Recomendações para atenção à gestante de povos indígenas e comunidades tradicionais
Olá! Você chegou à última aula do curso Covid-19 e a atenção à gestante em comunidades indígenas e tradicionais. Ao final da aula, você vai ser capaz de:
- Reconhecer as diferenças no atendimento à gestante de povos indígenas e comunidades tradicionais.
- Conhecer as recomendações sobre fluxo e testagem das gestantes de povos indígenas e comunidades tradicionais.
- Descrever o esquema de atenção ao cuidado pré-natal incorporando as teleconsultas.
Para uma experiência de aprendizagem mais ampla, assista aos vídeos e visite os materiais e links externos que estão disponíveis ao longo do texto. Eu vou sempre te indicar materiais que podem contribuir para o seu aprendizado.
Um olhar sobre o contexto
Sistemas médicos ocidentais são produções culturais fortemente influenciadas pelos valores ocidentais, cristãos e liberais, que exercem formas de rechaço sobre aqueles que não compartilham suas bases morais e políticas. De modo equivalente, a relação entre profissionais e usuários de serviços de saúde é fortemente mediada pelos contextos socioculturais que as produz e onde são exercidas, algo frequentemente ignorado por formuladores de políticas públicas no Brasil.
Essa situação é mais complexa diante da grande diversidade de sociedades e culturas existentes no nosso país. Isso dificulta o reconhecimento das especificidades culturais e locais, pelos agentes do sistema médico hegemônico, e a aplicação do ideário universalista que habitualmente rege as políticas de saúde em escala planetária, via de regra pouco sensível às singularidades dos modos culturalmente diferenciados de viver.
A redução das desigualdades, que progride lentamente no Brasil, parece não ter alcançado as minorias étnicas no grau de suas necessidades. Não há indicadores consistentes sobre a mortalidade materna e neonatal indígena, nem informações sobre a cobertura e efetividade da atenção pré-natal, da prevalência de câncer de colo de útero e de mama, ou de outros indicadores que permitam apreender o perfil mórbido ou outras condições de saúde dessa população, por exemplo.
Além disso, os sistemas oficiais de notificação e de produção de serviços no geral não têm sido capazes de gerar informações culturalmente diferenciadas que permitam entender e analisar as situações de saúde e de vulnerabilidade a que essas mulheres estão expostas.
Em 2009, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) realizou o 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas. O relatório final apontou, por exemplo, taxas elevadas de anemia em mulheres indígenas, grávidas e não grávidas. Para a Região Norte, a prevalência de anemia entre as mulheres indígenas superou em 1,4 vezes (para as não grávidas) e 1,3 vezes (para as grávidas) as taxas de anemia encontradas entre mulheres indígenas que vivem em outras regiões do país.
Outra pesquisa - a Nascer Brasil identificou que nós, gestantes indígenas, relatamos três vezes mais barreiras de acesso ao pré-natal; que cerca de um quinto das indígenas não foi acompanhada pelo mesmo profissional do início ao fim da gestação; e que foi baixa a proporção de orientações às gestantes no pré-natal. E com as nossas colegas ribeirinhas e quilombolas a situação não é diferente.
Outra visão de mundo
Para o desenvolvimento de ações em saúde voltadas à população ribeirinha e indígena é necessário conhecer as pessoas, a comunidade, suas tradições, seu entendimento sobre o adoecimento e os ritos, os rituais e a sua visão de mundo. Os padrões de determinação do momento adequado para o casamento e a maternidade nas comunidades indígenas - e em muitas ribeirinhas e quilombolas - diferem daqueles reconhecidos pelos profissionais não indígenas. Mesmo na sociedade ocidental, devemos lembrar, por exemplo, que o reconhecimento da adolescência como uma fase da vida, alvo de cuidados especiais, é uma produção social do final do século XX, inexistindo essa compreensão em períodos anteriores de sua história social.
Entre os Guarani, que habitam a região sul do Brasil, predomina a ideia de que há espíritos canibais permanentemente à espreita de uma oportunidade de devorar o feto. Como parte dos procedimentos xamânicos adotados pelo grupo, recomenda-se que, no parto, a mãe e a criança sejam expostos à fumaça de cachimbo e da fogueira, para protegê-los da ação dos espíritos agressores.
Se, do ponto de vista dos profissionais de saúde, tal atitude pode ser considerada um contrassenso, é válido lembrar que os Guarani elegeram, ao longo de gerações, certos perigos a serem enfrentados pela sociedade, que não necessariamente equivalem aos que o pensamento biomédico definiu como prioritários na abordagem da gravidez e do parto. Em favor dos Guarani, cabe lembrar que eles e sua forma de viver, existem há mais de 4 mil anos, que já estavam aqui quando o colonizador português aqui aportou, e que até hoje permanecem existindo como um povo com produções culturais autônomas.
Se tais aspectos, sozinhos, carregam uma complexidade diante das subjetividades, imagine o processo de cuidar de gestantes e puérperas sejam elas indígenas, ribeirinhas e quilombolas, no atual contexto de pandemia?
Cuidado das gestantes e puérperas
O Ministério da Saúde orienta que gestantes e puérperas até o 14º dia de pós-parto devem ser consideradas grupo de risco para Covid-19. Um dos motivos é o risco aumentado de trombose venosa durante a gravidez e no puerpério ultrapassar cinco vezes aquele de uma mulher não grávida saudável na mesma faixa de idade, no qual o risco é significativamente maior durante o pós-parto, sendo pouco frequente durante a gestação.
Por isso, a atenção primária à saúde da mulher, no ciclo da gestação, parto e puerpério, no contexto do enfrentamento à pandemia da Covid-19, deve dispor de instrumentos facilitadores que garantam a coordenação do cuidado pelos profissionais da APS, tendo em vista as singularidades de cada população.
Apesar da existência do Manual de Recomendações para a Assistência à Gestante e Puérpera frente à Pandemia de Covid-19 (Ministério da Saúde), o documento não considera contextos específicos em que possam estar, como por exemplo, as particularidades ribeirinhas e indígenas.
Triagem de gestantes e puérperas de áreas remotas
A infecção pela Covid-19 em mulheres grávidas motiva a busca de sinais e sintomas que possam alertar os profissionais de saúde a auxiliá-las quando infectadas, pois, gravidez aumenta o risco de resultados obstétricos e neonatais adversos de muitas infecções respiratórias virais.
O Ministério da Saúde estabelece que todas as gestantes atendidas durante a pandemia Covid-19 devem ser avaliadas para sintomas gripais ou para contato prévio com paciente positivo antes do atendimento de rotina. Essa triagem deve ser feita em duas etapas:
- contato telefônico 48 horas antes da consulta ou exame agendado, sempre que possível; e
- presencialmente, na recepção da unidade de saúde.
Entretanto, diante da vulnerabilidade programática vivenciada pelo ribeirinho e indígena, precisa-se pensar em alternativas para diminuir as distâncias geográficas e dificuldades de acesso, visando um atendimento integral à saúde.
Recomendações sobre o fluxo e os processos de triagem
A identificação precoce da gravidade da Covid-19 em gestantes ou puérperas possibilita o início oportuno de medidas adequadas como tratamento de suporte e encaminhamento, quando necessário, para a rede de saúde mais próxima.
Neste sentido, algumas premissas devem ser observadas, incluindo a adoção de fluxo ideal para atendimento presencial, conforme preconizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa):
- O local de atendimento destinado a gestantes com suspeita ou confirmação para Covid-19 deve ser identificado e separado do atendimento de rotina, com entradas distintas; sinalização com orientações para sintomas da infecção, etiqueta respiratória.
- Em caso de gestante sintomática, deve ter à sua disposição máscaras cirúrgicas para uso nos ambientes comuns.
- Em áreas de fluxo diferenciado (sintomáticos e não sintomáticos) deve ser indicado um profissional que ficará dedicado ao atendimento de gestantes e puérperas.
- Devem ser disponibilizados os EPIs necessários à equipe de saúde, tanto para proteção de gotículas quanto de aerossóis.
Em todas as consultas de pré-natal, seja ela remota ou presencial, deve ser investigado sinais sugestivos de gripe. Relembre o quadro da aula 3.1 - Manejo Clínico da gestante no contexto da Covid-19 - contexto brasileiro.
Abordagem
"Antes do seu atendimento, preciso que você responda algumas perguntas. É muito importante que você responda com sinceridade, para podermos cuidar de você da forma correta"
Faça uma pergunta de cada vez e dê tempo para a resposta
- Você está com gripe?
- Você está tendo tosse?
- Seu nariz está escorrendo?
- Você está com dor de garganta?
- Você está com dor no corpo?
- Você está percebendo que não consegue sentir cheiro e o sabor/gosto das coisas?
- Você teve febre ou sentiu calafrios nos últimos dois dias?
- Você tem falta de ar?
- Você está com um quadro de diarréia?
- Você teve contato com alguém que testou positivo para Covid, nos últimos 14 dias?
- Você teve contato com alguém que foi internado por gripe ou pneumonia, nos últimos 14 dias?
Resultado
Se a gestante respondeu NÃO a todas as perguntas e não apresenta temperatura ≥37,5ºC - atendimento pré-natal de rotina em área comum do ambulatório, não Covid-19.
Se a gestante respondeu SIM a pelo menos uma das perguntas, ou apresentar temperatura ≥37,5ºC: será considerada suspeita e, usando máscara conforme o protocolo local, será encaminhada à área de atendimento separada e reservada no estabelecimento de saúde para atendimento de Covid-19.
Recomendações quanto à testagem
Para o diagnóstico laboratorial da Covid-19 deve-se considerar a fase clínica da infecção em que a paciente se encontra, assim como o acesso, para definir os exames que apresentam os melhores perfis de desempenho para suporte diagnóstico (Duarte & Quintana, 2020).
Tendo em vista a linha do tempo dos exames de detecção da Covid-19 e com finalidade de diminuir a mortalidade materna, o Ministério da Saúde recomenda que seja realizado o RT-qPCR para detecção do vírus em gestantes ou puérperas de acordo com o Quadro 3.
Porém, para a triagem da Covid-19 entre as gestantes de localidades em que o resultado do RT-qPCR demorar mais que 7 dias, recomenda-se a utilização do teste rápido a partir do 8° dia de início dos sintomas, especialmente nas populações com difícil acesso à maternidade.
Tais práticas de rastreamento do SARS-CoV-2 antes do parto não eliminam a necessidade de triagem de sintomas gripais das gestantes se houver uma admissão hospitalar. Caso haja parto domiciliar, a parteira deve aderir à etiqueta respiratória.
Exames de imagem
Sabe, a gente ouve que a tal tomografia computadorizada (TC) é um exame padrão para diagnosticar alterações pulmonares causadas pela Covid-19. Mas aqui na nossa comunidade, não temos esse tipo de exame. Então, o médico me disse que um exame radiológico simples já pode ajudar nesse diagnóstico.
Nos casos das gestantes que residem em territórios indígenas, atendidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SASI-SUS), deve-se evitar o deslocamento e a permanência nos centros urbanos para a realização de exames de rotina.
Como alternativa, sugere-se priorizar os testes rápidos; coletas de material no próprio território e envio para os laboratórios credenciados em condições adequadas de acondicionamento; e uso de equipamentos portáteis.
Em situações urgentes, que exijam a remoção, os munícipios deverão priorizar o seu atendimento, considerando os riscos de infecção da gestante e de toda sua comunidade devido à sua longa permanência nos centros urbanos.
A vacinação de gestantes em áreas remotas
Garantir o acesso integral na vacinação contra a Covid-19 às populações que vivem em áreas remotas é um dos grandes desafios impostos à gestão, uma vez que não se pode pensar em desenvolver a mesma estratégia de ação das áreas urbanas.
O princípio da equidade ajuda a nortear políticas de saúde, reconhecendo necessidades de grupos específicos e atuando para reduzir o impacto dos determinantes sociais da saúde aos quais estão submetidos.
Neste sentido, o Governo do Amazonas em parceria com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), em ação pioneira no Brasil, lança um projeto-piloto que visa à adoção de um novo modelo de vacinação, que melhor atenda à realidade de comunidades ribeirinhas. Ao invés da vacina por faixa etária ou grupos de risco, como ocorre na capital Amazonense, o projeto-piloto irá vacinar 100% das pessoas elegíveis acima de 18 anos em todas as comunidades das Reservas de Desenvolvimento Sustentável.
A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil, fundada em 2008, com a missão de “contribuir para a conservação ambiental da Amazônia através da valorização da floresta em pé e sua biodiversidade e da melhoria da qualidade de vida das comunidades ribeirinhas associada à implementação e disseminação do conhecimento sobre desenvolvimento sustentável”. É uma organização sem fins lucrativos, sem vínculos político-partidários, de utilidade pública e beneficente de assistência social.
A Nota Técnica nº 1/2021 DAPES/SAPS/MS, estabelece as recomendações referentes à administração de vacinas Covid-19 em gestantes puérperas e lactantes, demanda que surge a partir do aumento das mortes maternas associadas à Covid-19. A mais recente atualização - a Nota Técnica nº 2/2021-SECOVID/GAB/SECOVID/MS estabelece gestantes (em qualquer trimestre da gestação) e puérperas (até 45 dias após o parto), a partir de 18 anos, como grupo prioritário para vacinação, independentemente da presença de fatores de risco adicional; e indica que a vacinação deve ser realizada com as vacinas que não contenham vetor viral (Sinovac/Butantan e Pfizer/Wyeth). Importante observar que as orientações sobre vacinação têm sido atualizadas com frequência, de modo que podem vir a sofrer alterações. Consulte as orientações do Ministério da Saúde com frequência.
As recomendações referentes à administração de vacinas Covid-19 em gestantes e puérperas não se diferenciam por lócus de residência. Contudo, o estabelecimento de estratégias diferenciadas, como a desenvolvida pelo governo do Amazonas, deverá ser pensado para a maior cobertura vacinal na população ribeirinha e indígena.
Gente! O curso de Vacinação Covid-19: Protocolos e procedimentos técnicos, do Campus Virtual Fiocruz, tem duas aulas bem interessantes sobre estratégias de vacinação para as nossas comunidades.
Fonte: Campus Virtual Fiocruz Módulo 4 Aula 1 - Vacinação no contexto dos povos indígenas
Fonte: Campus Virtual Fiocruz Módulo 4 Aula 5 - Vacinação no contexto das populações ribeirinhas e quilombolas
Ah! E já que estamos falando em vacina, lembre-se de conferir e atualizar a carteirinha de vacinação das gestantes sob o seu cuidado.
Recomendações para condução do cuidado pré-natal incorporando as teleconsultas
A distribuição geográfica das terras indígenas, via de regra mais distanciadas dos espaços urbanos e mal servidas de estradas, demanda forte investimento em logística para garantir o deslocamento das equipes de atendimento ou das pessoas a serem atendidas. Tais peculiaridades geram repercussões na oferta de serviços, à saúde da mulher, e em particular do pré-natal, podendo resultar em descontinuidade na oferta de cuidados e realização de exames e comprometer a qualidade do cuidado e o atendimento de intercorrências do ciclo gravídico puerperal. Como alternativa ao atendimento presencial, ressalta-se a integração da Telessaúde como forma de capilarizar o atendimento em áreas remotas.
Esse tipo de atendimento pode reduzir o deslocamento das pacientes até o serviço de saúde, diminuindo com isso a exposição ao SARS-CoV-2.
As teleconsultas devem ser realizadas intercaladas com as consultas presenciais, conforme indicação do Ministério da Saúde.
Esquema de atenção ao cuidado pré-natal incorporando as teleconsultas
O uso da teleconsulta só é possível mediante algumas condições técnicas e tecnológicas - como acesso à internet ou telefone. Também é necessária atenção a sinais e sintomas específicos.
Checklist básico para teleconsulta
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Conferir se a gestante tem acesso à internet e dispositivo de vídeo - em caso de videochamadas - ou de telefone, para contato de voz. Priorize as videochamadas sempre que possível.
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Para a aferição da pressão arterial, é necessário que a gestante tenha o aparelho de medição e saiba fazer. Verifique a melhor estratégia caso a gestante não esteja preparada para isso.
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Tenha atenção redobrada para sinais e sintomas de alerta de síndromes gripais e específicas da gravidez. Alguns são
- diminuição da movimentação fetal
- queixas de dor em hipogástrio
- cefaleia
- alterações visuais
- alterações do conteúdo vaginal
- surgimento de edema
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Esclareça à gestante que, embora com parte dos seus cuidados ocorrendo de forma remota, a Equipe de Saúde está disponível e ela pode buscar atendimento presencial na sua Unidade de Saúde. O importante é que a gestante se sinta acolhida e tenha todas as suas dúvidas respondidas.
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Lembre-se de registrar a consulta no prontuário da gestante!
Chegamos ao final do curso
Chegamos ao final do curso Covid-19 e a atenção à gestante em comunidades indígenas e tradicionais. Nessa aula, você viu as diferenças no atendimento à gestante de povos indígenas e comunidades tradicionais e conheceu as recomendações sobre fluxo de atendimento e testagem dessas gestantes. Você também viu como incorporar o teleatendimento ao esquema de atenção ao cuidado pré-natal incorporando as teleconsultas.
Avaliação e Certificação
Esse curso tem certificação pelo Campus Virtual Fiocruz. Para receber o certificado é preciso:
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