Será que para usuárias e usuários negros as condições de vida interferem no acesso ao SUS da mesma forma do que para usuárias e usuários brancos?
Módulo 1 | Aula 2
letramento racial para trabalhadores do sus
Racismo: estrutura e funcionamento no Brasil - parte II
Alguns elementos-chave para essa análise são:
O segundo elemento chave é: o racismo atravessa usuários e usuárias do SUS.
Algumas perguntas podem nos fazer refletir sobre como o racismo atravessa as experiências de usuários e usuárias do SUS, especialmente nas condições de vida, trabalho e moradia, como por exemplo:
Será que o fato da maioria das populações de periferia no Brasil ser negra afetará como essas pessoas entendem o que é saúde e o que é um serviço de saúde?
E será que essas mesmas condições de vida, trabalho e moradia das populações negras devem ser consideradas quando realizamos a gestão e o trabalho em saúde?
Será que essa condições devem ser consideradas na forma como organizamos a porta de entrada, a dinâmica do atendimento (quem fala, quando fala, o que perguntamos, o tempo que dedicamos a escutar etc.), a marcação de consultas etc.? Ou será que as ideias de universalidade e igualdade já são suficientes? A resposta é não.
Como trabalhadores e trabalhadoras do SUS precisamos nos perguntar se de fato estamos trabalhando para promoção de um acesso universal e integral. Sem a compreensão e o exercício do princípio da equidade essa é uma tarefa impossível.
Cida Bento nos apresenta uma boa síntese sobre o papel das instituições: “as organizações são um campo fecundo para a reprodução das desigualdades raciais. E isto ocorre marcado por silêncio e neutralidade. As instituições apregoam que ‘todos são iguais perante a lei’; e asseguram que todos têm a mesma oportunidade, basta que a competência esteja garantida. As desigualdades raciais persistentes evidenciam que alguns são menos iguais que outros. Mas sobre isso há um silêncio.” (Bento, 2002, p. 166).
Quais poderiam ser algumas das ações institucionais de combate ao racismo? Para entendê-las, clique nos cartões abaixo:
A partir do exposto até aqui, convidamos você a pensar: é possível falarmos em direitos sociais ou em democracia no Brasil sem ações antirracistas? Constatar o racismo nas estruturas, relações e instituições da sociedade, e nada fazer sobre esse tema, já que não me considero racista, é uma atitude coerente com a justiça social e os princípios do SUS?
Vejamos outras expressões do racismo contemporâneo:
Racismo contra as religiões de matriz africana é uma prática histórica na sociedade brasileira. Entende-se por racismo religioso um conjunto de práticas violentas que expressam a discriminação e o ódio pelas religiões de matriz africana e seus adeptos, assim como por territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras (Ribeiro; Tavares, 2022). O racismo religioso estigmatiza religiões e tradições de matrizes africanas e, ao mesmo tempo, trata outras crenças e práticas religiosas como normalizadas.
O racismo recreativo é a utilização do humor para expressar hostilidade em relação a grupos racializados, é uma forma cultural de difundir o racismo.
A ideia de um racismo ambiental surge na década de 1980 a partir de uma experiência estadunidense. Em 1982, moradores da comunidade negra de Warren County, Carolina do Norte, descobriram que um aterro para depósito de solo contaminado por PCB (Polychlorinated Biphenyls) seria instalado em sua vizinhança. Data daquele ano o primeiro protesto nacional feito pela população negra e intitulado de “racismo ambiental”. A partir desta experiência e da atuação política dos movimentos negros, foi conduzida uma pesquisa que demonstrou que a distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, assim como a localização de indústrias mais poluentes nada tinham de aleatório, ao contrário, se sobrepunham à distribuição territorial das populações racializadas e pobres nos Estados Unidos. A criação do termo “racismo ambiental” foi atribuída ao ativista negro estadunidense Benjamin Franklin Chavis Jr.
Hoje podemos dizer que o termo racismo ambiental, inclusive no Brasil, é utilizado para se referir aos processos de discriminação que populações racializadas, periferizadas e marginalizadas que são submetidas aos riscos causados pela degradação ambiental. Perceba que saúde e ambiente estão diretamente vinculados aos elementos que compõem o racismo ambiental, assim como a vulnerabilidade social e a pobreza.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), sobre o perfil das vítimas de mortes violentas intencionais em 2022, em relação ao perfil étnico-racial das vítimas, 76,5% dos mortos eram negros. Negros são o principal grupo vitimado pela violência independente da ocorrência registrada e chegam a 83,1% das vítimas de intervenções policiais.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), no Brasil, atualmente, temos cerca de 832.295 pessoas com a sua liberdade cerceada e sob a tutela do Estado. O relatório nos aponta que os encarcerados são jovens, de até 29 anos (43,1% da população carcerária) e negros (68,2%). O estudo também destaca as persistentes condições de superlotação e insalubridade, assim como a banalização da integridade física e moral das pessoas em privação de liberdade e a sobrerrepresentação negra naturalizada, irradiações do racismo estrutural.
Para saber mais
Para compreender mais sobre as dimensões do racismo religioso, recreativo e ambiental, assim como o genocídio e o encarceramento em massa da população negra, acesse: