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Módulo 1 | Aula 1

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 1

Racismo, Antirracismo, Raça e Saúde

Internacionalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o racismo dentre os fatores estruturais produtores da hierarquização social associada a vulnerabilidades em saúde, e sugere que para superar iniquidades em saúde é necessário dirigir políticas, programas e ações voltados às populações vulnerabilizadas com foco na redução das disparidades injustas entre grupos.

Para que isso seja possível, é necessário dispor de informações desagregadas por raça/cor (OMS, 2005; Werneck, 2016). Por sua vez, a interpretação dos dados epidemiológicos disponíveis, quando analisamos os segmentos de raça/cor, sustenta de modo convincente a relação persistente entre o racismo, as desigualdades raciais e seus efeitos adversos sobre a saúde da população negra (Werneck, 2016).

Porém, esse reconhecimento do racismo como fator central na produção de iniquidades em saúde — tanto no âmbito das evidências empíricas, quanto no plano político — não tem sido suficiente para romper com a lógica de manutenção de desvantagens. As decisões de política e gestão da saúde pública têm sido tomadas como se os dados não indicassem a ampla disparidade e o tratamento desigual que a sociedade e o SUS produzem ou sustentam, com enormes prejuízos para negros e indígenas, principalmente (Werneck, 2016).

VOCÊ CONHECE?

No Brasil, no início do século XX, a saúde pública e a medicina desempenharam papéis fundamentais na formulação do pensamento racial no país, envolvendo-se diretamente com o desenvolvimento de teorias raciais biologicistas e com a prática da eugenia. Eugenia trata-se de um movimento científico e social voltado ao aprimoramento da raça humana por meio do melhoramento biológico da população com vistas à criação de uma sociedade perfeita, com a seleção social dos considerados “adequados” e evitação dos “inadequados”. Surgida na Inglaterra no contexto das contradições e mazelas sociais produzidas pelo nascente capitalismo industrial, a eugenia é uma ideia intrinsecamente racista que foi implementada em diversos países. No Brasil, especialmente no pós-abolição, as ideias eugênicas foram adotadas oficialmente como alternativa para enfrentar os problemas sociais e econômicos do país, que contava com uma população predominantemente negra, empobrecida e miscigenada entre indígenas, europeus e negros, ou seja, longe do modelo ideal de sociedade pautada na brancura europeia. Nessa lógica, a origem dos problemas sociais era explicada pela constituição biológica das pessoas e não pelas contradições sociais do capitalismo. Assim, era fina a linha que separava eugenia, saneamento e sanitarismo no Brasil do início do século XX. As políticas implementadas buscavam “aprimorar o povo brasileiro”, desejando construir uma nação purificada a partir do branqueamento, apoiadas no racismo científico. Esse processo justificou hierarquias raciais e alimentou o racismo estrutural. O Estado brasileiro se posicionou por uma estratégia racista, produzindo uma política de branqueamento que foi apresentada no I Congresso Internacional das Raças em 1911 (Stepan, 2005; Kobayashi et al., 2009).

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi instituída em 2009. Você já ouviu falar dela? Será que a instituição da PNSIPN tem sido uma resposta política suficiente às iniquidades raciais em saúde?

Fonte: Freepik.

Fonte: Freepik.

A PNSIPN não nasceu espontaneamente nos gabinetes ministeriais. Ela é fruto de um processo em que houve intensa atuação de organizações e movimentos sociais, em especial movimentos negros, que foram atores políticos protagonistas para mobilizar forças para uma agenda voltada à saúde da população negra.

Assim, a partir das mobilizações de sujeitos negros organizados, o Estado brasileiro reconheceu o racismo institucional nas instâncias do SUS e incorporou padrões de equidade étnico-raciais na política de saúde.

Como desdobramentos, tivemos as ações e as articulações necessárias à instituição da PNSIPN, instituída pela Portaria n.º 992/2009.

Importante

Embora o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira tenha explicitado em sua agenda o problema das desigualdades sociais e a necessidade de garantir o acesso universal e equitativo às ações e aos serviços de saúde, a problemática específica da saúde da população negra não é mencionada nos documentos e nos debates das propostas de políticas e programas (Araújo; Teixeira, 2022).