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Módulo 1 | Aula 2

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 3

Racismo: estrutura e funcionamento no Brasil - parte II

Clóvis Moura (2020), dentre outras questões, tratou de algumas das diferenças entre o tratamento oferecido ao imigrante e ao escravizado, vejamos a seguir:

IMIGRANTE ESCRAVIZADO
Relação familiar Preservava seu grupo familiar. Vivenciava não só a destruição do seu grupo familiar, mas também de sua linhagem.
Língua Conservava sua língua originária. Tinha sua língua apagada e era obrigado a utilizar a língua do senhor de escravizados.
Religião Havia convergência entre a religião do imigrante e a praticada pelas elites brasileiras. A religião do escravizado era tratada como bárbara e inferior.
Associação Possuía direito a se organizar em associações culturais e de auxílio mútuo. Não tinha nenhuma possibilidade de se organizar de maneira independente, a não ser de forma ilegal.
Tratamento dos meios de comunicação A imprensa majoritária tratava o imigrante como um trabalhador superior. O negro era tratado como um trabalhador inferior, biológica e culturalmente, para a realização do trabalho dito livre.
Acesso à terra Constituindo-se em uma camada de pequenos proprietários. Escravizados eram posse, assim como as terras. No período pós-abolição, já como pessoas livres, também lhes é negada a posse da terra.

Perceba então que, no Brasil, o desenvolvimento do mercado de trabalho, desde seu início, foi pautado em critérios raciais.

Reparação
Após a abolição, não houve qualquer reparação e foi negada a entrada formal de homens e mulheres negras no chamado mercado de trabalho livre, enquanto imigrantes passaram a se constituir como pequenos proprietários, partindo assim de um lugar social distinto e privilegiado.

Abolição
A abolição não mudou de forma qualitativa a estrutura desigual da sociedade brasileira, ao contrário, a mudança se deu no sentido da autopreservação do privilégio e da continuidade de desumanização de pessoas negras.

REFLETINDO

As desigualdades raciais no acesso ao trabalho e nas condições de vida são questões antigas? Já foram superadas ao longo do tempo?

Um breve exame da realidade das desigualdades raciais nos diz que não. Em síntese, o que queremos apontar é que o racismo e suas práticas não são questões superadas, pelo contrário, permanecem vivas socialmente e com consequências nefastas e violentas para a sociedade em geral. Entretanto, são os sujeitos negativamente racializados os que sofrem de maneira cotidiana seus efeitos.

Estamos acostumados a pensar que o racismo produz efeitos deletérios para a população negra, mas ainda muito pouco se fala que ele produz benefícios concretos e simbólicos para a população branca. Cida Bento (2002), ao estudar as manifestações da racialidade branca no discurso dos gestores de pessoal em duas prefeituras, nos chama atenção para a noção de privilégio.

Fonte: Freepik.
Fonte: Freepik.
Fonte: Freepik.
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Isso significa que todos os brancos possuem sentimento de rejeição aos negros e produzem discriminação com o objetivo de manter privilégios sociais? Não. O que a autora nos explica é que a ação de discriminação racial tem como motor a manutenção e a conquista de privilégios de um grupo sobre outro, mesmo que ela não seja apoiada em preconceito racial (sentimento de rejeição) ou que não seja intencional.

Assim, é possível que algumas pessoas que cultuam valores democráticos e igualitários, por exemplo, não se indignem e sejam omissas com a injustiça sobre aqueles que não são seus pares, apontando para um investimento na manutenção das melhores condições para o próprio grupo a que pertence, como um mecanismo de autopreservação silencioso.

Vejamos a seguir uma sistematização de como o racismo pode se expressar na vida de indivíduos e grupos em três dimensões principais (Jones, 2002 apud Werneck, 2016):

Fonte: Adaptado de Werneck, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc., v. 23, n.º 3, jul./set. 2016.

Essa não é uma divisão estanque, pois essas dimensões atuam ao mesmo tempo, definindo oportunidades e valores a pessoas e populações a partir de sua aparência (Werneck, 2016).

REFLETINDO

Quais elementos nos ajudam a entender o racismo institucional no SUS e o nosso papel nesse processo?