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Módulo 2 | Aula 1

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 3

Relações entre gênero, raça, classe e o cuidado em saúde

O que significa ser homem ou mulher em uma sociedade em que o valor da vida é determinado por hierarquias de poder baseadas em características como cor da pele, tipo de cabelo, formato do nariz, religião, trabalho e lugar onde se vive?

Quando raça se encontra com gênero, em um contexto de análise crítica da realidade brasileira, questões como essas são disparadas. Isso exige que nós possamos pensar sobre as relações sociais de forma imbricada para combater a reprodução de opressões, uma vez que queremos promover saúde no seu sentido mais amplo.

Ideologicamente predomina a noção de um homem e uma mulher universais, em que a partir de suas respectivas genitálias (sexo biológico) esperam-se comportamentos sociais que sejam compatíveis com seus papéis pré-determinados.

Essa suposta universalidade tem como referência cristãos, brancos, de países da Europa, com uma determinada formação sociocultural. Mas no processo de colonização, ela é imposta a outros países/culturas como a única forma de vivenciar e expressar o gênero, e as outras formas seriam desviantes, já que não se enquadram no padrão imposto pela colonização.

As atividades desenvolvidas pelos homens e as mulheres ficam organizadas em “coisas de homem” e “coisas de mulher”, “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. Pensamento que também sustenta a negação da diversidade de orientações sexuais, bem como das identidades de gênero, estabelecendo um sistema de opressões sobre tudo aquilo que não estiver dentro das expectativas do poder masculino e branco que comanda política e economicamente a sociedade.

Passe o cursor do mouse sobre os cards abaixo e observe a visão imposta para os homens e para as mulheres nesse contexto:

Fonte da image: Wirestock. Freepik.com

Homens fortes, provedores do lar, racionais e pragmáticos

Fonte: Wirestock. Freepik.com

Fonte da image: Wirestock. Freepik.com

Mulheres sem objetividade, delicadas, sentimentais e mães amorosas.

Fonte: Freepik.com

Como você pode notar, são muitas as pressões (físicas, psicológicas e sociais), particularmente para as mulheres atenderem ao poder dos homens, considerado socialmente como “natural”.

Mas, pensando o Brasil, no que já vimos sobre racismo até aqui, quais os papéis esperados e pré-determinados para os homens negros e para as mulheres negras, maioria da nossa população?

Fonte: Vinicius Amano. Unsplash.

Fonte: Vinicius Amano. Unsplash.

A escravidão passou longe de dividir socialmente o trabalho de homens e mulheres nos latifúndios.  O homem escravizado foi sempre tratado com desconfiança e submetido a permanente violência física e psicológica para ser “domesticado” e animalizado. As mulheres escravizadas, além de terem sido submetidas a trabalhos braçais e pesados, foram forçadas a:

  • Trabalhos sexuais com escravizados reprodutores (para fins de reprodução da mão de obra), bem como com seus senhores;

  • Separação violenta de seus filhos;

  • Castigos violentos sem distinção de gênero.

O racismo congelou assim, mesmo após a abolição, a imagem da mulher negra como aquela que tudo suporta. Bruta, sem sentimentos, sexualmente disponível, dissimulada. Ao homem negro restou o papel de violento, malandro, agressivo, sexualmente ativo. E assim foi se definindo equivocadamente o que se esperar da mulher negra e do homem negro.

Fonte: Freepik.

Diante desses estereótipos racistas, homens e mulheres brancos fantasiavam a necessidade de proteção, atuando na subordinação ideológica de negros e negras e na vigilância permanente sobre seus atos, seus comportamentos, suas movimentações, de forma a enquadrá-los no modelo branco eurocêntrico de encarar as relações sociais.

Nesse lugar, o mito da democracia racial cumpriu importante papel, para fins de subordinação, ao resgatar a mulher negra no papel da ama de leite e o homem negro no papel do fiel capitão do mato, disposto a entregar seus iguais para obter a complacência de seu senhor. Desse modo, agindo nesses papéis, os negros estariam se esforçando para desviarem-se de “seu destino” sendo, supostamente, “mais confiáveis pelos brancos”.

Para saber mais

Lélia Gonzalez, mulher negra, militante do movimento negro, intelectual, autora, professora, filósofa e antropóloga brasileira, nasceu em Belo Horizonte/MG em 1935 e nos deixou em 1994. Seu legado político e sua obra, que discutem gênero, raça e classe, permanecem extremamente atuais. Gonzalez teve um papel fundamental na elaboração dessas questões e aborda parte delas em seu texto "Racismo e sexismo na cultura brasileira", publicado na Revista Ciências Sociais Hoje, em 1984. Para acessar o texto completo, acesse: