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Módulo 2 | Aula 2

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 1

Branquitude: o lugar do branco nas lutas antirracistas

Para iniciarmos essa discussão, leia a seguir o depoimento de uma participante de um curso sobre relações raciais (Tatum apud Bento, 2002, p. 17).

“Como uma pessoa branca, me dei conta de que pensava sobre racismo como alguma coisa que coloca outras pessoas em desvantagem, mas não tinha pensado no aspecto de seus resultados, o privilégio dos brancos, o que colocava em vantagem... Eu via o racismo somente como atos individuais de agressão, não como um sistema invisível conferindo dominância para o meu grupo”.

Esse depoimento nos coloca diante de uma dimensão ainda pouco propagada e apreendida, que é o lugar das pessoas brancas na situação de desigualdades raciais. Esse lugar costuma ser silenciado, omitido, ou mesmo, distorcido.

Os questionamentos que serão aqui levantados são pontos de partida para alavancar o debate sobre o lugar do branco na luta antirracista, sobretudo nas ações de atenção à saúde. Nessa direção, é preciso reconhecer que o racismo é uma construção histórica que atravessa todos os espaços da vida social. Portanto, é um problema que envolve a sociedade e não se refere apenas à população negra. Pelo contrário, é um problema de todos nós.

Nesse sentido, a superação do racismo requer comprometimento e esforços coletivos em prol da luta antirracista. Contudo, para avançarmos de maneira efetiva nessa luta é fundamental que a branquitude entenda qual é a sua responsabilidade nesse sistema de hierarquização das relações entre pessoas brancas e pessoas negras.

Fonte: Clay Banks. Unsplash.com

Fonte: Clay Banks. Unsplash.com

Desnaturalizar o lugar de inferioridade do sujeito negro na sociedade requer que as bases conceituais estejam muito bem definidas e acordadas nas nossas ações. Assim, para facilitar a organização do pensamento no seu processo de letramento racial, apresentaremos dois conceitos que desejamos que você conheça, pois são elementos chave para a compreensão das relações raciais no Brasil: branquitude e pacto da branquitude.

Veja mais sobre a branquitude abaixo:

A Branquitude é um conceito pouco difundido, que só adquire sentido dentro da luta antirracista, ou seja, não possui sentido próprio e intrínseco fora desse contexto. É um campo de estudos que se refere ao lugar de vantagem da pessoa branca em sociedades estruturadas pelo racismo.

Ou seja, a pessoa branca, é colocada pela sociedade em um papel de superioridade e assume privilégios simbólicos e materiais que provocam consequências cotidianas para toda a população, em especial a população negra.

Desde a estruturação inicial da sociedade brasileira, o padrão de superioridade foi atribuído à branquitude, a qual passou a ser concebida como portadora do conhecimento científico, biologicamente desenvolvida e moderna.

Nesse contexto, a característica fundamental da branquitude é estar fixada em uma posição onde os sujeitos de aparência branca adquirem vantagens simbólicas e materiais em relação aos sujeitos negros. E essas vantagens são obtidas por mediação de um conjunto de ações, valores, leis, hábitos que são constituídos e reforçados cotidianamente pela branquitude.

Por exemplo, a histórica associação de pessoas negras com a criminalidade e perigo persiste no imaginário de uma sociedade estruturada pelo racismo, tendo impacto na reprodução da violência cotidiana, bem como na naturalização de que negras e negros em situação de marginalização não provocam surpresa.

Uma boa maneira de se compreender melhor a branquitude e o processo de branqueamento é entender a projeção do branco sobre o negro. O conceito da branquitude deve ser entendido como um conjunto de estratégias e ações que se baseiam na diferenciação racial e na ideia de que a raça branca é superior as demais, forjando os pactos da branquitude.

Um estudo sobre mídia e racismo aponta a diferença de tratamento conferida às mulheres brancas e negras, no que se refere aos aspectos linguísticos, à angulação das fotografias e à construção da narrativa na forma como são retratadas, em matérias sobre casos semelhantes de tráfico de drogas (Cordeiro; Queirós, 2023).

Observe os exemplos apresentados nas imagens abaixo:

QUEIRÓS, F. A. T.; CORDEIRO, A. T. da S. . Mídia e racismo em 8 notícias sobre o tráfico de drogas.
QUEIRÓS, F. A. T.; CORDEIRO, A. T. da S. . Mídia e racismo em 8 notícias sobre o tráfico de drogas.
Fonte: QUEIRÓS, F. A. T.; CORDEIRO, A. T. da S. . Mídia e racismo em 8 notícias sobre o tráfico de drogas. Muiraquitã: Revista de Letras e Humanidades,[S. l.], v. 11, n. 1, 2023. DOI: 10.29327/210932.11.1-13. Acesso em: 30 jul. 2024.

Pactos da branquitude expressam a cumplicidade não verbal (silenciosa) de pessoas brancas em prol da manutenção dos seus privilégios. Nesse processo, o discurso da meritocracia é comumente utilizado para reforçar a ideia de que basta o desejo e esforço individual para obter ascensão social, econômica e cultural. Assim, tenta-se justificar as desigualdades raciais pela via do mérito individual, e beneficia-se uma elite que considera, somente a si, trabalhadora e virtuosa.

Por ter um forte componente de autopreservação, com investimento na ideia de que há um grupo de referência da condição humana e padrão universal, Cida Bento chama esse pacto de “pacto narcísico da branquitude”.

Há também o privilégio simbólico. Um exemplo é o fato de a pessoa branca ser vista como indivíduo, enquanto a pessoa negra é vista como grupo, ou seja, quando uma pessoa negra erra, a sociedade atribui esse erro a todos os negros. 

Agora vamos pensar em como esses pactos afetam crianças e adolescentes, assim como homens e mulheres negros em diversos cenários existenciais. Como funcionam esses mecanismos?

Fonte: Bill Wegener. Unsplash.com
Fonte: Bill Wegener. Unsplash.com

No trabalho, nas relações afetivo-sexuais-amorosas, nos cuidados em saúde, nas experiências de formação educacional e cultural e, em matéria do Direito (processos decisórios que penalizam e criminalizam mais os sujeitos negros), todos esses pactos extravasam a marca racista, higienista e eugênica que demarca as relações étnico-raciais no Brasil.

REFLETINDO

Você já parou para pensar que se uma pessoa nasce branca, ela já nasce numa cultura que tem significados socialmente reconhecidos como positivos (confiabilidade, competência, inteligência, beleza etc.), enquanto uma pessoa negra já nasce numa cultura que tem significados reforçados cotidianamente como negativos (preguiçoso, mentiroso, agressivo, malandro etc.)?