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Módulo 2 | Aula 2

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 2

Práticas de saúde antirracistas: definições e ferramentas

Você consegue perceber como o PNSIPN é um marco institucional para a questão do antirracismo no setor saúde?
Fonte: Freepik.com
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Apesar de outras conquistas institucionais prévias no âmbito do próprio SUS, é a PNSIPN que nomeia, ou seja, onde o racismo aparece explicitamente como um determinante social das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde.

TopSphere Media. Unsplash
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Isso muda completamente a forma de atuar nos problemas de saúde nos serviços assistenciais, afetando majoritariamente a população negra. Muda porque essa política reconhece que o racismo é a base desses problemas e, assim, implicitamente, recusa a ideia equivocada, largamente difundida, de que a pobreza divorciada da raça seria a fonte dos prejuízos. 

Fonte: Freepik.com
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E não parou por aí. Nos anos seguintes, a saúde da população negra foi elevada à condição de lei por meio do capítulo da saúde do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.° 12.288/10), o que fez com que, em muitos municípios e estados brasileiros, ela fosse incorporada nos seus respectivos Estatutos da Igualdade Racial. Então, pode ser que no seu município ou no seu estado, a saúde da população negra, além de constar nos instrumentos de Planejamento em Saúde, também já seja lei! O que nos dá mais uma ferramenta sólida em torno de práticas antirracistas na saúde!

Outros desdobramentos normativos no processo de implementação dessa Política no SUS foram sendo desenvolvidos. Recentemente foi publicada a Portaria 2.198, de 6 de dezembro de 2023, que institui a Estratégia Antirracista para a Saúde, reafirmando compromissos e ações político-institucionais do Ministério da Saúde nessa questão.

Pois é, para muitos(as) trabalhadores(as) da saúde, parece um mundo de coisas até então desconhecidas. E isto é só uma brevíssima recuperação dos marcos normativos mais importantes para conversarmos sobre práticas antirracistas na saúde, tema que vamos desenvolver a seguir. 

Ferramentas para a reorientação das práticas de saúde na organização dos serviços, processos de trabalho, formação e cuidado em saúde

Agora que você já está por dentro das normativas, podemos seguir refletindo sobre possibilidades de desenvolvimento de ações antirracistas com tudo o que já temos disponível, com aquilo que podemos aperfeiçoar e com aquilo que podemos criar a partir das particularidades da realidade vivida, sem perder de vista a dinâmica negativa do racismo na sociedade como um todo.

É interesse desse material didático chamar a atenção de trabalhadores(as) da saúde para a necessidade de se envolverem de alguma forma nesse movimento contínuo, a partir do seu local de trabalho, em articulação com outros sujeitos, para que essas normas/decisões institucionais citadas, conquistadas com lutas, ganhem concretude com rostos, cores, culturas, territórios e mudança positiva na vida das pessoas. 

Graças a todo esse processo, hoje podemos repensar e reelaborar as práticas de saúde baseadas no compromisso de enfrentar um problema histórico que ainda é uma ferida aberta da nossa sociedade, questão que cria barreiras para Promoção da Saúde, numa perspectiva de melhoria da vida social como um todo. Para tanto, buscando abordar didaticamente, usaremos como referência as principais questões tomadas como objetivos pela PNSIPN que constam na Portaria n.° 992/09, a saber:

  • Educação Permanente em Saúde;

  • Análise de Situação de Saúde;

  • Indicadores, monitoramento e avaliação;

  • Combate ao Racismo Institucional e implementação do quesito raça/cor.

E fazendo um exercício de pensar nossas realidades, o que podemos tomar como ponto de partida?

Reconhecer o racismo como um determinante da saúde implica necessariamente ter o combate ao racismo como “espinha dorsal” de todas as ações em saúde.

Combater é lutar contra, é ser “anti” (racismo), e a essa altura já sabemos que se trata de um mecanismo poderoso e nem sempre nitidamente aparente para todos(as). Combater o vírus, a bactéria, o fungo, é algo mais familiar e concreto nas ações assistenciais em saúde e, ainda assim, elas demandam monitoramento e avaliação, para averiguar se a terapêutica está dando resultados ou não;  ou  mesmo no trabalho da gestão quando olha os dados de aumento, diminuição e/ou controle daquele agente patológico na população, organiza e disponibiliza insumos, estruturas e financiamento necessários para tornar esse combate efetivo para os profissionais que estão na ponta.

No combate ao racismo não é diferente. Todas as ações requerem indicadores, monitoramento, avaliação, responsáveis, para saber se estamos avançando ou não, seja nas ações assistenciais ou no trabalho na gestão. Incorporar essas ferramentas já colabora para evitar o trabalho meramente individualizado, espontâneo, isolado e disperso. Assim, favorece o trabalho coletivo e reflexivo para pensar o que fizemos, o que deu certo, o que devemos manter, o que podemos melhorar, o que já se esgotou como estratégia, e por aí vai.

Mas atenção! A ferramenta de que estamos falando não se restringe ao preenchimento de planilhas para dizer que fez. Ela exige comprometimento, análises, reflexões e vontade de mudar determinada situação!

E se muitas vezes o racismo pode parecer para alguns difuso, invisível e sem “rosto”, como vamos fazer esse combate na saúde?

Primeiramente é importante reafirmar que o racismo não é uma névoa tóxica no ar, de origem desconhecida que apareceu do nada. Ele é uma relação histórica de poder.

E, sendo assim, ele atua através de interesses de grupos de poder minoritários (as elites financeiras brancas) que se beneficiam com essa ideologia enquanto grupos majoritários (a imensa população de maioria negra) se prejudicam e acumulam desvantagens.

E nós, fora desses grupos de poder, podemos muitas vezes reproduzir o pensamento das elites como se fosse algo “natural”, já que elas conseguiram, por meio de seu poder, imprimir esse pensamento na maioria das leis, nas normas, nos meios de comunicação, cultura etc.

Nesse sentido, o combate ao racismo na saúde se dá por meio dos seus mecanismos escondidos nas normas e rotinas das instituições de saúde, nos comportamentos e atitudes tidos como “jeito pessoal”, nas invisibilidades dos dados, estudos e pesquisas de saúde-doença, na distribuição de recursos financeiros, estruturais etc.