Transcrição do vídeo: Sala de convidados - Parcerias Público-Privadas
[00:00:19]
[Apresentador: Renato Farias]
Parcerias público-privada, um instrumento de gestão que permite à União, Estados ou Municípios,
selecionar e contratar
empresas privadas que ficam responsáveis pela prestação de serviços de interesse público por
prazo determinado. Mas e
quando o assunto é saúde pública, as PPS ajudam a consolidar ou a enfraquecer o sistema único de
saúde? Parcerias
público-privadas é o assunto do Salas de Convidados de hoje. Pra conversar com a gente, estão no
estúdio, Ligia Bahia,
pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, e membro do conselho
diretor da ABRASCO, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Alexandre Marinho, professor de
economia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, pesquisador do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e André
Viana Dantas, professor
e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, e você também é nosso
convidado, participe
fazendo perguntas e comentários, utilize nosso site, canalsaude.fiocruz.br ou telefone 0800 701
8122, ligação gratuita.
Parcerias entre os setores público e privado, uma relação delicada quando se fala em saúde.
[00:02:08]
[Repórter: Aline Veroneze]
Um sistema universal, integral e equânime, nesses 27 anos de SUS, a busca por manter esses três
princípios têm sido um
desafio para gestores, profissionais da saúde e usuários. Quando o assunto é a universalidade,
uma questão coloca em
risco a própria concepção do sistema, as parcerias entre os setores público e privado. A gestão
do SUS prevê duas redes
de saúde funcionando de forma simultânea, uma rede pública e gratuita ao cidadão e outra privada
e complementar. Mas o
subfinanciamento do setor público faz com que a rede privada de saúde cresça cada vez mais na
prestação dos serviços,
são planos de saúde, hospitais, clínicas, laboratórios, todos particulares, mas muitas vezes
mantidos por parcerias e
convênios que permitem o repasse de recursos do setor público para o setor privado. Movimentos
sociais questionam uma
contradição entre a universalidade do SUS e a atuação da rede privada, prevendo uma possível
privatização do setor
saúde.
[00:03:22]
[Mulher 1: Maria de Fátima]
Os governos não priorizaram a expansão da rede própria, a não ser unidades de saúde da família,
unidades básicas de
saúde, que inclusive hoje estão sendo novamente entregues à iniciativa privada através das
organizações sociais, por
exemplo. Então, na verdade, a gente nunca teve no Brasil uma política de fato de estímulo à
construção de uma rede
pública, uma rede pública de qualidade e que pudesse ter uma forma diferenciada de atendimento
às pessoas que não fosse
mercantilizada, essa é a questão.
[00:03:56]
[Repórter: Aline Veroneze]
Mas não é só isso, o difícil ressarcimento das ações prestadas pelos SUS aos usuários de planos
de saúde e o crescimento
desordenado desses planos também tendem a enfraquecer o sistema público, de acordo com o IPEA, o
Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, o Governo Federal vem dando subsídios fiscais à rede privada de saúde.
[00:04:19]
[Homem 1: Carlos Ocké]
Porque que o Estado vai dar um subsídio para um setor que cada vez mais tem um bom desempenho
econômico, então seja do
ponto de vista da oferta, no caso dos planos de saúde, das operadoras de planos de saúde que
estão cada vez mais fortes
economicamente, seja do ponto de vista da demanda, uma vez que são famílias que estão melhores
situadas na pirâmide
social. Do ponto de vista da equidade, é problemático o repasse desses subsídios pelo Governo
Federal.
[00:04:53]
[Repórter: Aline Veroneze]
Agora uma proposta de emenda à Constituição a PEC 451, propõe tornar obrigatório aos
empregadores, a concessão de plano
de saúde a trabalhadores urbanos e rurais e para fazer jus ao benefício, o cidadão terá que
comprovar a existência de
vínculo empregatício, através da carteira de trabalho assinada.
[00:05:18]
[Apresentador: Renato Faria]
Bom, antes de falar desta PEC, queria aproveitar todas as questões que a matéria levanta, mas
tentar deixar ainda mais
claro essas várias relações entre o público e o privado, e levando em conta especialmente esse
momento político em que a
gente está vendo várias movimentações acontecendo que nem sempre têm como objetivo principal o
fortalecimento do nosso
Sistema Único de Saúde. O que é que a gente pode clarear para as pessoas que não são muito
familiarizadas e até para as
que já são familiarizadas, como é que se dão essas diversas possibilidades de relação entre o
público e privado no SUS?
[00:05:52]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Pois é, porque a parceria entre público e privado, ela é uma das possibilidades de relação, ela
é uma figura jurídica e
na realidade nós temos poucas ainda no Brasil, parcerias a rigor, poucas parcerias
público-privadas na saúde. Nós temos
parcerias público privado na infraestrutura, mas na saúde a gente tem um exemplo que é o
hospital do subúrbio em
Salvador. Essa é uma parceria público privada, agora as outras relações entre público privado
que foram enunciadas nesta
matéria, elas são antigas e elas se intensificaram ao longo desse tempo, mais recentemente a
gente agora com a aprovação
do capital estrangeiro, com a ampla participação do capital estrangeiro na saúde, pode ser que a
gente tenha novidades
por aí. Mas o que nós temos por enquanto? O que nós temos é um processo de privatização intenso,
intenso na saúde que é
suportado, financiado com recursos públicos de diversas maneiras, uma é o subsídio fiscal, outra
é o subsídio para as
próprias empresas, as empresas não pagam imposto, as empresas não pagam contribuições sociais.
Ou seja, essas empresas não pagam para que o SUS exista, porque se elas são empresas privadas,
elas têm que colaborar no
esforço de construção de um sistema de saúde que é financiado por impostos, se nós reduzimos o
pagamento de impostos,
essas empresas não só, elas atrapalham porque elas concorrem, elas competem com suas, mas elas
sobretudo não são
empresas privadas, elas são empresas público privadas. Na realidade, elas precisam do público
para exercerem suas
atividades privadas, é uma monstruosidade, é uma monstruosidade institucional, é uma
monstruosidade do ponto de vista do
que seja o mínimo de justiça distributiva. Agora esse não é um fenômeno novo, nós temos
conversado sobre isso, inclusive
Renato, com você há bastante tempo e a gente precisa talvez assim, compreendendo esse fenômeno,
acho que foi difícil a
compreensão desse fenômeno, mas o Canal Saúde tem tido uma participação muito importante para a
compreensão desse
fenômeno. Trata- se de que que nós vamos fazer, como fechar a torneira, como fechar subsídios
que são subsídios de
diversas ordens. Para que esse processo de privatização não ocorra às custas do sacrifício do
fundo público para a
saúde.
[00:08:22]
[Apresentador: Renato Farias]
E ao mesmo tempo que fecha essa torneira, também de como a gente pensa num sistema único de
saúde que invista na rede
própria, porque esse aumento da rede que muitas vezes é falado e é necessário, ele deveria ser
feito dentro da própria
rede do SUS. Como é que você vê essa questão, o que muitas vezes é uma justificativa, precisamos
ampliar a rede.
[00:08:47]
[Homem 2: Alexandre Marinho]
Eu acho que é permeando essa discussão sobre certos aspectos, dando suporte a essa discussão,
tem uma questão de uma
visão que eu acho que é muito mais uma opinião, uma visão de mundo, do que propriamente alguma
teoria que seja
razoavelmente construído e comprovado, de que o setor privado seja mais eficiente do que o setor
público na prestação de
serviços de saúde. Essa é uma ideia bastante geral de que setor privado funciona melhor do que o
setor público então,
numa situação em que você tem uma escassez de recursos para investir no sistema de saúde, você
deveria colocar isso, as
pessoas que defendem esse tipo de posicionamento, deveria colocar os recursos privados, os
recursos públicos em geral,
nos canais de prestação de serviços que são mais eficientes, ou seja, do setor privado. Então, a
manutenção, a expansão
da oferta que é mais do que necessária se daria via entidades privadas, eu tenho a oportunidade
de ter investigado a
literatura, as pesquisas que investigam esse problema. E não existe consenso algum a respeito da
superioridade do modelo
de prestação de serviço do setor público e o setor privado, e no caso brasileiro em especial,
existe uma determinação
constitucional de que saúde é direito de todos e dever do Estado, no artigo 37 da Constituição
também está colocado
entre os princípios basilares do Estado brasileiro, da atuação do Estado é o princípio da
eficiência.
Mas fato de você dizer que tem que ser eficiente, não tá dizendo a priori qual o modelo seja
melhor, essa é uma questão
que deveria ser amplamente debatida, amplamente discutida, realmente colocada para a população,
para os interlocutores
privilegiados que trabalham e que estão envolvidos com isso e muitas vezes não é isso que
ocorre. Muitas das vezes, o
que a gente vê é o fato consumado em uma direção ou em outra e eu acho que isso não está levando
a uma situação que seja
a razoável sobre o ponto de vista de quem precisa do serviço, que é o usuário lá na ponta do
serviço.
[00:11:10]
[Apresentador: Renato Farias]
E a partir dessa ideia, dessa opinião que muitas vezes é vendida como uma realidade, as próprias
pessoas acabam
acreditando nisso e olhando para o setor privado como se de lá pudessem vir às reais soluções. E
nesse momento político
isso ainda se torna mais grave, porque quando a gente tem iniciativas que visam enfraquecer o
SUS e fortalecer ao
sistema privado, esta opinião pública precisa estar bem informada sobre isso e não entrando
nessa falácia de que, então
agora com esse redirecionamento cada vez maior do dinheiro para o sistema privado a gente vai
ter solução, né.
[00:11:45]
[Homem 3: André Vianna]
Pois é, Renato, que o que precisa ficar claro é que a parceria público privada se trata de uma
escolha política, não é
algo dado da realidade. O problema é que esse debate é blindado e não é à toa, é blindado
precisamente para que fique
entre os experts e além deles, ninguém mais possa tratar do tema, então é difícil penetrar esse
debate. Inclusive,
quando ele é apresentado e a gente comete isso sem querer, como instrumento de gestão, assim,
porque a ideia de que é um
instrumento de gestão, já isola do debate quem pretende fazer a discussão política sobre o
modelo, sobre que papel esse
Estado deve ter, e portanto também sobre que papel a iniciativa privada deve ter no Sistema
Único de Saúde e se deve
ter. Porque não podemos esquecer que abandonamos desde a 8ª Conferência pra cá, o debate sobre a
estatização
progressiva, por exemplo.
[00:12:52]
[Apresentador: Renato Farias]
A gente está vendo o contrário acontecendo, né?
[00:12:54]
[Homem 3: André Vianna]
Exatamente, da qual não se fala mais. Há pouco tempo atrás, o Ministro banqueiro, ou melhor, o
banqueiro Ministro Levy,
deu uma aula de teoria política, talvez sem querer, dizendo o seguinte, o Estado tem que fazer
palco para a iniciativa
privada atuar, ele disse com todas as letras. Veja, claro, ele foi no coração do problema, o
papel do Estado na
sociedade capitalista é precisamente este, agora temos que reconhecer qual é o lugar do qual ele
está falando. É o lugar
do capital financeiro, o lugar de quem pretende extrair lucros visualizando a saúde como um
negócio, não é o nosso
lugar, se esse não é o nosso lugar, temos que tensionar esse Estado e tensionar esse Estado
significa precisamente
discutir o papel da iniciativa privada, se deve ter algum e se decidirmos que deve, que papel é
esse.
[00:13:58]
[Apresentador: Renato Farias]
Retomar essa discussão a partir daí, que essas palavrinhas que mudam tudo né, um papel
complementar e papel suplementar
quando a gente pensa na oferta de serviços, junto também com a questão do direito, porque o
direito à saúde, ele vai
mais do que…ele vai além da assistência e o sistema privado não pensa assim, nem age assim, e
isso é uma outra coisa que
muitas vezes é difícil de fazer com que as pessoas compreendam, que se trata disso também. A
gente está falando muito
mais do que assistência quando a gente fala do sistema público e do privado e das suas
responsabilidades.
[00:14:31]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
A gente fala, mas veja bem, não é verdade que é as pessoas odeiam público e que acham que o
público é ineficiente, se
fosse verdade, todos nós gostaríamos que nossos filhos estudassem em universidade privada e isso
não é assim no Brasil,
todos querem que seus filhos estudem em universidades públicas, todos querem ser atendidos por
profissionais formados em
universidades públicas. Então, isso também não explica, o porquê que essa situação ocorre dessa
maneira. Eu acho que
esse esclarecimento é fundamental inclusive para esse reposicionamento nosso democrático, porque
afinal de contas são
forças democráticas, todos foram eleitos. O Eduardo Cunha foi eleito, eu só lamento, mas ele foi
eleito, ele é um
deputado, porque muitas vezes a gente fala assim: “o Eduardo Cunha é fascista”, então nós os não
fascistas, vamos
trucidar os fascistas. Não, veja bem, não se responde violência, com outro tipo de violência
institucional, todos aqui
tem legitimidade para o debate. Agora, qual é o debate? Como é que ele está anunciado? Veja bem,
porque não pode ser
mais isso, não pode ser o público versus o privado, o Estado versus a sociedade, o Estado versus
o mercado. Como é que a
gente reposiciona esse debate de maneira que esses termos, ele se torna incompreensível?
Nós precisamos de uma saúde pública neste país, pública, certamente essa saúde pública requer
oferta pública, ela requer
servidores públicos. Agora quem está disposto hoje a ser servidor público? Essa é uma pergunta
que nós temos que
endereçar para as Centrais Sindicais, temos que então reposicionar inclusive a nossa capacidade
de formular
interrogações, sendo que eu acho que a gente não anda para a frente. Na realidade, o que a gente
tem hoje, a gente tem
uma oferta de serviços privados no Brasil, eminentemente privados, hospitais são privados, a
maioria dos médicos
trabalham nos postos de trabalho abertos pelo setor privado e nós temos planos privados de
saúde, nós que tanto
defendemos o SUS, temos planos privados de saúde, como é que a gente se move em meio a essas
contradições não é alguma
coisa trivial, então esse debate eu diria assim, ele precisa ser trazido para o ano 2015. E
começar a ter estratégias de
desprivatização, um dos indicadores agora de qualidade, de eficiência para o setor público
deveriam ser a
desprivatização, então a gente vai ter que comemorar se leitos privados fecharem, se
trabalhadores que trabalham no
setor privado passarem a trabalhar no setor público e isso é um fato objetivo.
Eu diria assim, acho que está faltando objetividade para essa conversa, por exemplo, a nossa
luta é contra a PEC de
Eduardo Cunha? Claro que sim, mas a PEC do Eduardo Cunha é um bode na sala, na realidade é o
bode, e não nos basta tirar
o bode da sala porque os outros bodes estão por aí. Por exemplo, a Bradesco, do nosso Ministro
banqueiro Joaquim Levy
vai lançar um novo produto de seguro saúde, esse novo produto de seguro saúde, se nós não
prestarmos atenção nisso, ele
vai passar, assim, nós ladramos e a caravana passa e as caravanas têm passado num processo de
privatização que é muito
objetivo. Então, eu diria assim, está mais do que na hora de a gente conversar, a gente se
afinar, da gente saber
exatamente como que a gente, quais são as lutas que nós temos que nos meter e o que a gente
quer, o que precisa ganhar.
Nós precisamos ganhar, no meu modo de ver, assim, chega de privatização, daqui não passa e esse
pacto ele não está
estabelecido entre nós, ao contrário, o pacto que está estabelecido entre nós é assim, nós
reclamamos da privatização,
nós somos as pessoas que nos colocamos como militantes contra a privatização, em geral.
Mas nós não somos os militantes que nos colocamos contra a privatização em particular, ou seja,
nos processos cotidianos
e reais pelos quais a privatização ocorre, então veja bem, eu acho que essa assimetria, essa
incoerência, ela é alguma
coisa que tem que ser cobrada da gente, eu diria assim, nós estamos nesse jogo, esse jogo, ele é
um jogo pesado, ele é
um jogo tem banqueiro, é um jogo do capital financeiro, é um jogo do capital financeiro
internacional. Agora nós não
somos nenenzinhos inocentes que estamos completamente fora do tabuleiro.
[00:19:15]
[Apresentador: Renato Farias]
E a gente está falando aí, quando falou trazer para 2015, a gente está falando de algo que foi
gestado em 88, após um
período bem particular nesse país. Em que todas essas questões eram bandeira de todo mundo que
foi contra aquele regime
e agora essa bandeira me parece que ela está diluída mesmo e esses ataques objetivos são também
muito pontuais, acontece
uma coisa aqui, acontece outra coisa ali e a gente vai percebendo que isso tudo acaba resultando
numa privatização. E
talvez a gente não tenha essa capacidade de abarcar isso tudo como resposta, é complexo.
[00:19:52]
[Homem 3: André Vianna]
Bom, tem muitas coisas para tratar disso, a partir do que Lígia traz, um primeiro ponto talvez
seja precisamente
desnaturalizar o que parece naturalizado, Alexandre acabou de dizer que existe uma compreensão
de que o privado é mais
eficiente, que o público é ineficiente, de o público é necessariamente corrupto, e o privado
não. Então, a
desnaturalização disso passa, assim, por uma questão específica dentro da saúde, mas passa
também por uma questão muito
mais abrangente que diz respeito à compreensão que os próprios trabalhadores e a classe
trabalhadora tem do que seja o
Estado, de como eles definem as suas táticas de luta, por exemplo. E assim, nas últimas décadas
nos acostumamos a
acreditar que bastaria consolidar uma lei, bastaria alcançar determinados postos na hierarquia
do Estado que isso
garantiria as reformas, inclusive as sanitárias. Estamos vendo que não, está lá a lei e o SUS
vem sendo privatizado por
dentro, então ter essa clareza e esse reconhecimento é parte do problema, é parte do desafio que
nós temos, porque se
insistirmos de que essa desconstrução, esse basta na privatização deva ser feito apenas
construindo alianças com
parlamentares, partidos políticos para tentar resolver isso pelo alto.
Cairemos na mesma armadilha que nos fez hoje perceber o SUS sendo privatizado por dentro com a
legislação belíssima,
então está na hora de retomar o que a esquerda abandonou nas últimas décadas que é trabalho de
base, a Reforma Sanitária
tem um bordão, o fantasma da classe ausente, cadê a classe que não abraça ao SUS, mas é isso
mesmo, ela não abraçará se
não reconhecer esses SUS, não abraçará se não notar a sua importância. E isso notará através da
construção que nós temos
que ajudar a fazer, não será por uma boa propaganda, por um programa de televisão, por uma frase
bem feita, será por um
trabalho árduo construído no cotidiano do dia a dia.
[00:22:35]
[Apresentador: Renato Farias]
Tenho a sensação de que as PPPS ou qualquer relação entre os setores privado e público na saúde
neste momento, seja um
tiro no pé do SUS, um xeque mate no sistema, Beatriz de Niterói.
[00:22:47]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Sem dúvida, tem toda razão Beatriz, é um xeque mate no SUS, mas o SUS está de pé, veja bem, isso
que é interessante,
apesar de muito combalido, o SUS está de pé e isso é interessante porque nos permite, nós temos
uma bandeira de luta que
é muito preciosa, então também não adianta jogar fora esse processo. Na realidade, veja bem, o
que aconteceu ao longo
desse tempo é que essa legislação belíssima, esse projeto generoso, o projeto está aí, agora a
realidade, a efetivação
desse projeto, não tem ocorrido, ao contrário, ele tem sido solapado o tempo todo, o SUS virou
um tiro ao alvo, tem tiro
ao alvo no SUS e que cada um desses projetos significam um tiro. Agora, como podemos pensar
sobre isso de uma maneira
mais aprofundada e compreender essas contradições? Por que o projeto ficou de pé? Porque a
consciência sanitária dessa
população aumentou, não há nenhum brasileiro contra o SUS, muito pelo contrário, os brasileiros
são a favor do SUS.
Os brasileiros compreendem os direitos, os brasileiros avançaram muito na sua compreensão de
direito, fila, lugar na
sociedade, então todo esse processo de agitação molecular, digamos assim, ele está aí, como é
que a gente pode navegar a
favor desse vento é que é o desafio.
[00:24:15]
[Homem 4: Ricardo Farias]
Mas entrou uma indireta aqui, Waldir Souza de São Paulo, mas Doutora Lígia o SUS está de pé
defendido por quem? Por quem
não usa? O usuário defende o SUS ou ele quer ter acesso?
[00:24:26]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Olha só, nenhum de nós diria assim, que se a gente tivesse que optar ou o SUS ou os planos, a
gente não faria essa
opção, que na realidade nós temos, nós que temos planos, nós temos assim, o SUS e os planos,
nenhum de nós optaria só
pelos planos, porque ninguém é maluco. Nós sabemos que os planos falham, portanto, veja bem, o
que acontece na sociedade
brasileira, é que tem um segmento da população que tem dois tipos de acesso e tem um outro
segmento que só tem um tipo.
Esse segmento que tem dois tipos, sabe que não vive sem o SUS, não é pela água, não é pela
vigilância sanitária, não é
pela vigilância epidemiológica, é pela assistência. Quem seria o maluco a renunciar a
possibilidade de ser atendido no
INCA, ser atendido na Rede Sarah, de ser atendido nos hospitais universitários brasileiros, pelo
SAMU, nas emergências
dos grandes hospitais que reconhecidamente são melhores do que as emergências dos hospitais
privados.
Então, essa compreensão, essa consciência ela está dada, então eu diria assim, nós também temos
uma interpretação que eu
acho que por vezes é extremamente pessimista. Como se a sociedade brasileira detestasse o SUS,
isso tem sido dito pelas
pessoas que são a favor dos planos de saúde. Tem uma propaganda da INS, que é uma propaganda
indecente porque paga com
os recursos públicos que diz assim, todos os brasileiros querem ter um plano de saúde, e veja
bem, se o recurso público
está sendo empregado para isso, esse é um problema que nós temos que resolver rapidamente entre
nós. Não é possível, não
é possível que o mesmo governo que diz que é a favor do SUS, seja o mesmo governo que paga uma
propaganda cara à beça
para falar uma bobagem como essa, porque veja bem, os brasileiros são a favor de terem saúde de
qualidade, se ela for
privada, se ela for pública, é muito melhor que ela seja pública, ou alguém acha que é bom pagar
plano privado de saúde.
Que essa é uma opção, que pela eficiência… nada disso, não é à toa, por exemplo, que eu insisto
nesse exemplo da
universidade pública. Por que todos querem ir para a universidade pública? Porque a universidade
pública é
reconhecidamente de qualidade.
[00:26:45]
[Apresentador: Renato Farias]
E assim como já foi também o ensino básico, onde era uma vergonha estudar ensino particular, no
tempo, ensino bom era
ensino público desde o princípio. Agora o bode continua na sala, a gente vai ter que falar um
pouco mais sobre o bode no
próximo bloco, a Sala de Convidados vai fazer um breve intervalo, não sai daí, a gente volta já.
Sala de Convidados está de volta, conversando sobre parcerias público privadas, nossos
convidados são Ligia Bahia,
pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e membro da ABRASCO, do
conselho diretor da ABRASCO, Associação brasileira de Saúde Coletiva. Alexandre Marinho,
professor de economia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada e André Vianna
Dantas, professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz e
você também é nosso
convidado, participe fazendo perguntas e comentários, utilize o nosso site canalsaúde.fiocruz.br
ou telefone 0 800 701
8122, ligação gratuita.
A gente tem aqui uns depoimentos, umas questões, bastante sobre a PEC 451 também, mas tem uma
pergunta aqui da Mariana
de Paula do Rio de janeiro, que eu queria fazer, está endereçada a Ligia, Doutora Lígia, que
nome se dá a relação do
setor privado com o setor público no seguinte exemplo, uma maternidade privada montou um serviço
de cirurgia neonatal a
partir do repasse de verba pública, hoje, essa maternidade atende também aos usuários do SUS,
recebendo do Estado, isto
é convênio? Em convênio há repasse de verba pública para a prestação de serviço e qual a
diferença com a PP?
[00:28:35]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Olha só Mariana, eu não tenho notícia que tenha havido repasse de recursos para a construção da
maternidade, na
realidade, o que existe é um contrato para a cirurgia cardíaca para crianças com cardiopatias
congênitas nessa
maternidade situada na Barra da Tijuca no Rio de janeiro, é um contrato, contrato tal qual como
existia no INAMPS, entre
o INAMPS e o setor privado, se paga por uma determinada tabela que nesse caso, o que é singular
e curioso, é que é uma
tabela cujo o valor de remuneração para a cirurgia cardíaca é bem mais alto do que o valor pago
para os hospitais que
integram a rede SUS. Mas é um contrato, é um contrato como outro qualquer, na realidade, o que
talvez chame a atenção da
Mariana e de todos nós, é que esse contrato ocorra no ano 2015, quer dizer, não começou em 2015,
mas no século 21,
quando se esperaria que o SUS fosse capaz de ter uma rede, uma oferta de serviços apropriada
para atender a população
brasileira, isso não ocorreu.
[00:29:46]
[Apresentador: Renato Farias]
Que esse dinheiro fosse investido nesse sentido, né? Então eu vou chamar, a gente tem aqui
alguns depoimentos que falam
sobre essas relações entre público e privado, mas também sobre essa PEC 451 que está ainda a ser
decidida.
[00:30:08]
[Homem 5: José Cestelo]
Quando se fala em parceria público privada e se fala em capital privado, em dinheiro privado na
assistência, existe uma
tese que eu acho que é defendida pelos empresários da saúde de que isso vai resultar na expansão
da oferta assistencial,
na verdade, o que assim nos preocupa com relação ao conjunto do sistema, é que esses recursos
eles tendem a ser
aplicados apenas em áreas rentáveis, em áreas que possam gerar um retorno em termos de
lucratividade para o capital
investido, então se vai ocorrer uma expansão, essa expansão será no sentido de atender às
necessidades da população ou
não? Essa é uma questão que a gente tem que se interrogar.
[00:30:55]
[Apresentador: Renato Farias]
Quem quer pegar o gancho?
[00:30:58]
[Homem 3: André Vianna]
Bom, muito provavelmente não, porque do que estamos tratando é da ampliação do acesso mas sem
discutir através do que, e
como, e para quem, então acesso pelo consumo, não é o que a reforma sanitária pensou quando
elaborou a proposta do SUS,
é acesso por direito, então a preocupação do sistema é perfeito e irá continuar na mesma batida
do que a gente tem
visto, esse acesso só será garantido através do consumo de planos de saúde.
[00:31:35]
[Apresentador: Renato Farias]
A gente vem vendo o acesso do consumo em várias áreas ser priorizado em relação ao acesso pelo
direito, eu acho que isso
também está na base do que está falando aqui que vai além do setor saúde, mas que também acaba
formando uma maneira de
pensar, direcionando o que eu quero e o que eu posso consumir. Em detrimento daquilo que essa
bandeira, do que eu tenho
direito a ter já que eu pago impostos, porque é gratuito mas é bancado com os impostos.
[00:32:04]
[Homem 3: André Vianna]
Só para acrescentar, é o que tratávamos um pouco antes no bloco anterior. Abrimos mão em alguma
medida também de
disputar o conceito de saúde, então esse debate é difícil de ser feito porque está embutido no
senso comum a ideia de
que saúde é acesso a exames de alta tecnologia, tanto que a atenção básica passa ao largo desse
debate. Quando a rigor,
a arquitetura do SUS não está pensada, não foi pensada para que o acesso aos exames de alta
complexidade se desse de
imediato, ao contrário, a atenção básica é a porta de entrada. Tem uma inversão, quando o valor
econômico assume o
protagonismo, tem uma inversão do que a arquitetura do SUS pensou para o atendimento nesse
processo, então, essa é a
contradição que está colocada.
[00:33:08]
[Homem 2: Alexandre Marinho]
Eu acho que é importante chamar a atenção e eventualmente até fazer alguma meia culpa, é difícil
hoje em dia fazer essa
disputa que está colocando, porque durante muito tempo grande parte do pensamento, do que se
refere a construção do
sistema público de saúde no Brasil, ignorou que você estaria convivendo com uma lógica também
privada, ou seja, você
estaria vivendo em uma sociedade capitalista, uma sociedade onde a pessoas são induzidas a
consumir. E em grande parte
do esforço, inclusive de pesquisa, nunca se dirigiu, e aí a gente tem a honra de chamar a
atenção para a Lígia, uma das
precursoras no sentido de que vamos olhar para o setor privado, vamos estudar o setor privado.
Se a gente não entender
minimamente como esse setor privado funciona, é aquele negócio do avestruz, enfiar a cabeça no
buraco e fingir que a
coisa não existe, hoje em dia está aí do jeito que está, o setor privado no Brasil é
constitucionalmente autorizado a
funcionar.
E aí criou essa relação que a gente não sabe até que ponto é parceria, se não é, deveria ser uma
simbiose, alguma
relação que se fosse proveitosa mas não sabemos se é ou se não é. E mais, nós não construímos
nem instrumentos
analíticos, instrumentos empíricos, ou seja, base de dados que nos permitam eventualmente, olha,
vamos olhar esse
problema de uma maneira, até eu me permito talvez um pouco mais tecnicista, mas um pouco mais
informada a respeito das
coisas que efetivamente ocorrem. Eu coloco o dinheiro público, porque tem uma discussão que eu
acho que ninguém ignora,
você conseguir demonstrar, olha, eu coloco um real no sistema público, um real no sistema
privado, um real na
instituição a, ou na instituição b e onde é que eu tenha o melhor resultado no sentido de
geração de bem-estar para as
pessoas e de preservação desses direitos. Essa é uma discussão que tem que ser feita, não
adianta simplesmente negar o
outro lado porque não gosto dele, porque ele vai continuar a existir.
[00:35:21]
[Apresentador: Renato Farias]
E aí você trouxe um gancho para gente chamar o Noronha que fala sobre justamente onde está esse
dinheiro.
[00:35:30]
[Homem 5: José Carlos Noronha]
É uma proposta da Emenda Constitucional completamente enganosa, porque é pretexto de garantir ao
trabalhador um direito,
na realidade ela está estimulando a privatização completa do sistema de saúde brasileiro através
de subsídios, aquilo
que já é uma fatia importante do sistema de saúde brasileiro, nos pontos de vista do consumo de
recursos públicos. Os
planos de saúde que cobrem apenas 25% da população brasileira, já tem um orçamento, uma receita
superior ao orçamento do
Ministério da saúde, a aprovação dessa Emenda 451 do Deputado Eduardo Cunha será um golpe fatal
no SUS porque subtrairá
ainda mais os recursos, que são destinados à grande parte da maioria da população brasileira.
Rompendo o preceito do
artigo 179196 que é o direito universal à saúde.
[00:36:15]
[Apresentador: Renato Farias]
E aí ele traz essa coisa, haja mais dinheiro no sistema privado de saúde.
[00:36:19]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Não, isso é um engano, nós não podemos cometer, porque olha só gente, nós estamos acabando com o
SUS. Nós estamos
acabando com o SUS, na realidade têm o dobro do dinheiro para a despesa pública do que para
despesa privada. Porque o
que o Noronha se
referiu, é o orçamento do Ministério da saúde, mas o SUS tem um orçamento também das secretarias
Estaduais e Municípios,
então não é tão dramático quanto se pinta o monstro. Claro que a gente precisaria ter muito mais
recurso para que o SUS
ficasse de pé e não combalido, isso nós não temos, mas a tragédia, ela é menor do que em geral o
senso comum está
pintando.
[00:37:02]
[Apresentador: Renato Farias]
É, porque também é muito difícil muitas vezes separar no senso comum o SUS do Ministério da
saúde, porque ele vai além,
né?
[00:37:10]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Pois é, mas essa é uma tragédia porque o SUS não é o Ministério da saúde, o SUS é um conjunto de
políticas
intersetoriais inclusive, o que nós precisamos é nos proteger dos riscos à saúde, o que nós não
queremos é que as
pessoas adoeçam, não é nem que elas sejam atendidas aqui ou ali, a proposta do SUS é que ele
seja o braço instrumental
da Reforma Sanitária Brasileira, que quer dizer que, nós queremos que a população brasileira
seja uma população que viva
muito e com muita qualidade de vida. Para isso, assim, o principal é a gente se voltar para a
proteção aos riscos à
saúde, então o que acontece hoje no Brasil, essa proposta de maioridade penal, de minoridade
penal, ela interessa
profundamente ao SUS, o desarmamento, armamento, interessa profundamente ao SUS, o que está
acontecendo com as leis de
trânsito, isso interessa profundamente ao SUS, agrotóxico, interessa profundamente ao SUS. A
monsanto com seus
transgênicos, esse conjunto de políticas deveria conformar um conjunto articulado de estratégias
de proteção à saúde.
É por aí que a gente não avançou, e a gente continua debatendo de certo modo, assim, uma
concepção de saúde, concordando
totalmente com o André, que é uma concepção muito restrita, o conceito de saúde ampliado e
aprovado na Constituinte ,
ele tem sido jogado pra trás por nós próprios e nós não podemos fazer isso, pois exatamente eu
penso otimistamente que
isso está de pé.
[00:38:44]
[Apresentador: Renato Farias]
Vamos mais um, agora temos Maria do Socorro, Presidente do Conselho Nacional de Saúde.
[00:38:49]
[Mulher 3: Maria do Socorro]
Primeiro teve um procedimento dentro do Congresso Nacional, bastante, é… pouco transparente.
Segundo, não é um debate,
nenhuma reivindicação legitimada pela sociedade, sobretudo pela classe trabalhadora. Terceiro,
vem atender muito mais ao
interesse das operadoras de planos privado do que ao interesse do povo brasileiro. E quarto,
termina legitimando no país
uma ideologia neoliberal de cobertura universal à saúde, onde o mínimo possível e necessário
fosse oferecido não como
direito, mas sim como serviço à população.
[00:39:29]
[Apresentador: Renato Farias]
Ela vai elencando várias maneiras de perceber como que isso está sendo engendrado nesse sentido
e a questão da pouca
transparência também é importante aqui.
[00:39:37]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Renato, mas eu quero falar uma coisa, assim, olha só gente, essa coisa do Eduardo Cunha é um
bode, nós temos que
entender, esse projeto não vai ser aprovado, veja bem, agora também não dá para a gente virar,
assim, uma espécie de
fazer uma maluquice. Assim, o Eduardo Cunha é um inimigo? Ele é um inimigo, temos outros, o
capital financeiro. Nós
achamos que só o Eduardo Cunha é o grande representante do capital financeiro no Brasil? O
grande problema é só o
legislativo? O judiciário brasileiro é totalmente favorável ao conceito ampliado de saúde? O
executivo brasileiro é
totalmente favorável? A área econômica do executivo é favorável ao SUS.?
Essas são perguntas para que a gente possa se articular inclusive, se não, veja bem, nós sempre
estamos encontrando
assim, um inimigo, um inimigo e personalizando esse inimigo, quando na realidade do que se
trata, é um projeto inteiro,
um projeto inteiro muito bem articulado pelo conjunto do Estado brasileiro, compreendendo o
Estado como os seus órgãos
governamentais, suas leis e convenções, contra o sistema público de saúde. Contra a Reforma
Sanitária, então eu diria
assim, sinceramente eu acho que também não dá, não dá pra gente assim, nós vamos lutar por uma
luta que não existe, por
quê?
Porque os patrões vão ser contra o projeto do Eduardo Cunha, simples assim, tem uma parte da
classe trabalhadora
brasileira que já têm plano de saúde e a que não tem as empregadas domésticas, por exemplo, ele
tirou do projeto,
simples, então na realidade, assim, irrita, ele aparece e eu não quero aparecer junto com ele,
sinceramente, acho que
uma estratégia nossa por exemplo, é não dar tanta atenção ao Eduardo Cunha quanto tem sido dada
por um conjunto de
pessoas que levam isso mais a sério do que deveriam, têm projetos de lei que não são para ser
aprovados.
[00:41:40]
[Apresentador: Renato Farias]
Eu fico pensando assim que realmente é complexo, a gente está falando de 27 anos do Sistema
Único de Saúde, que desde o
seu início ele já foi solapado, porque o financiamento nunca aconteceu como deveria e essa rede
nunca foi expandida como
deveria. E aí a gente agora está vendo uma agudização desse projeto, desse processo junto a um
projeto maior de
privatização, que não é só da área da saúde, a gente poderia estar tendo a mesma discussão aqui
em relação à educação e
outras áreas fundamentais. Como? Como? Essa é a questão. Como é que a gente pode reverter esse
processo? Ele é um
processo que não se reverte da noite para o dia, mas como que a gente pode enquanto pessoas que
defendem o Sistema Único
de Saúde, se organizar para que esses pontos que a gente está levantando aqui ao longo do
programa, sejam colocados no
debate com força? Porque eles são colocados pontualmente e a gente não tem essa força para
conseguir atingir realmente o
enfraquecimento do SUS.
[00:42:40]
[Homem 2: Alexandre Marinho]
Acho que tem até um ponto que eu acho que é bastante importante, primeiro, é a questão da
informação, se nós, imagina,
fazer uma alegoria. Se nós estivéssemos em uma guerra, uma das coisas fundamentais de uma guerra
é você conhecer os
adversários e se conhecer. E eu concordo com a Lígia quando ela diz que as pessoas, inclusive
tem pesquisas de opinião
que atestaram os usuários do SUS, não condenam, primeiro por que o que é o SUS? O SUS não é as
emergências dos grandes
hospitais no Rio de janeiro, eu costumo fazer uma experiência muito singela, experiência, enfim,
uma conversa com os
alunos de economia da saúde e pergunto a eles o que é o SUS, na Universidade do Estado do Rio de
janeiro, são alunos da
faculdade pública, então são pessoas de classe média, bem informadas, etc.
O que é o SUS? Grande parte deles…é um sistema que a gente devia ter algum direito, mas quando
você começa a mostrar a
eles olha, tem um monte de coisas que são absolutamente exitosas dentro do SUS, eles ficam
espantados porque ele não
sabem, você sabia que você tomou vacina quando era criança, você leva seu cachorro para tomar na
campanha antirrábica,
sabia que essas coisas são o SUS? Sistema de transplante, Aids etc. As pessoas às vezes não têm
consciência e aí é esse
programa particularmente acho que é bastante importante, tem um papel, e eu não saberia como
eventualmente mudar esse
quadro, mas tem um papel importantíssimo da imprensa porque a imprensa vai muito no evento
negativo.
Se você olhar para as notícias, isso não só no que se refere a saúde, que que dá na manchete? É
um coisa ruim, fulano
morreu, fulano não foi atendido, tem paciente na maca, tem gente morrendo. E não mostra as
conquistas, as vitórias, as
competências, as coisas muito boas, os esforços exitosos que acontecem diariamente nesse
sistema.
[00:44:34]
[Apresentador: Renato Farias]
E quando mostra, relaciona com o governo em questão e nem sempre cita que isso é SUS.
[00:44:39]
[Homem 2: Alexandre Marinho]
Ou então como se fosse uma experiência pessoal, o pesquisador tal, o médico tal, conseguiu uma
coisa maravilhosa, mas
isso não é, é uma coisa sistêmica isso. Isso não é mostrado, é como se tivesse um fetiche por
aquilo que é ruim, porque
aquilo que é ruim dá mais ibope.
[00:44:54]
[Apresentador: Renato Farias]
É e aí a gente dentro dessa interseccionalidade que a gente citou aqui, a gente está falando da
política de comunicação
também, porque você ter acesso a comunicação de uma forma mais ampla, porque hoje em dia a
comunicação ela anda pari
passu também com os poderes, e aí como é que faz esses debates ficarem mais amplos ainda?
[00:45:11]
[Homem 3: André Vianna]
Mas Renato, acho que é importante, claro, não tenha dúvida, mas acho que a questão ainda é muito
mais profunda do que
essa. Acho que você foi muito feliz na sua pergunta, essa é uma pergunta de crise, é isso mesmo,
da crise que a gente
hoje experimenta, aprendemos a entender luta social desta forma, conquistamos a lei a partir
desse patamar a coisa não
recua. Estamos vendo que recua e inclusive na lei, então pele de terceirização, redução de
direitos trabalhistas, é um
conjunto de coisas, então o aspecto da totalidade que você traz é muito útil porque a saúde tem
um viés no seu debate
que é se colocar sempre de maneira muito isolada do debate, construiu a estrada da Reforma
Sanitária desse jeito.
A saúde tem que perceber que ela está no mundo e que, portanto, a privatização que acontece aqui
dentro da saúde, não
acontece apenas aqui. A resposta a essa crise, embora a pergunta tenha que ser feita, a resposta
não é simples. Ela não
será dada por ninguém individualmente, nem num belo trabalho acadêmico será dada no cotidiano da
luta e é curioso como
isso aparece em algumas falas, a fala da Maria do Socorro é muito legítima, muito interessante
mas é uma fala de quem
também, assim como nós, não consegue perceber hoje, ganchos de instrumentos, pelo menos os mais
palpáveis para
empreender essa luta e ela se personaliza por isso.
Porque a medida em que se acreditou durante bastante tempo de que digamos, os lobbies do bem,
feitos no Congresso, com
os partidos e parlamentares, frentes parlamentares da saúde, pudessem dar conta da consolidação
do SUS. Também se reputa
a figuras individuais quando este SUS vem sendo dilapidado, mas a gente tem que reconhecer que
há interesses de classe e
classes existem, temos no mundo e não só no Brasil, uma burguesia em crise, ou melhor, o sistema
do capital em crise e
isso determina que se precise retirar recursos de onde eles se encontram, e onde ele se
encontram? No fundo público, que
é o que financia as políticas sociais e as políticas de Estado.
[00:47:50]
[Apresentador: Renato Farias]
Tem uma pergunta aqui do Celso Carlo, que é farmacêutico e conselheiro de saúde no município de
Bonfim em Minas Gerais,
gostaria que fizesse um relato sobre as vantagens e os possíveis prejuízos alcançados com as
ações das PPPS em Minas até
o momento. Por que ele traz Minas especialmente? Porque ele é de lá, mas queria saber o que
acontece lá…
[00:48:18]
[Homem 3: André Vianna]
Bom, eu não teria condições de responder em Minas, agora um outro elemento importante que a
gente podia trazer para
ajudar na compreensão também da situação de Minas, é compreender o que é a história das PPPS, é
claro que não são as
PPPS que inventam a transferência de recursos públicos para o privado, não é isso, Lígia já
destacou isso, agora também
é preciso marcar isso que a crise, o tsunami neoliberal que chega no Brasil um pouco mais de
retardamento, fim dos anos
80, início dos anos 90, junto com o SUS. E implementa uma reforma de Estado precisamente para
garantir a solidez do
capital em crise, é também que explica as parcerias público-privadas, embora no tempo
cronológico elas estejam um pouco
mais à frente, são de 2004, isso não significa que não façam parte do mesmo movimento.
É o estado se adequando a necessidade do capital, se adequando cada vez mais, à medida em que
como disse lá o Levy ele é
em essência, um instrumento de manutenção da dominação de classe e da reprodução do capital,
então falta a questão
específica para responder, mas o sentido geral das PPPS é marcadamente esse.
[00:49:43]
[Apresentador: Renato Farias]
Carlos Silva do Rio, queria saber a opinião dos senhores, os nossos poderes legislativo,
executivo e judiciário defendem
o SUS ou nem sabem como ele funciona?
[00:49:51]
[Mulher 2: Ligia Bahia]
Nem sabem como funciona, porque nós temos assim, poder judiciário muito interessante, que o
poder judiciário tem sido
protagonista nesse processo chamado judicialização, mas muitas vezes o poder judiciário concede
porque a pessoa que
litiga, ou seja, o demandante da causa judicial é pobre, veja bem, então na realidade o
judiciário retrocede, como se o
direito fosse para pobres e não fosse para todos, então esse é o judiciário. O legislativo, um
problemão, porque, veja
bem, porque esse não é o pior legislativo que nós já tivemos, não é disso que se trata, na
realidade o legislativo ao
longo desse processo pós democratização, sempre foi um legislativo, eu diria, majoritariamente
anti-SUS. O fenômeno que
nós tivemos de uma certa coalizão anti-centrão, ele terminou no processo constituinte, e nós
temos que nos dar conta
disso, a gente tem um conjunto de parlamentares sempre em todas as gestões do legislativo,
majoritariamente anti-SUS e
veja, então ficamos com o executivo, um executivo então que seria pró SUS, ao longo desse tempo
tivemos muitos Ministros
sanitaristas, isso nos alertou, isso talvez tenha causado um pouco o que o André está chamando
atenção para essa ilusão
da reforma por cima.
Entretanto, sem Ministros Sanitaristas e sem poder, sem poder de levar adiante esse conjunto de
reformas prevista, então
a gente parou, por exemplo, saúde dos trabalhadores, ficou no Ministério do Trabalho, os
hospitais universitários
ficaram no MEC, então conjunto de reforminhas administrativas que não foram executadas ao longo
desse tempo, então, veja
bem, nem o SUS como reforma administrativa acabou. A gente parou no meio do caminho, agora
paramos no meio do caminho
com o projeto que ficou, eu quero insistir nisso com o projeto que está por aí, ele virou uma
nuvem, assim, olha como
que o Brasil pode ser legal, se tiver um SUS de qualidade, isso eu diria que não é pouco, eu
penso que isso é o que nós
temos e é onde nós temos que nos apegar.
Respondendo à sua pergunta, sobre nossas lutas, como que nós podemos, eu concordo plenamente,
acho que nós temos que nos
juntar, temos que nos misturar, não é possível a gente imaginar que nós não vamos ter uma saída
pela saúde, que a saúde
será capaz de provocar uma reforma democrática neste país, porque não se trata de uma reforma
política, o SUS não é uma
reforma política só. Ele é sobretudo uma reforma democrática, se nós não tivermos a tal da
democracia substantiva,
democracia substantiva que significa que a sociedade é capaz, ela é capaz de tornar esse Estado,
um Estado mais
democrático, vai ser difícil a gente levar adiante, levar adiante esse processo. Quais são os
meios que permitam dados
para isso?
Acho que poucos não é, a gente tem uma conferência agora, a 15ª conferência que vai ser de
saúde, a gente continua no
nosso quadradinho, nós não temos sido capazes de sair desse quadradinho, que de certa maneira
virou uma certa zona de
conforto, a gente só fala sobre saúde, a gente não se mistura sequer com o processo de educação.
Que na realidade nos
antecipou, tudo isso que está acontecendo na saúde, aconteceu antes na educação e nós não fomos
solidários, não fomos
capazes de manifestar essa preocupação.
[00:53:28]
[Apresentador: Renato Farias]
Porque falando de cotidiano, o SUS deveria ser ensinado nas escolas, para a gente entender o que
estamos falando desde o
princípio, que aí a gente teria uma educação para a cidadania né. Todas essas áreas juntas
precisam ser fortalecidas.
[00:53:44]
[Homem 2: Alexandre Marinho]
A questão que eu acho importante, no próprio mercado de trabalho, ou seja, a questão do Estado
como prestador de
serviço, o de gerador desse bem estar social, que eu vejo como uma questão de humanidade, como é
que você consegue
prover um serviço público de qualidade, universal e gratuito, se você tem a inserção dos teus
funcionários, dos seus
trabalhadores, 70% da mão de obra do SUS, se você pegar de nível superior, são dados de
pesquisa, têm o SUS como um
segundo emprego, ou seja, são pessoas que trabalham no SUS, mas também trabalham em outros
lugares e essa dicotomia que
é para ser, ou tricotomia porque são três empregos, é extremamente complicada, porque você está
exigindo de um ser
humano que ele eventualmente tenha comportamentos completamente antagônicos.
Às vezes no mesmo dia, no dia o camarada está dentro do hospital onde ele tem que ser
maximizador de lucro, no outro dia
tem que estar dentro do hospital onde ele tem que estar maximizando o bem estar de pessoas que
não têm um centavo para
pagar nenhuma receita, se não levar o remédio, ele não tem o que fazer….Ou seja, pessoas que têm
inserções profissionais
totalmente contraditórias, opostas e que muito pouco é dito a respeito disso, ou seja, qual é a
carreira, qual é a
perspectiva que você dá para as pessoas que estariam dispostas a trabalhar no SUS, no médio e
longo prazo?
[00:55:30]
[Apresentador: Renato Farias]
Bom, eu acho que a gente consegue clarear algumas coisas aqui, mas perceber também que a gente
está dentro de um
processo muito importante, que é preciso que essa coalizão em defesa da saúde pública seja cada
vez mais fortalecida.
Porque é um momento crítico, já houve outros, mas é um momento crítico fundamental onde o SUS
realmente precisa ser
recolocado no centro das discussões desta forma aqui também, e não só da forma de defesa do
privado. Obrigadíssimo pela
presença de vocês aqui conosco hoje, se você quiser rever esse programa, entre no nosso site
canalsaúde.fiocruz.br, você
pode também acompanhar o Canal Saúde no facebook e no twitter. A Sala de Convidados contou com a
colaboração da LBR e a
gente se vê na próxima semana. Até lá!