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[Homem 1: Jainilson Paim]
Eu também em determinados momentos que podem parecer depressivos, chegou a comentar que em algum momento me pediram para
escrever o que era o SUS. Eu fiz, tem um livrinho aí que é de livre acesso. A Fiocruz fez um trabalho, a editora fez um
trabalho lindíssimo, mais recente, interativo, né, é acesso livre.
Depois me pediram, em 2012, para escrever o futuro do SUS e naquele momento quando escrevi o futuro do SUS, eu mostrava
que estavam ocorrendo alguns fenômenos que a gente não conseguia encontrar uma explicação ainda mais clara, mas que
estavam de alguma forma num plano da realidade que a gente não consegue alcançar com os olhos imediatamente, o que iria
necessitar de mais investigações, eu vou retomar isso no meio da minha fala. Mas o principal que eu me lembro nesse
texto é de que eu dizia uma coisa meio comum, quase senso comum e que o futuro do SUS se faz hoje, ou seja, se fazia em
2012 e muitas das iniciativas que estavam sendo tomadas,
até por forças progressistas dentro do governo, eram para destruir o SUS.
E, depois desse editorial, que eu escrevi para o Cadernos de Saúde Pública, ainda fui entrevistado por outros, que já não
me lembro mais e eu disse o seguinte, e é isso que eu queria começar provocar em vocês, a conversa. Eu já escrevi: “O
que é o SUS”, já escrevi: “O futuro do SUS”, e eu só estava lamentando um dia que me chamassem para falar o que era o
SUS.
Então, acho que essa é a provocação que eu quero fazer com vocês hoje nesta nessa conversa, o que é que nós podemos
cogitar, discutir, para que não tenha, não precisa ser eu necessariamente, é que não tenham outras pessoas que tenham
que escrever em breve, o que foi o SUS ou o que era o SUS , foi isso que eu vim pensando aqui em conversar com vocês.
Esse Sistema de Saúde, que nós estamos comemorando 30 anos, na realidade, a referência da Constituição de 88, é mais uma
referência oficial, porque foi ali que se registrou na carta magna a criação do sistema. Mas se nós formos examinar um
pouco antes de 1988, a ideia do SUS e a proposta do SUS, veio da sociedade, veio da academia num documento de 1979,
apresentado pelo Cebes num simpósio do Congresso Nacional, tudo que hoje a gente conhece do SUS e
valores, princípios e diretrizes, fato de ser participativo, integral, que deveria ser de natureza pública e etc, consta
nesse documento publicado pelo Cebes.
Então, a rigor, a proposta do SUS sai quase dez anos antes da constituição reconhecê-la e sete anos antes da histórica 8ª
Conferência Nacional de Saúde. Estou vendo muitas pessoas que foram minhas alunas, meus alunos, meus amigos e minhas
amigas e que sabem bem essa história, não vou tocar aqui.
Então, por isso a gente pode examinar esses 30 ou 40 anos do SUS com o período que antecedeu a Constituição e o período
pós constituinte. Esse período que antecede a constituição é um período em que houve uma rearticulação dos movimentos
sociais a partir da abertura lenta, segura e gradual que a Ditadura tentou fazer a partir de 74.
Em 1976, foi criado o Cebes, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde que não foi ele só, mas tem-se considerado uma das
referências do movimento da Reforma Sanitária, que entre um dos seus produtos, alcançamos o SUS. Então várias
articulações políticas que foram feitas até 1988 e especialmente a partir do final da década de 70, para o início da
década de 80.
Eu quero me referir que neste momento da chamada transição democrática, dois grandes projetos políticos disputaram, como
muitas vezes vocês dizem corações e mentes das brasileiras e brasileiros. O chamado esperança e mudança e o outro um
projeto democrático e popular.
Projeto esperança e mudança, ele surgiu com um grupo de parlamentares do MDB verdadeiro, do MDB autêntico, como nós
chamávamos antigamente, e que tinham propostas de defender a autonomia do Brasil, uma autonomia soberana do Brasil, um
processo de desenvolvimento como a industrialização, que não fosse servir aos interesses sobretudo dos americanos, que
enfrentasse a dívida social acumulada em décadas, mas especialmente no período da ditadura, que propugna se pelo
atendimento de um conjunto de direitos sociais, não eram políticas sociais compensatórias, nem assistência social pura e
simples e entre as quais essas políticas sociais, a política de saúde e já se trazia a ideia do SUS.
Este projeto esperança e mudança, foi projeto apoiado quando Waldir Pires, aqui na Bahia, por Fernando Henrique Cardoso,
por José Serra, por um conjunto de pessoas que teve que ser de alguma forma abandonar o país durante a ditadura e que
iriam de alguma maneira modernizar o país. E esses, uma parte desse grupo que inclusive se questionava o tipo de
política realizada pelo Quércia em São Paulo, e por outros coronéis do nordeste, não teve mais espaço do dentro do MDB,
que depois se transformou em PMDB e fundou o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, os tucanos.
Todos nós entendemos como é que eles funcionam, mas o outro projeto que nasceu não só das lutas contra a ditadura, mas
da organização dos segmentos populares, com uma articulação muito grande com a igreja católica, sobretudo através das
comunidades eclesiais de base, com os sindicatos dos trabalhadores dos pólos mais avançados, mas também dos servidores
públicos, de intelectuais dos mais diversos como Paul Singer, como o nosso grande educador pernambucano, Paulo freire,
como Buarque de Holanda, não o filho, mas o pai, procurou entender as raízes do brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva e
com outros tantos companheiros que inclusive saíram da luta armada para buscar uma atividade legal e esse projeto
democrático popular estava ligado ao criado PT, partido dos trabalhadores.
Constituída a Constituição, desculpe o trocadilho, teríamos um prazo para realizar as eleições presidenciais, as
primeiras eleições presidenciais, depois de 21 anos de ditadura. E nessas eleições, várias das lideranças da direita de
Paulo Maluf, à esquerda de Leonel Brizola e de Lula, disputaram o primeiro turno das eleições. E o resultado vocês já
estudaram na história do Brasil, ficaram dois candidatos, o Fernando Collor e o Lula, e o Lula perdeu essa eleição.
Por que eu estou colocando esse fato? Porque justamente aqueles dois projetos que eu me referi anteriormente, estavam de
uma forma mais firme ou mais ambígua, mas estavam ao lado de Lula, estavam ao lado de possibilidades reais de mudança
nesse país.
Esse projeto foi derrotado eleitoralmente em 1989, então, no Brasil quem teve a primeira responsabilidade de implantar
políticas resultantes da Constituição de 1988 e especialmente da saúde, no caso o SUS, foram exatamente aquelas forças
que foram contrárias na época do centrão ao avanço dos direitos sociais.
A nossa tragédia brasileira um pouco passa por aí, em 1989, mas houve o impeachment bem merecido, de 1992, houve a
tentativa do governo de Itamar de retomar algumas das ações do Sistema Único de Saúde, embora com uma grave crise de
financiamento, nos debates, nas conversas, que a gente venha a ter. Depois eu posso explicar melhor isso.
Mas tem uma eleição em 1994 e agora já disputam efetivamente aqueles dois projetos que anteriormente eu mencionei, o
Projeto Esperança e Mudança, com a cara tucana, e o Projeto Democrático Popular das Esquerdas, com a cara de Lula do PT,
que perdeu Lula, então, os oito anos dos tucanos ou da social democracia no Brasil que exerceram o poder, foram oito
anos para negar o projeto que eles investiram no passado.
Nunca o Brasil se inseriu de uma forma tão dependente aos interesses do capitalismo internacional, como com a
incorporação do neoliberalismo como doutrina e com as políticas monetaristas como prática. Mas, ainda assim, algumas
coisas do SUS foram realizadas, também a gente pode conversar essas algumas coisas do SUS, mas uma questão dramática do
SUS continuou mantida, o subfinanciamento público para poder realizar esse sistema.
Então aí, tem uma tese muito interessante de um professor de economia da Unicamp, chamado Eduardo Faiani, em que ele
mostra, que desde ainda o Sarney, desde ainda a transição democrática, já se sabotava as possibilidades de crescimento
das políticas sociais e da saúde em particular. Que a chamada área econômica daqueles governos tinha um poder incrível
de obliterar iniciativas que pudessem, por exemplo, garantir a expansão da rede pública, da infraestrutura pública e se
a Constituição apresentava um discurso ambíguo de apontar para um sistema público de saúde, que tivesse relevância
pública e ao mesmo tempo estabelecia no artigo que a saúde era livre à iniciativa privada, exatamente nesta ambiguidade
que aqueles que se localizavam naquela época na área econômica, poderiam utilizar para sabotar, boicotar a implantação
do sistema de natureza pública e isso foi feito com muita sabedoria e não era colocada em discussão na esfera pública.
Então, esses foram os oito anos dos tucanos no poder em relação à saúde, o subfinanciamento continuou, mesmo o esforço
da chamada PEC 169, que depois resultou na Emenda Constitucional 29, em que garantia um piso mínimo de 15% dos
municípios, 12% para os Estados. O Governo Federal não assumiu os 10% que caberia a ele, pelo o contrário, introduziu
uma alteração na emenda para que os recursos ao SUS ficassem na dependência da variação nominal do PIB.
Chegamos em 2002, e o slogan era “Sem medo de ser feliz” e Lula ganha a eleição para Presidente da República, todos os
olhares de quem militou durante tanto tempo por essas questões que vocês estão chamando a atenção aqui, foram os olhares
no sentido de uma oportunidade histórica de avançar nessa perspectiva. E quando se observava, inclusive, as equipes na
área da saúde, eram pessoas comprometidas com esse projeto.
Entretanto, toda a política econômica iniciada pelo governo, era contrária ao investimento público na área da saúde,
então não foi prioridade saúde no governo Lula 1, como também, mesmo quando saiu Palocci e chegou Mantega, não foi no
Lula 2.
Então a crise de financiamento justifica, cada vez mais, que se compre serviços no setor privado. A crise de
financiamento que impede a expansão do SUS é uma grande oportunidade de uma fala cínica, de dizer que com os planos de
saúde se alivia o SUS. Então, foi por esses mecanismos que foram sendo, através desses mecanismos foram sendo criados
espaços que resultaram naquilo que hoje nós estamos vivendo, que tem um aspecto que eu diria quase inexorável, que é um
processo de expansão do capital, na saúde, no Brasil, que vai muito, muito, muito mais além do que imagina os nossos
olhos, ouve os nossos ouvidos e supõe a nossa vã filosofia.
Nas décadas de 50 e 60, quando se falava em capital na saúde ou em privatização, que é uma palavra que serve para muita
coisa, se lembravam das empresas que fabricam medicamentos, das empresas que na época não falava em ressonância
magnética, mas falava em raio x, ou eletrocardiograma, enfim, equipamentos.
Porque essas empresas industriais, ao produzirem suas mercadorias, teriam que encontrar no mercado espaços onde realizar,
valorizar e expandir o capital. Então, para quem estudava de alguma forma a política dentro da perspectiva da economia
política, eram aí os lócus de acumulação do capital, o lócus de acumulação do capital no sentido singular. Mas no final
dos anos 60 para os anos 70, já se assinalava aqui no Brasil uma outra forma do capital se expressar na saúde, que era
através do empresariamento médico.
A constituição das empresas médicas, porque antes os hospitais eram vinculados à Santa Casa, as chamadas segmentos
beneficente, hospital português aqui no Brasil, e na Bahia tinha hospital espanhol. Mas o hospital como empresa clínica
de diagnóstico, como empresa lucrativa, que podia ser administrada e ter o seu dono médico ou não, isso vai se
configurar a partir dos anos 80. Mas no final dos anos 80 e nos anos 90, expandindo muito mais um outro tipo de
acumulação que a gente não percebia bem, a não ser para denunciar que o plano de saúde reduziu o tempo da internação na
UTI, ou que o plano de saúde não permitiu o atendimento de uma pessoa com AIDS, ou com problemas mentais, era assim que
a gente sabia. Mas já estava assim constituindo um conjunto de empresas, de intermediação, que não têm uma base física
constituída, não tem uma infraestrutura de hospitais, de laboratórios etc., mas fazem a intermediação entre o usuário, o
consumidor melhor dizendo, do serviço de saúde e produtor, o profissional de saúde, a unidade de saúde, etc.
Elas começam ainda com alguns apoios que existiam na época da previdência, na época do INAMPS através da chamada
medicina de grupo, depois se expande para as cooperativas médicas, depois se revitalizam os chamados planos de
autogestão tipo CACI, por exemplo, a PATRONAL, antiga patronal de servidores públicos e posteriormente por brechas que
eles iam criando junto das áreas econômicas, dos governos, a possibilidade de com seguros, pudesse entrar no mercado na
área da saúde, os seguros saúde.
Com todas as contradições que foram sendo geradas ao longo da década de 90 nesse processo, incomodavam médicos,
incomodavam profissionais de saúde, mas incomodavam consumidores, tinha Lei da Defesa do Consumidor, o Estatuto de
Defesa do Consumidor etc. Essas empresas perderam muito quando isso chegava no PROCON e na justiça, então há quem
interprete, inclusive, a Lei 9656, que vai regulamentar esses chamados planos de saúde em 1998, como a lei que foi muito
mais favorecer os planos, do que para favorecer os consumidores.
Da mesma maneira que a agência que vai ser criada, a INS, em 1999 ... 2000! 99 foi a Anvisa, era num sentido muito mais
de atender os interesses das empresas, do que dos usuários dos planos de saúde. Bom, então vocês estão vendo pelo menos
um tipo de intervenção do capital, através de produtos e equipamentos, através de empresas produtoras de serviço e
através de empresas que intermediam a relação usuário e produtor. Essas empresas vão crescendo de tal 6
ordem, e vão encontrando nesses espaços governamentais, além dos subsídios que isso aí a gente sabia, mas mecanismo de
elas mesmo conseguirem, através de tecnocratas servis, mudar as regras do jogo para ganharem ainda mais.
Nós vamos chegando a um ponto, que já supúnhamos existir no final do século passado, mas começou a ficar mais evidente
no presente século, que era a intermediação, da intermediação, da intermediação, na intermediação, em outras palavras,
são empresas que são criadas, que quase não tem nada a ver com saúde, mas que fazendo essa intermediação elas se
capitalizam e elas vendem nas bolsas da sua empresa. Se desdobra em outras tantas, então criam quase que uma holding, e
pasmem vocês, elas vão vender também para outras, a sua carteira de cliente.
São coisas que nós que fomos treinados para pensar em SUS, pra pensar em organização de serviços, em atenção primária,
somos desafiados a entender do que está se passando. Vou dar uns dois exemplos para vocês, tem uma dessas empresas, que
ela foi criada em 1997, com o capital de 2 mil reais, o chefão deu 1.900 e o chefinho deu 100 reais. Então essa empresa
foi criada com um capital inicial de dois mil reais, ela foi colocada não como empresa de saúde, mas como uma empresa de
corretagem, ou seja, saia o corretor por aí vendendo plano, seguro de vida, seguro de acidente de automóvel, seguro
contra incêndio e saúde.
Isso em 97, essa empresa cresceu de tal ordem, que chega a um ponto de que ela é a grande intermediadora entre as
empresas de plano de saúde e as empresas industriais de serviços e os usuários. Sobretudo porque havia uma decisão nas
grandes empresas de não vender planos individuais, só planos coletivos.
No debate a gente pode explicar melhor isso para vocês. Então ela se apresenta com a capacidade de criar aquilo que é
individual, ela transforma em coletivo, então passa a ser um coletivo de duas pessoas, de três, de cinco e ela vai fazer
com isso a possibilidade do cliente usar o plano, porque ele não tinha condição de comprar o plano. E do empresário
ganhar com aquele plano, sem riscos, porque inclusive eles fazem uma seleção de riscos, pessoas já doentes e tal, não
vai entrar. Velho? Nem pensar!
Bom, para concluir esse primeiro exemplo, essa empresa que começou com 2 mil Reais em 97, há 22 anos atrás, ontem, essa
empresa hoje tem bilhões no seu capital, bi, não é com "m" não gente, é com "b". A ponto de o seu grande chefe, ser
incluído entre os 70 bilionários pela revista Forbes do Brasil.
Este milagre dos peixes, é impensável a gente andando pela rua, não vê o capital dessa forma, a gente pode ver um prédio
mais bonito, um banco x, aquele banco que tem presença em todos os municípios, que patrocina o esporte, a gente conhece
isso. Imagina até que dentro daquele banco tenha capital, mas o capital a gente não vê, capital não é igual ao dinheiro.
Então isso é que eu queria chamar a atenção muito pra vocês, de fatos novos que precisam ser, como Mayra falou,
investigados, ser pesquisados. Têm um segundo exemplo que eu quero dar pra vocês, que era uma medicina de grupo de São
Paulo mas foi crescendo, crescendo, crescendo, crescendo e ela se deu conta de que se a Lei 8080, Lei Orgânica da Saúde,
impedia que houvesse serviços de saúde com capital estrangeiro, impedia. Ela descobriu que a Lei 9656, permitia que,
como os planos de saúde não têm uma base física, não tem prestador de serviço, que os planos pudessem se articular com
empresas estrangeiras,
vou citar um, Sulamérica - Etna, então já era uma articulação muito antiga. E essa empresa que eu estou me referindo,
que não vou citar o nome, ela consegue de tal maneira vender ações na Bovespa, que tornam essa empresa uma das mais, um
dos cases mais promissores do pedaço. A ponto de ela vender em 2012, porque Dona Dilma só vai assinar a Lei, que permite
o capital estrangeiro na saúde no Brasil em 2015. Em 2012, essa empresa fez um grande negócio com a United nos Estados
Unidos, e a partir daí já são os capitais, os grandes capitais americanos, a grande fração financeira do capital
americano, a enraizada na questão do Sistema de Saúde Brasileiro, em 2012.
Quando chega em 2014, vai um projeto da Presidência da República para a Câmara, e aquele senhor que hoje está na cadeira
de Presidente da Câmara, ele que também tinha muitos vínculos com essas empresas que eu estou colocando, ele aciona uma
coisa que vocês já ouviram falar, jornalistas com certeza, que chamada jabuti, que no jargão parlamentar é quando vem um
projeto sei lá que vai falar em laranja e alguém bota um artiguinho pra falar de computador.
Então com isso, eles incluíram no projeto, que foi encaminhado pelo planalto, um artigo que permitia que houvesse a
entrada do capital estrangeiro no Brasil, para o hospital, para plano de saúde já tinha, para ambulatório, para
laboratório, para planejamento familiar, para as células tronco, o que vocês puderem mais imaginar.
Então, isso chegou para Presidente da República, em janeiro de 2015. Ela sancionou essa lei, mesmo sob protestos de
muitos de nós. Então hoje, nós temos uma situação que durante muito tempo esses segmentos que representam o capital na
saúde usavam subterfúgios, articulações por debaixo do pano e eles não confrontavam a Constituição, não confrontavam a
Legislação.
Quando eu dei o exemplo de 2012, eles fizeram e passou batido. Não teve o Supremo Tribunal Federal, que considerasse que
aquilo era inconstitucional. Agora não, de 2014 para cá, da mesma forma que a direita subiu e cresceu e se desenvolveu
do jeito que cresceu nesse país, essas forças perderam qualquer cerimônia e elas de 2014 pra cá, elas já afrontam a
Legislação, já modificam a Legislação, já modificam a Constituição.
Então, nós estamos hoje com um SUS ameaçado, não apenas pelo subfinanciamento, que foi o início da minha fala, não
apenas pela falta de prioridades, não apenas pela ambiguidade da Constituição, mas é por forças políticas e econômicas
que vão além dos 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados do Brasil.
As grandes decisões hoje, no âmbito da saúde, né, eu vou até exagerar, vão além do estado do brasileiro. Então é essa
situação que eu queria de alguma forma desabafar com vocês. Só que isso agora, não é desconfiança, isso não é fofoca,
isso não é opinião de um militante empedernido da reforma sanitária, isso que estou falando para vocês, é produção
científica da saúde coletiva brasileira. São teses incrivelmente bem feitas, produzidas, nos últimos dois anos, 2016 e
2017.
Depois eu posso dar as dicas, não quero ficar fazendo propaganda dos meus colegas, das minhas colegas também. Mas teses
produzidas na Unicamp, teses produzidas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tese produzida em Barcelona, teses de
doutorado que vão escarafunchando todos esses mecanismos, para que nós entendamos, estou concluindo, que a luta pela
privatização, que muitos realizam, está saindo do armário. E essa luta pela privatização tá chegando no DNA, no nosso
arcabouço legal, que é a Constituição de 1988.
É um ataque à Constituição, é o ataque ao pacto que foi construído depois da ditadura. Mas ao mesmo tempo, do nosso
lado, a gente vai ver que, talvez isso seja um pouco também de provocação, que ficar brigando contra as OS, contra as
PPP, ficar brigando contra as OSCIP, ficar brigando contra as terceirizações, tudo bem vamos continuar brigando, mas é
muito pequeno diante do quadro que está se colocando para o nosso país, para nossa cidadania.
As forças hoje que teremos que acumular para retardar esse processo são incomensuravelmente maiores do que quando nós
comemoramos os 20 anos do SUS e cogitávamos nos 25 anos do SUS.
Esse desabafo que estou colocando aqui pra vocês, é pra mostrar de que a necessidade da unidade, seus inimigos que eu me
referi anteriormente, é uma imposição que a gente não pode se dar ao luxo de ficar com brigas menores. O que está se
colocando aí com a Emenda Constitucional 95, são mais 20 anos de possibilidade de expansão do setor público e mais
espaço ainda para os planos populares e coisas mais que eles estão inventando nos seus cadinhos.
Sei que muitos estão com a cabeça assim, já querendo fazer perguntas. E aí gente, o SUS vai acabar? Não, não vai, não
vai, mas não vai porque ele é bom não, não vai, porque isso aí posso rebater direito com você depois, porque este SUS
que está aí, ainda é muito orgânico a esses interesses, além de vender medicamentos, equipamentos e tal. Atender as
empreiteiras para construir UPA, UPA para lá, UPA para cá. Aquela música, né?
O SUS funciona como uma espécie de um resseguro, para essas empresas de planos de saúde, ou seja, quando o risco sobe,
isso vai pro público. Então não é interessante em princípio, para eles mesmos, que o SUS acabe. Agora, nós temos que
estar atentos, que estamos construindo até mesmo com um discurso de saúde pública, confundindo setor público, serviço
público, sistema público de saúde com saúde pública, não são coisas iguais, mas quando a gente está fazendo essa
confusão, o que nós estamos na realidade é criando um SUS pobre para os mais miseráveis. Um SUS que tenha que ser
confinado apenas a enfrentar epidemias e controlar determinadas ações, que são também importantes para esse setor
privado, como as ações de prevenção de doenças e de risco, e como as ações de promoção da saúde, quanto mais prevenção e
quanto mais promoção o SUS fizer, melhor para os negócios dos planos de saúde.
Não é com isso que estou advogando que as pessoas adoeçam e morram, mas é tentando entender as contradições que estão
dentro desse processo, pensei que vocês iam perguntar por que ainda continuo na luta? Porque a história tem
contradições, têm conflitos, como as nossas vidas pessoais também e que é sobre as contradições e os conflitos, que ela
anda, às vezes para trás, mas depois anda para frente.
[Música]