Proteção da Saúde e Vigilância Sanitária

A Vigilância em Saúde constitui uma das funções essenciais da saúde pública e como parte da mesma deve integrar o projeto de nação inscrito na Constituição Federal de 1988, cujos objetivos fundamentais são de uma sociedade justa e solidária, com um modelo de desenvolvimento que combina erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos.

A Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS) expressa este projeto ao considerar que a saúde é tanto expressão dos determinantes e condicionantes relacionados à organização social e econômica, como também um direito fundamental e dever do Estado. A Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, diz que essa garantia deve ocorrer por meio da “…formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”

A Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em julho de 2018 reafirma o caráter de política pública de Estado e função essencial do SUS. Para a PNVS, a Vigilância em Saúde tem como objetivo central controlar e reduzir riscos relacionados aos complexos processos envolvendo condicionantes e determinantes da saúde, para a proteção e promoção da saúde da população, prevenção e controle de riscos, agravos e doenças.

O documento da Organização Panamericana da Saúde As Funções Essenciais da Saúde nas Américas - desafios para o século XXI, dentro desta mesma linha, considera que a Vigilância em Saúde se insere em um conjunto das funções relacionadas à avaliação. Veja o que diz o documento:

A Vigilância em Saúde como uma Função Essencial em Saúde Pública

Como expresso no documento da OPAS, As Funções Essenciais da Saúde nas Américas - desafios para o século XXI, a Vigilância em Saúde vem sendo desafiada e atualizada para enfrentar desafios complexos - tanto controlar e reduzir riscos relacionados aos interdependentes processos econômicos, ambientais, sociais e biológicos, sendo exemplos bem atuais os riscos globais que envolvem as mudanças climáticas e a pandemia pelo vírus SARS-CoV-2, como proteger e promover a saúde para melhoria das condições de vida e qualidade da saúde da população.

Imagem da capa do documento “As Funções Essenciais da Saúde nas Américas, uma renovação para o século 21”

Em sua trajetória ao longo dos séculos, autores como Teixeira e Waldman identificam as origens da Vigilância em Saúde nas primeiras e principais medidas para enfrentar as pestes e epidemias entre os séculos XIV e meados do século XIX, como o isolamento, a quarentena e o cordão sanitário. Essas medidas retornaram atualizadas durante a pandemia por SARS-CoV-2 / COVID-19.

No documento Public health surveillance: historical origins, methods and evaluation - em tradução livre Vigilância em saúde pública: origens históricas, métodos e avaliação, Declich e Carter descrevem de modo breve a história do desenvolvimento da Vigilância em Saúde em diferentes momentos.

Séculos XIV e XV

Em Veneza, guardas foram nomeados para a detectar e excluir de navios com pessoas infectadas. A quarentena e o isolamento eram as medidas adotadas para o controle da disseminação de doenças infecciosas.

Séculos XVI e XVII

Ocorreram avanços na coleta e organização de dados. Primeiro, houve o armazenamento de registros vitais, como nascimentos e, depois, a sistematização semanal de registros de sepultamentos nas paroquias de Londres. Com esses dados, os padres produziam os primeiros relatórios semanais.

Estes avanços contribuíram para que já no século XVIII a vigilância fosse reconhecida como prática integral da provisão de saúde para a população.

Século XIX

Foi desenvolvida uma prática sistemática de coleta e interpretação de dados relacionados à saúde com o objetivo de identificar medidas e ações apropriadas. Um excelente exemplo sobre esta prática, combinando dados de registros vitais de doentes e óbitos, e sua evolução temporal e distribuição espacial, está no livro Sobre a Maneira de Transmissão do Cólera, de John Snow. O livro conta a história de Snow e sua investigação sobre o surto de cólera em 1854, na cidade de Londres. Snow constatou que o abastecimento inadequado de água era a causa principal. Este livro é identificado por muitos como uma referência nas origens do método epidemiológico e do uso da análise espacial nesse contexto.

Fins do Século XIX e início do Século XX

Os avanços no paradigma microbiano na identificação de causas de doenças envolvendo agentes patogênicos e vetores de doenças nas ciências básicas da saúde representou grande mudança na teoria e prática no campo da saúde da saúde pública. Neste contexto, ocorreu a expansão do conceito de vigilância e o desenvolvimento de muitos e diferentes sistemas e diversificados métodos de coleta, análise e disseminação de dados. Isso evoluiu para o que hoje conhecemos como Vigilância em Saúde e suas diferentes e integradas práticas.

Public health surveillance: historical origins, methods and evaluation - O documento está disponível no repositório da OMS. Acesse aqui.

A Vigilância em Saúde, ao longo de sua construção e processos no campo da saúde pública, foi se constituindo a partir de diferentes tipos de práticas, cujo eixo comum está no processamento sistemático da informação para a ação. A depender do contexto e momento histórico, essas práticas podem estar mais ou menos articuladas, expressando diferentes níveis das capacidades institucionais nas formas de organização de cada uma e de sua articulação com as outras. Para exemplificar cada uma tomamos como referência as definições de vigilâncias contidas na PNVS.

Política Nacional de Vigilância em Saúde na página GOV.BR. Acesse aqui.

• TIPOS DE VIGILÂNCIA

A Vigilância em Saúde é composta por diferentes práticas de vigilância. São eles:

VÍDEO: Vigilância em Saúde

Para entender melhor sobre o assunto, veja o vídeo da Conexão SUS: Vigilância em Saúde

Transcrição

A Política Nacional de Vigilância em Saúde e seus princípios

A definição de Vigilância em Saúde da Política Nacional de Vigilância em Saúde está no parágrafo primeiro, Artigo 2:

“Entende-se por Vigilância em Saúde o processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública, incluindo a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde, para a proteção e promoção da saúde da população, prevenção e controle de riscos, agravos e doenças.”

Os processos fundamentais para a Vigilância em Saúde e nas suas práticas - epidemiológica, sanitária, ambiental, saúde do trabalhador e trabalhadora - têm como premissas os princípios do SUS.

Universalidade

A Vigilância em Saúde é universal, transversal e orientadora do modelo de atenção nos territórios. A universalidade, que garante aos cidadãos brasileiros o direito à saúde, sem qualquer tipo de discriminação, se expressa de modo abrangente na PNVS, uma vez que considera todos os serviços de saúde públicos e privados, bem como estabelecimentos relacionados à produção e circulação de bens de consumo e tecnologias que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde.

As ações de Vigilância em Saúde devem buscar a integralidade do cuidado. Para isso, têm que estar articuladas com as redes de atenção à saúde, constituídas pelos arranjos organizativos de ações e serviços de saúde. Nesta perspectiva, a Vigilância em Saúde deve possibilitar um melhor planejamento e organização da recuperação e assistência em saúde, a integração das ações e políticas de prevenção de doenças, e de proteção e promoção da saúde como um conjunto articulado de respostas sociais e práticas em saúde pública nos territórios.

Integralidade

Esse processo de integralidade demanda tanto a articulação dos saberes, processos e práticas relacionados às vigilâncias e a construção conjunta de protocolos, linhas de cuidado, matriciamento da saúde, definição das estratégias e dispositivos de organização e fluxos da Rede de Atenção à Saúde, considerando os diferentes níveis de complexidade. Tudo isso tendo a Atenção Primária em Saúde como centro ordenador.

Equidade

A Vigilância em Saúde contempla toda a população de todo território nacional e, orientada pelo princípio da equidade na atenção, deve priorizar territórios, pessoas e grupos em situação de maior risco e vulnerabilidade, na perspectiva de superar desigualdades sociais e de saúde, incluindo intervenções intersetoriais. O princípio da equidade deve orientar o processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disseminação de informações sobre processos, eventos e riscos para subsidiar o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública. Isso inclui a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde, desde intervenções para prevenção e controle de riscos, doenças e agravos até as ações e políticas de proteção e promoção da saúde da população.

Descentralização e participação da comunidade

Além destes, a PNVS inclui outros princípios estratégicos do SUS, como: a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo; e a inserção da Vigilância em Saúde no processo de regionalização das ações e serviços de saúde.

Também é importante destacar o princípio de participação da comunidade. Essa é uma forma a ampliar sua autonomia, emancipação e envolvimento na construção da consciência sanitária, na organização e orientação dos serviços de saúde e no exercício do controle social. A participação da comunidade se integra a outro princípio: o da garantia do direito das pessoas e da sociedade às informações geradas pela Vigilância em Saúde. Sempre, claro, respeitando as limitações éticas e legais.

Cooperação e articulação intra e intersetorial

Por fim, para que a Vigilância em Saúde cumpra seu objetivo principal, temos o princípio de cooperação e articulação intra e intersetorial para ampliar a atuação sobre determinantes e condicionantes da saúde. Esta cooperação e articulação é fundamental, uma vez que muitos dos riscos, doenças e agravos que impactam à saúde são produzidos nos complexos processos e fenômenos econômicos, ambientais, sociais e biológicos. Afinal, são esses processos e fenômenos que determinam o nível e a qualidade da saúde da população. Com isso, além do setor saúde, é necessário o envolvimento de outros setores e instituições governamentais e não governamentais, além de ampla participação da comunidade.

Diretrizes e estratégias de organização da Vigilância em Saúde

A instituição da Política Nacional de Vigilância em Saúde significou um importantíssimo passo em um conjunto de aspectos que devem ser destacados e que se expressam recorrentemente nas suas diretrizes e estratégias de organização. Procuramos sistematizar as mesmas em cinco grandes temas que, embora interligados uns com os outros, apontam para aspectos que são considerados de grande importância.

• Reafirmação dos princípios do SUS

O primeiro aspecto que destacamos foi o de reafirmação da importância dos princípios do SUS como transversais, reforçando a importância da Vigilância em Saúde e de suas diferentes práticas de vigilância estarem em sintonia com o projeto de nação inscrito na Constituição de 1988 e expressos também na Lei 8080.

Na dimensão do Sistema Único de Saúde, em que os procedimentos técnicos de diagnósticos e registros, protocolos e instrumentos são tão marcantes e dominantes, a reafirmação dos princípios do SUS é fundamental para que análises, boletins, notas técnicas, normas técnicas, atos normativos e decisões não estejam dissociadas de um projeto de nação. Tendo Jasanoff, como referência, consideramos que o modo de perceber a realidade e de organizar os dados e fatos relacionados a essa realidade tem implicações, embora nem sempre visíveis, nos aspectos das políticas públicas e de justiça social. Quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de lado que populações e quais alternativas.

• Integração das diferentes práticas de vigilância

O segundo aspecto que pontuamos se relaciona ao reforço da necessidade de integração das diferentes práticas de gestão, de processos de trabalho, de saberes e de tecnologias das vigilâncias para a construção de uma Vigilância em Saúde mais articulada e robusta.

Embora pareça obvia a necessidade de integração, cada uma das vigilâncias - sanitária, epidemiológica, em saúde ambiental e em saúde do trabalhador - tem origens, práticas e objetivos que são distintos, expressos nos organogramas das secretarias de saúde em setores e departamentos diferentes, como bem observou Teixeira em seu artigo Desafios da Vigilância em Saúde no momento atual:

“O processo de institucionalização da Vigilância em Saúde, por seu turno, deu-se sob a égide de uma visão fragmentada, apresentando um desenvolvimento desigual nas últimas décadas, tanto no que concerne à definição da legislação, que embasa e regulamenta as ações de vigilância, quanto no âmbito político-institucional, em função da direcionalidade conferida à política de saúde e ao processo de construção do SUS. Configurou-se, assim, a divisão da gestão nacional da VS entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ao tempo em que a implementação das distintas “vigilâncias”, nos âmbitos estadual e municipal do SUS, tem sido marcada por tensões e conflitos em torno do financiamento e das formas de organização e gestão das ações de VS entre as Secretarias de Estado (SES) e as Municipais (SMS) de saúde.”

Na perspectiva de integração, Paim e Almeida Filho, assim como Freitas entendem que a análise da situação de saúde e o mapeamento das atividades de produção, consumo e infraestrutura com potencial impacto nos territórios constitui uma das importantes fontes para a identificação de prioridades para uma atuação integrada e o planejamento conjunto entre as vigilâncias.

Para que isso ocorra e se desenvolva, a integração deve envolver pelo menos dois processos fundamentais:

  • Produção conjunta de metodologias de investigação, ação, tecnologias de intervenção, protocolos, instrumentos, normas técnicas, atos normativos e monitoramento e avaliação das ações de vigilância.

  • Unificação dos instrumentos de registro e notificação de doenças, agravos e eventos de interesse para a saúde pública, bem como harmonização de parâmetros e produção conjunta de indicadores no desenvolvimento das ações de vigilância.

Um excelente laboratório para exercitar este processo de integração envolve a prática contínua da investigação conjunta de surtos, epidemias e eventos inusitados ou situação de saúde decorrentes de potenciais impactos ambientais de processos e atividades produtivas nos territórios, como desastres.

Para ir mais longe: vídeo Ser Gestor SUS

A aula Vigilância em Saúde (Parte 1) do Curso Ser Gestor SUS, promovido pelo Conasems, aborda de modo bastante didático a importância da integração entre a Atenção Primária em Saúde e a Vigilância em Saúde no nível dos municípios e territórios, com exemplos das práticas de Vigilância Epidemiológica. Vigilância em Saúde

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• Informação, comunicação e participação da comunidade

Embora cada um destes aspectos envolva estratégias distintas, estão interligados na perspectiva do fortalecimento de uma Vigilância em Saúde integrada no âmbito do SUS.

Qualquer estratégia que vise ampliar e fortalecer a participação das comunidades, vulneráveis ou não, expostas aos riscos, doenças e agravos, tem como pré-requisito o acesso a informações regulares e públicas combinadas com estratégias de comunicação ativas, claras e transparentes.

Estas informações e seus sistemas constituem a base que subsidia desde os alertas de riscos sanitários à comunicação do risco (como processo interativo de troca de informação e opiniões entre indivíduos, grupos e instituições, relativa a acontecimentos ou situações que ameaçam a saúde humana ou a segurança dos indivíduos ou das comunidades), incluindo estratégias de mobilização social com o objetivo de ampliar a participação e comprometer a população com a eliminação ou redução dos riscos à saúde.

• Gestão de riscos, preparação e respostas às emergências em saúde pública

A gestão de riscos e a detecção, monitoramento e respostas às emergências em saúde pública, ainda que possam ser tratadas como diretrizes e estratégias em separado, como processos de respostas aos problemas e necessidades de saúde cotidianos e em situações de surtos, epidemias, desastres ou pandemias, estão altamente interconectadas. Em 2019, antes da pandemia, a Organização Mundial da Saúde publicou o guia Estrutura de Gerenciamento de Riscos de Emergência e Desastres em Saúde, que combinava gestão de risco e situações de desastres e emergências em saúde pública.

O documento Estrutura de Gerenciamento de Riscos de Emergência e Desastres em Saúde está disponível no repositório da OMS. Acesse aqui.

Capa do documento Estrutura de Gerenciamento de Riscos de Emergência e Desastres em Saúde.

A combinação da abordagem de gestão de riscos para a preparação e respostas às emergências em saúde pública representa articular estratégias integradas de identificação, planejamento, intervenção, regulação, comunicação, monitoramento de riscos, doenças e agravos nas situações de riscos cotidianas, assim como de desastres e emergências em saúde. Demandam, também, que as análises da situação de saúde incorporem a perspectiva de avaliação de riscos nos territórios, considere:

  • Os diferentes cenários de exposição da população aos diferentes tipos de perigos ou ameaças. Essas ameaças podem envolver desde agentes patogênicos, produtos químicos ou materiais radioativos, até processos relacionados às mudanças climáticas, como inundações, secas, chuvas fortes e deslizamentos de terra, ou de produção, como indústrias químicas, usinas nucleares, mineração, entre outros;

  • As condições de vulnerabilidade, considerando os diferentes grupos sociais e populacionais, bem como territórios; e

  • As capacidades institucionais de redução de riscos,, o que inclui desde o sistema de saúde no nível local, municipal, região de saúde, estadual e federal, além das diversas outras instituições que possuem responsabilidades sobre os diferentes tipos de riscos, bem como capacidades de participação e mobilização comunitária.

Esta perspectiva de avaliação contribui fortemente para identificar riscos e vulnerabilidades nos territórios na análise da situação de saúde e permite que se avance na gestão de riscos.

A gestão de riscos é composta por três conjuntos de processos fundamentais e interligados.

Prevenção de riscos futuros

Tem como objetivo eliminar, quando possível, ou reduzir ao máximo que determinados agentes, produtos, processos, atividades possam produzir danos, doenças e agravos à saúde. Envolvem o planejamento e a implementação de diferentes medidas de saúde pública, como a regulação de produtos e atividades, a intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde envolvendo diversos setores para desenvolver estratégias de proteção e promoção da saúde da população.

Recuperação, reabilitação e reconstrução

Envolvem tanto doenças e agravos, como também danos e prejuízos que afetam a infraestrutura e as condições de vida. A recuperação e reabilitação em saúde envolve toda a Rede de Atenção à Saúde (Unidades Básicas de Saúde, Estratégia de Saúde da Família, Unidades de Pronto Atendimento e Hospitais), mas não se realiza de modo integral sem considerar a atuação sobre os condicionantes e determinantes da saúde. Os determinantes estão presentes desde a reconstrução das condições de vida e trabalho em situações de crises, sejam individuais ou coletivas, bem como de acesso aos serviços de saúde, como por exemplo, recursos financeiros para acesso aos serviços e aos medicamentos para tratamento. Também envolvem as infraestruturas que podem ser afetadas em situações de crises ou desastres, o que inclui serviços de saúde diversos, como UBS, Hospitais e Laboratórios. Uma vez que essas infraestruturas sejam danificadas comprometem as capacidades de respostas do setor saúde e devem imediatamente ser reabilitados e recuperados ou mesmo reconstruídos.

Mitigação de riscos

Envolvem processos como preparação, detecção, alertas, e respostas que são típicos no manejo de desastres e emergências em saúde pública.

Diagrama de um círculo dividido em três partes, redução de riscos, mitigação de riscos e recuperação. Redução de risco é para prevenir riscos futuros, reduzir riscos existentes e preparar as respostas; mitigação de risco é para o manejo das emergências em saúde pública; Recuperação é reabilitação e reconstrução.

Mesmo considerando que possam ser realizados todos os investimentos necessários para a prevenção de riscos envolvendo surtos, epidemias, desastres e pandemias, ou mesmo para evitar situações de crises em saúde por desassistência, é preciso considerar que esses eventos podem ocorrer. Por isso, devem ser estruturadas ações para reduzir os riscos, danos, doenças e agravos nas mesmas.

Atividades contínuas de monitoramento e planejamento para a preparação e respostas às emergências em saúde pública e a elaboração de planos de respostas permitem organizar tanto ações de prevenção de riscos, como também de recuperação, reabilitação e reconstrução de danos, doenças e agravos para situações de crise. Isso ainda contribui para a redução de riscos futuros.

O planejamento e a preparação também possibilitam uma melhor atuação coordenada entre as diversas organizações governamentais e não governamentais envolvidas, articulando e organizando o esforço para a minimização de seus efeitos muitas vezes em cenários de incertezas e de decisões em condições de urgência.

Uma Vigilância em Saúde integrada à uma estrutura de gestão de riscos de desastres emergências em saúde (GRDES) tem como objetivos fortalecer o sistema de saúde do país com forte ênfase nos territórios e participação comunitária, envolvendo ações para construir a resiliência do sistema de saúde e das comunidades, de modo a estabelecer as bases para a prevenção, preparação, resposta e recuperação de todos os tipos de eventos perigosos, incluindo desastres e emergências em saúde.

Vigilância em Saúde: singular e sistêmica

Como já observamos, a Vigilância em Saúde possui um papel fundamental e estratégico no monitoramento das condições de vida e saúde. Ela é um processo complexo, pois envolve uma diversidade de eventos, produtos e processos que são ao mesmo tempo singulares e sistêmicos.

Eles são singulares por envolverem situações em que agentes patogênicos, produtos comercializados, processos de trabalho ou mesmo impactos ambientais devem ser bem delimitados. A singularidade tem como foco os processos específicos que em determinados contextos históricos e sociais tornam determinados riscos, doenças e agravos únicos. E são sistêmicos por envolverem estruturas sociais, políticas e econômicas expressas em condicionantes e determinantes da saúde que produzem desigualdades e iniquidades em saúde. Esse contexto produz bairros, regiões, municípios e estados mais ricos ou mais pobres, bem como, dentro dos mesmos, determinados grupos sociais e lugares com maior potencial de exposição aos riscos e condições vulnerabilidades.

Tendo como referência Roux e suas reflexões sobre a pandemia, a autora destaca que muitos de seus aspectos se relacionam às características específicas do vírus SARS-CoV-2, tornando-a única: Como o vírus é transmitido e infecta os indivíduos (e o vírus, como vimos, sofre mutações)? Quais são os sinais e sintomas e em que momento aparecem? Como o vírus e a doença interagem com outras doenças pré-existentes? Que tipo de respostas imunológicas ele desencadeia? E como isso afeta suas manifestações clínicas, a presença e duração de imunidade após a infecção?

Os registros a partir de indivíduos infectados e doentes são produzidos nos níveis biomolecular e da clínica e constituem a base para a sistematização desses dados e produção de informações epidemiológicas sobre a singularidade desta pandemia.

Porém, mesmo considerando os dados relacionados à singularidade, já encontramos várias limitações nos registros, que se combinam com outras limitações. Essas interações são fundamentais para fornecer uma perspectiva sistêmica para uma Vigilância em Saúde, em que a implementação de medidas de saúde pública inclui a intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde - parte de um projeto da nação da Constituição Federal de 1988, que envolve a redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos.

Nesta perspectiva, uma Vigilância em Saúde mais ágil e ativa durante a pandemia deveria também envolver a coleta, consolidação, análise de dados de modo a fornecer informações básicas como taxas incidência, mortalidade e letalidade sobre o impacto nas condições de vida e saúde na população e seus diferentes resultados sobre determinados grupos populacionais (por raça/cor, etnia e classe social) ou territórios (locais e bairros, por níveis de pobreza), por exemplo. As estruturas sociais e econômicas que condicionam os modos e intensidades de exposição ao vírus (por exemplo, a superlotação em ônibus, habitações e saneamento precário, densidade populacional em favelas, trabalhos informais e precários sem proteção), além de resultarem em maiores exposições e riscos de infecção para alguns grupos sociais, se combinam com outros que afetam a gravidade e a fatalidade da doença entre os infectados. Outros fatores são, por exemplo o precário acesso aos serviços de saúde para prevenção e cuidados, bem como maior incidência e óbitos mais precoces por doenças crônicas não transmissíveis (como hipertensão arterial, diabetes, cardiovasculares, metabólicas e respiratórias crônicas) para as populações com piores condições de vida, vivendo em áreas como favelas.

Considerar as características simultaneamente singulares e sistêmicas que se relacionam aos temas, problemas e necessidades de saúde da Vigilância em Saúde, em torno dos riscos, doenças e agravos e as respostas sociais aos mesmos é uma mudança necessária e importante para avançarmos na construção de uma vigilância integrada em suas diferentes práticas e processos.

Para ir mais longe: vídeo Ser Gestor SUS - Parte 2

A aula Vigilância em Saúde (Parte 2) do Curso Ser Gestor SUS, promovido pelo Conasems, em seus 43 minutos, aborda de modo bastante didático a importância das diferentes práticas de vigilância (saúde do trabalhador e da trabalhadora, saúde ambiental e sanitária) e das ações intersetoriais. Também reforça a importância da articulação destas práticas com a Atenção Primária a Saúde. Se cada uma das práticas pode abordar um problema específico de saúde como singular, é importante que também seja abordado como um problema sistêmico, combinando a integração entre as diferentes práticas de vigilância e destas com a APS. Veja o vídeo Ser Gestor SUS Parte 2

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Desafios atuais da Vigilância em Saúde

Não queremos esgotar os muitos desafios que estão colocados para construção de uma Vigilância em Saúde robusta, em total sintonia com os princípios do SUS em suas práticas e orientada para um projeto de uma sociedade justa e solidária, com um modelo de desenvolvimento que combina erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos. Mas destacamos alguns dos desafios apontados no documento da Organização Panamericana da Saúde - As funções essenciais de Saúde Pública nas Américas - uma renovação para o século 21, Marco conceitual e descrição, pelos autores Teixeira e Freitas e Venancio.

O documento As funções essenciais de saúde pública nas Américas - uma renovação para o século 21. Marco conceitual está disponível no repositório da Organização Panamericana da Saúde. Acesse o aqui.

Capa do documento As funções essenciais de saúde pública nas Américas - uma renovação para o século 21.

Considerando a Vigilância em Saúde como uma Função Essencial da Saúde Pública, no documento da OPAS aponta que:

“Diante destes desafios e tantos outros, o fortalecimento das capacidades institucionais para a Vigilância em Saúde encontra-se por um lado, associada a ampliação nas capacidades de produção de informações para o controle, a gestão e a resposta adequados aos riscos à saúde, incluindo surtos de doenças transmissíveis, emergências e fatores de risco de doenças não transmissíveis, produção e circulação de produtos com riscos à saúde, saúde mental, diferentes tipos de agravos e lesões, por exemplo. Por outro, também produzir informação para ação em políticas e estratégias intersetoriais para proteção e promoção da saúde, contribuindo para a criação de ambientes e condições de vida e trabalho saudáveis e sustentáveis.”

Se a produção de informações para o controle, a gestão e a resposta adequados aos riscos à saúde e para política e estratégias intersetoriais de proteção e promoção da saúde é fundamental, ela não pode estar dissociada de outros processos igualmente importantes. Deste modo, a integração das ações de Vigilância em Saúde, tendo como centro ordenador a Atenção Primária em Saúde, vai além de uma maior articulação com a Rede de Atenção à Saúde. A Vigilância em Saúde abre possibilidades e caminhos para priorização dos problemas de saúde da população nos seus territórios de vida e trabalho e para maior participação das comunidades de forma a ampliar sua autonomia, emancipação e envolvimento na construção da consciência sanitária e proposições de enfrentamento dos condicionantes e determinantes da saúde, bem como de gestão de riscos e danos.

Assim, é fundamental que os avanços na construção da Vigilância em Saúde possam estar em sintonia com uma perspectiva crítica da Saúde Coletiva e de enfrentamento das iniquidades em saúde, como observado por Teixeira. Nesta perspectiva, Carneiro e Pessoa reforçam que políticas e ações de Vigilância em Saúde nos territórios podem ser fortalecidas ao considerar as iniciativas de organização comunitária e vigilância popular em saúde.

Para ir mais longe: História da Vigilância em Saúde

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, veja o vídeo A história da Vigilância em Saúde no Brasil

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