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Módulo 2 | Aula 2

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 2

Práticas de saúde antirracistas: definições e ferramentas

Considerar ações antirracistas no trabalho em saúde, sobretudo na Atenção Primária é antecedido por pelo menos duas questões fundamentais:

Trabalho em saúde é coletivo, ou seja, envolve a assistência, a gestão, as organizações comunitárias, os que demandam serviços de saúde (e os que raramente buscam), outros setores institucionais da gestão governamental e, desse modo,  não se restringe à ação de um único indivíduo que sozinho/a se sensibiliza com “causas humanitárias” e nem mesmo à ação de uma única equipe comprometida com o trabalho em um serviço específico - ambos são importantes, mas não suficientes.

Ter como ponto de partida a compreensão de que o trabalho em saúde acaba, em maior ou menor medida, por produzir e reproduzir racismos.

É fato que só podemos assumir uma postura “anti”, ou seja, nos colocar em oposição, em contrariedade a algo quando temos nitidez do que se trata. Esse algo, de modo geral, carrega em sua forma e conteúdo desvantagens e prejuízos à sociedade, portanto, afeta valores éticos. Quando esse algo é o racismo, compreende-se que ser “anti” não se trata de ser “do contra” por um mero capricho ou como uma postura individual, mas é sim um compromisso social.

Fonte: Thomas de LUZE. Unsplash.

Apesar do racismo vir sendo mantido e atualizado até os dias de hoje, ele não se apresentou um só dia sem a resistência e luta de negros e negras conscientes dos seus mecanismos e formas de expressão. Ao longo da história, foi preciso que os movimentos negros demonstrassem o racismo como um problema público para a sociedade brasileira, denunciando como ele opera no cotidiano, modelando uma sociedade insalubre.

Sendo assim, ele diz respeito a toda sociedade e não a um grupo restrito ou indivíduo, ainda que exija que as pessoas individualmente adotem posturas e práticas contrárias a esse conjunto de pensamentos e atitudes e seus efeitos concretos no dia a dia. Ou seja, torna-se necessário assumir uma prática antirracista.

Fonte: Thomas de LUZE. Unsplash.

É nesse sentido que as ações antirracistas no trabalho em saúde não podem ser de responsabilidade única e exclusiva da(o):

  • Agente Comunitário negro que também é uma liderança comunitária;

  • Enfermeira negra que se identificou com os efeitos do racismo na comunidade;

  • Técnica da área de Saúde da População Negra na gestão que tem uma agenda a cumprir;

  • Primeira Médica negra daquela Unidade que é motivo de surpresa para todos;

  • Pesquisador negro que estuda a determinação social da saúde e entendeu o lugar do racismo nessa história.

Aceitar que só haverá mobilização em torno da questão racial se as pessoas negras tiverem iniciativas, partindo de uma ideia equivocada que “se trata de um tema de interesse exclusivo delas”, ou que “não se tem lugar de fala”, fazendo um uso equivocado dessa expressão, também representa uma forma de ser permissivo(a) com posturas racistas nesse ambiente de trabalho em saúde.

E, se ainda temos esse tipo de prática, ou conhecemos colegas que ainda agem assim, convido você a pensar como propor algo diferente disso, identificando ferramentas e caminhos possíveis. Para isso, é importante fazermos um resgate do desenvolvimento institucional de ações antirracistas no setor saúde e refletirmos sobre situações que nos despertem para formular respostas no âmbito do nosso trabalho.

Antirracismo e a Saúde da População Negra

O peso da ideia de que a área da saúde é o lugar de “tratar doenças”, “ buscar cura”, “salvar vidas”, na maioria das vezes ignora ou não dá a devida importância a questões como raça, gênero e classe social como parte constituinte do processo de saúde-adoecimento-cuidado.

Mas você sabia que não estamos entrando nessa questão do antirracismo no setor saúde a partir do zero? Que já temos algumas normas institucionais há mais de 10 anos sobre essa questão?

Como dito anteriormente, não houve um só dia que o movimento social negro deixou de questionar o racismo e seus efeitos deletérios sobre a população negra. E no setor saúde não foi diferente.

Desde o movimento de mulheres negras na luta por direitos reprodutivos, no início dos anos 1980, até as organizações dos movimentos negros que se debruçaram a pensar, mobilizar agentes públicos, da sociedade civil e atuar na elaboração de uma política de saúde voltada para a população negra, passaram-se quase 30 anos. Não à toa o lema afirmado e reafirmado pelas lideranças das organizações de mulheres negras brasileiras é “nossos passos vem de longe!”.

Fonte: Drazen Zigic. Freepik.
Fonte: Drazen Zigic. Freepik.

Esse processo permitiu que, em 13 de maio de 2009, por meio da portaria do Ministério da Saúde 992/09, fosse criada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Saiba mais sobre ela a seguir:

Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

Essa política se apresenta como uma resposta do SUS diante de dados de estudos e pesquisas que já vinham demonstrando, de forma consistente, as desigualdades raciais sistemáticas na distribuição e no agravamento de doenças na população negra, a falta de acesso a serviços de saúde, a baixa qualidade na resolução dos problemas de saúde da população negra, entre outros. Em termos de ações, ela vai nos dizer “o que guia” (princípios e diretrizes), “do que se trata” (marca da política), “o que se busca  fazer”(objetivos), “quem e como deve fazer” (responsabilidades das esferas governamentais).

A PNSIPN fortaleceu as poucas iniciativas existentes à época, bem como ampliou e proporcionou a inserção de ações voltadas para a saúde da população negra nos instrumentos de Planejamento em Saúde, ou seja, nos planos municipais, estaduais e nacional de saúde.