas, recomenda diversas medidas ao governo.

10/abr

Primeiro óbito notificado pela Sesai - DSEI Yanomami.

É importante ressaltar que a Sesai coleta, notifica e divulga apenas informações em saúde sobre indígenas atendidos pelo SASI-SUS. No cálculo, não são incluídos os indígenas que acessam o SUS nas cidades, por exemplo.

Para evitar a subnotificação, organizações indígenas começaram um processo de monitoramento participativo para englobar os casos e óbitos de pessoas indígenas residentes em área urbana e territórios não-homologados.

Acesso aos dados

Os boletins epidemiológicos da SESAI podem ser acessados na página do Ministério da Saúde sobre Saúde Indígena

Os dados computados pela Frente do movimento indígena no Brasil no enfrentamento da pandemia de COVID-19 e sua expansão sobre os territórios e povos originários está acessível na página Emergência Indígena, da Apib.

Diante das vulnerabilidades dos povos indígenas e necessidade de fortalecimento da resposta governamental, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 1.142/2020, que foi sancionado como a Lei 14.021 em 07 de julho de 2020, que:

“Dispõe sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da COVID-19 nos territórios indígenas; cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19 nos territórios indígenas; estipula medidas de apoio às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos demais povos e comunidades tradicionais para o enfrentamento à COVID-19; e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a fim de assegurar aporte de recursos adicionais nas situações emergenciais e de calamidade pública”

Sobre a Lei nº 14.021 - 7/7/2020

Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) explica a Lei nº 14.021.

Ouça o áudio

Os primeiros 6 meses da pandemia nos territórios indígenas

Nesses 6 meses de pandemia, observa-se que a disseminação do Sars-Cov-2 atingiu todos os 34 DSEI, sendo que diversos já possuem transmissão comunitária em território indígena. O Informe Epidemiológico da Semana Epidemiológica 39 (20 a 26 de setembro de 2020), apresenta o consolidado de casos dos últimos 6 meses de progressão da COVID-19 nos DSEI.

Classificação dos casos de COVID-19 em indígenas assistidos pelo SASISUS,
notificados por DSEI, até SE 39 de 2020

A maioria dos casos se concentra na Região da Amazônia Legal e Centro-Oeste. Também pode-se verificar que a quase totalidade dos casos está baseada na confirmação laboratorial e os casos suspeitos são bastante baixos. Esses aspectos apontam para característica da Vigilância da COVID-19.

Distribuição dos óbitos e casos por COVID-19 em indígenas atendidos pelo SASISUS, por semana epidemiológica do óbito, até SE 41 de 2020

A partir da Figura 2, observamos o maior acúmulo de casos desde meados de junho, com maior concentração de mortes nas semanas 25 a 28 e na semana 31, ou seja, até final de julho. A queda de casos e óbitos nas últimas semanas “pode sugerir que ainda existam notificações que não foram registradas no sistema até o momento”. (SESAI)

Alguns aspectos gerais que podemos comentar acerca da progressão e impactos da pandemia, a seguir.

Disseminação inicial a partir dos centros urbanos e invisibilidade

O estudo do PROCC/Fiocruz; FGV; ENSP (2020) alertou no seu relatório de 18/04 que as populações indígenas residentes ou que circulavam em área urbana estavam em risco imediato de exposição à COVID-19:

  • “TIs em municípios com alta probabilidade de introdução de COVID-19 (> 50%) são em sua maioria próximas a centros urbanos;
  • A população indígena em zona urbana reside majoritariamente em municípios com alto risco para COVID-19”.

Essa maior exposição dos indígenas residentes em área urbana foi evidenciada por estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que revelou que a prevalência do novo coronavírus entre a população indígena urbana foi cinco vezes maior que a encontrada na população branca - 5,4% e 1,1%, respectivamente. O levantamento levou em conta apenas moradores de cidades brasileiras e não entrevistou indígenas que vivem em aldeias.

O avanço progressivo nas várias regiões do país

A região amazônica teve uma rápida progressão de casos e óbitos de COVID-19, inicialmente concentrados em Manaus e outros centros urbanos, mas com elevada interiorização a partir de maio. Considerando que a região Norte concentra a maior parte da população indígena brasileira, essa disseminação logo atingiu os povos indígenas. Podemos destacar algumas localidades, como o DSEI Manaus onde o primeiro caso foi notificado em 07 de abril, em 15 de abril eram 12 casos, e em 1o. de maio, 20 casos.

No final de maio, praticamente todos os DSEI da região Norte tinham casos confirmados de COVID-19. A região do Alto Solimões, particularmente chama atenção pelo alto número de casos e óbitos entre maio e junho. O primeiro caso na região foi em 01 de abril, subindo para 51 confirmações em 30 de abril e alcançando 351 casos confirmados e 22 óbitos em 30 de maio. Esse cenário motivou pesquisadores da Universidade Federal do Amazona e Universidade do Estado do Amazonas a elaborar a Nota técnica Ações e desafios para o enfrentamento da situação de emergência em saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19) para os povos indígenas da microrregião do Alto Solimões”, destacando recomendações para uma política pública emergencial para a região. Também o contínuo aumento de casos de COVID-19 na Terra Indígena Yanomami num cenário de invasões ilegais, levou um grupo de pesquisadores e apoiadores a emitirem nota técnica sobre a situação.

Invisibilidades e iniquidades na Amazônia

Painel Abrasco Invisibilidades e iniquidades na Amazônia: povos indígenas e a COVID-19

O painel discute a progressão da pandemia nos povos indígenas na Amazônia

Em meados de maio, também já se evidenciava a expansão de casos confirmados no Nordeste, em 15 de maio o DSEI Ceará registrava 30 casos, Pernambuco 12 casos e Potiguara com 6 casos. No decorrer de maio, a pandemia começa a avançar no DSEI Maranhão, que vai se tornar o estado do Nordeste com maior número de casos e óbitos. Esse cenário levou a iniciativas regionais como a Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (REMDIPE), que lançou a plataforma de monitoramento e rede de apoio para indígenas na região.

A pandemia continuou avançando nos meses de junho e julho, particularmente no Norte e Nordeste. Gerou grande preocupação sua chegada no Vale do Javari, região com maior registro de povos isolados. A partir de meados de julho, alguns DSEI apresentam mais de mil casos confirmados, e o DSEI Leste Roraima tem um importante aumento de casos e mortes.

O DSEI Alto Solimões foi o que registrou maior número de óbitos até 27 de julho, com 24 falecimentos, quando o número de mortes no DSEI Xavante passou de 05 para 31 casos em 28 de julho. Nesse início do segundo semestre, a situação se agrava na região Centro-Oeste, e seus impactos no povo Xavante alarmam por sua alta letalidade. O DSEI Mato Grosso do Sul chega ao final de agosto com 1.199 casos confirmados e 36 óbitos, e os casos começam a aumentar no Xingu.

Nove indígenas Xavante morrem em 24 horas

Nove indígenas Xavante morrem em 24 horas com sintomas de COVID-19, denunciam lideranças

Apesar da pandemia no Brasil ter se iniciado na região Sudeste, a chegada do Sars-Cov-2 em comunidades indígenas nos DSEI Interior Sul e Litoral Sul progrediu a partir de final de maio, atingindo mais de mil casos no DSEI Interior Sul no final de agosto.

Persistentes iniquidades em saúde

Além da análise regional, são particularmente relevantes as perspectivas comparativas entre indígenas e não-indígenas para refletirmos sobre as iniquidades em saúde. Nesse sentido, a partir de informações obtidas no âmbito da ADPF 709, elaborou-se um gráfico comparativo das taxas de mortalidade por faixa etária.

Taxas de mortalidade por COVID-19 por 100.000 em adultos indígenas e população brasileira em geral, por faixa etária (em anos), até 24/08/2020.

Fonte: Nota Técnica em resposta à Intimação nº 3073/2020

O gráfico mostra que as taxas de mortalidade específicas devido à COVID-19 por grupos de idade são substancialmente maiores para indígenas que para não indígenas a partir dos 50 anos.

Os dados alertam para duas características da pandemia:

  • os grupos sociais estão sendo afetados desigualmente, observando-se cenário mais desfavorável para indígenas que não indígenas;
  • as taxas de mortalidade por grupos de idade são substancialmente maiores para indígenas que para não indígenas a partir dos 50 anos.

Essas altas taxas de mortalidade em pessoas indígenas mais velhas, nos alertam para os trágicos impactos socioculturais da pandemia, visto que os indivíduos de mais idade são os guardiões dos conhecimentos tradicionais, línguas e da memória das lutas históricas desses povos, que abordaremos a seguir.

Reflita: não são apenas números!

Mortes indígenas no Brasil não são apenas números, são corpos com memórias, histórias e vozes coletivas. A cada Indígena que se vai é uma voz que deixa de entoar o canto. É uma mão que deixa de bater o maracá. Do luto à luta. Não é somente número, cada corpo Indígena tem uma encantaria ancestral. A cada Indígena morto, morre parte da nossa história coletiva.

Célia Xacriabá

Ao longo dos meses de pandemia, tem circulado nas redes sociais e meios de comunicação diversos depoimentos de indígenas sobre as memórias reativadas por outras epidemias, e os significados das perdas sofridas pela COVID-19.

Dentre os primeiros registros, Padre Justino Sarmento da região do Alto Rio Negro afirmou “O tempo atual com os seus vírus atuais, com nomes próprios me faz voltar ao passado e relembrar as sabedorias de meus avós que ajudavam a defender a vida.” Você pode ver o depoimento, na íntegra, na página do Instituto Humanitas Unisinos.

No esforço de divulgar esses registros, o Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena da Universidade Federal do Amazonas (NEAI/UFAM) disponibiliza áudios e relatos, na sua página - Mapa da pandemia local: Relatos indígenas sobre o COVID-19 na Amazônia.

A nossa cultura é a nossa força de amanhã

Braulina Baniwa lê a carta escrita em memória às perdas de seu povo.

Ouça o áudio

Os povos indígenas ainda estão fortemente vinculados à transmissão oral de conhecimentos por meio de complexas narrativas, cujos principais responsáveis por preservar e repassar para as gerações mais jovens são os idosos.

Considerando as características da COVID-19, observa-se como grave impacto a perda dessas pessoas, consideradas “guardiãs” de conhecimentos, que se aplicam a diversas dimensões da vida dos povos e territórios indígenas e que representam não somente memória de conhecimentos, mas também de luta política por direitos indígenas, como a demarcação da terra, saúde e educação.

Coronavírus avança, tradição e cultura se perdem

Indígenas veem tradição e cultura se perderem à medida que coronavírus vitima os guardiões dos saberes antigos

Com vistas a registrar e homenagear seus mortos, criou-se a plataforma Memorial Vagalumes, no qual se pode encontrar informações sobre diversas vítimas da COVID-19.

Vagalumes - Memorial de Vítimas Indígenas da COVID-19

Chegamos ao final da aula

Você chegou ao final do Módulo 2. Nessa aula você conheceu o perfil epidemiológico dos povos indígenas e suas iniquidades em saúde e a progressão da disseminação do risco de exposição do Sars-Cov-2 na população indígena. Também conheceu o panorama epidemiológico dos 6 primeiros meses da pandemia e compreendeu o impacto sociocultural da COVID-19 no contexto dos povos indígenas.

O próximo Módulo vai falar sobre a Organização de trabalho e da assistência no Subsistema de Atenção à Saúde Indigena.

Siga em frente!