read_more

Mpox: Vigilância, Informação e Educação em Saúde

MÓDULO 2 | AULA 4 O protagonismo dos profissionais de Nível Médio no registro e informação sobre a Mpox

Tópico 2

Análise da informação em saúde sobre Mpox de forma contextualizada: por quê?

Você se lembra quais são os tipos de dados e variáveis coletadas na ficha de notificação da Mpox?

Além dos dados da doença propriamente dita, com seus sinais e sintomas, tratamento medicamentoso, informações clínico-laboratoriais e a identificação pessoal de quem adoeceu (nome), nas fichas de notificação e investigação também são registrados dados sociais e econômicos da pessoa adoecida, tais como:

  • Idade;
  • Sexo;
  • Local de moradia;
  • Orientação sexual;
  • Raça/cor;
  • Ocupação;
  • Atividade econômica;
  • Escolaridade etc.

Tais dados são importantes pois reforçam a premissa de que qualquer situação de saúde deve ser analisada em seu contexto histórico, social e geográfico. Ou seja, as condições de vida, a inserção (ou não) das pessoas no mundo do trabalho, entre outros processos, interfere no modo como adoecemos, individualmente ou coletivamente. Por isso, são dados que precisam ser analisados para a produção de informações em saúde que contextualizem os grupos que adoecem por Mpox.

A respeito desse assunto, segue uma citação que irá recuperar a relevância de se analisar o contexto da situação de saúde-doença, recuperando reflexões do geógrafo Milton Santos e do médico-epidemiologista Paulo Sabroza:

Para Santos (2004) [Milton Santos], trabalhar com a noção de causa e efeito é lidar com o que se vê. Já quando se trabalha com a noção de contexto, debruça-se também sob o que não se vê e, frequentemente, é ainda mais importante do que o que é visível; já que, olhar para o contexto, permite uma visão para além da forma e da aparência, abarcando o que está por detrás do fenômeno. Esse mesmo raciocínio pode ser transpassado para a reflexão sobre o processo saúde-doença, uma vez que um adoecimento não pode ser compreendido isoladamente, somente pela racionalidade da causa e efeito; para a compreensão contextualizada do processo saúde-doença, faz-se necessário o entendimento da lógica de produção econômica, dos aspectos históricos, sociais, culturais e biológicos, da forma como se entende a saúde e a doença e do desenvolvimento científico da humanidade.

(Sabroza, 2007) (Angelo; Leandro; Périssé, 2021, p. 128).

A vigilância em saúde, em especial a vigilância em saúde de base territorial local, é uma importante forma de compreender o contexto de saúde-doença no âmbito da Atenção Primária a Saúde.

Saiba Mais

Os registros das doenças, mesmo que ainda “desconhecidas”, permitem identificar ações estratégicas de prevenção e controle, assim como conhecer novos processos de adoecimento.

Vale lembrar que foi devido ao registro de nascimento na Declaração de Nascido Vivo (DNV) de situações congênitas desconhecidas que foi possível identificar a associação da zika (doença compulsória de notificação imediata) com a microcefalia. Portanto, havia registros que podiam ser “cruzados” e utilizados em pesquisas e demais estudos. Importante saber que a DNV é o documento-base obrigatório para o registro de nascimentos no Brasil no sistema de informações de nascidos vivos (SINASC) e para a emissão da certidão de nascimento.

Outra situação que mostra o quanto foram estratégicos o uso de dados sociais refere-se ao contexto da pandemia por Covid-19, quando se pôde evidenciar que a população negra tinha risco maior de morrer por Covid-19 quando comparada com a população branca, anulando o argumento de que estávamos vivendo uma “pandemia democrática”.

Veja a relevância da produção da informação em saúde nos diferentes espaços de atuação dos profissionais de nível médio na APS no contexto da Mpox:

  • Identificação de situação de caso suspeito, com a observação de sinais e sintomas característicos para a Mpox.
  • Melhor conhecimento das condições de moradia individual e/ou familiar.
  • Reconhecimento da existência de redes de apoio (familiar ou comunitária): instituições comunitárias, grupos religiosos, grupos políticos, coletivos organizados, familiares de referência, articuladores sociais etc.
  • Possibilidade de ampliar a capacidade informativa dos usuários a respeito de dúvidas sobre o adoecimento e sobre o fluxo de notificação e cuidado.
  • Maior articulação com os demais profissionais da equipe para o compartilhamento de dados e informações por meio de diálogos ou reuniões de equipe específicas.
  • Conhecimento de outras condições de saúde das pessoas suspeitas de Mpox, por meio de acesso ao prontuário do paciente.
  • Com base nos dados sobre a população acometida por Mpox estruturar atividades de prevenção em diálogo com os demais profissionais de saúde.
  • Colaborar na produção de informativos ou painéis com os dados e informações sobre Mpox da área de abrangência da UBS.
  • Reconhecimento de atores sociais estratégicos do território com possibilidade de integração em atividades de vigilância e promoção da saúde (escolas, centro da assistência social, instituições religiosas, ONGs, movimentos sociais etc.).
  • Identificar as características físicas e sociais do território que podem retratar as condições sociais de vida e potencializar ou dificultar a busca por assistência à saúde de pessoas acometidas por Mpox (Diagnóstico territorial).

Os dados vistos anteriormente apontam algumas possibilidades de produção ou uso da informação em saúde sobre Mpox em diferentes contextos da APS. Com base na sua realidade, você consegue pensar na possibilidade de produção de outras informações que apoiem a compreensão do contexto de adoecimento por Mpox?

Avançando na relevância da compreensão da informação em saúde sobre Mpox de forma contextualizada, veja a seguir um conjunto de gráficos e tabelas com dados que possibilitam qualificar o adoecimento por esse agravo para um determinado território. Esses dados foram retirados de um boletim epidemiológico no qual se estruturou uma análise descritiva dos casos confirmados de Mpox notificados em uma área programática do município do Rio de Janeiro (RJ) nas semanas epidemiológicas 24 a 43 de 2022. Convidamos você a fazer a leitura desses gráficos e tabelas para exercitar a sua dimensão analítica. Clique nas imagens para ampliar.

Oliveira (2022).

Vamos produzir agora uma análise resumida desses gráficos e tabelas para podermos extrair a informação e verificar o quanto é importante que os trabalhadores de nível médio na APS possam ter acesso a essas informações para guiar sua prática de trabalho.

Com base na análise desses dados, pode-se verificar que a maior quantidade de notificações (64%) vem justamente das Unidades Básicas de Saúde, o que evidencia a relevância de qualificar os profissionais desse ponto de atenção no registro e uso da informação. Em todas as faixas-etárias destaca-se o maior acometimento de homens, identificados como homens cis e homossexuais.

Saiba Mais

As expressões “homem cis” e “mulher cis” têm sido cada vez mais utilizadas nos serviços de saúde, em pesquisas e inclusive estão presentes nos instrumentos de registro na área da saúde (como fichas de notificação, por exemplo). O termo “cis” ou “cisgênero” é utilizado para designar pessoas que identificam o seu gênero com o sexo que nasceram, ou seja, pessoas que nasceram com órgão reprodutor masculino e se identificam como homens e pessoas que nasceram com o órgão reprodutor feminino e se identificam como mulheres. Uma outra possibilidade é o indivíduo não se identificar com essa associação. Nesse caso, dizemos que se trata de uma pessoa “trans” ou “transgênero”, aquelas que não se identificam com o sexo biológico que nasceram.

Já o termo “homossexual” é utilizado há mais tempo nos formulários de registro, e não se trata de identificação de gênero, mas sim de orientação sexual de uma pessoa, ou seja, por quem sente atração sexual e/ou amorosa. Indivíduos homossexuais são aqueles que sentem atração sexual e/ou amorosa por pessoas do mesmo sexo. “Heterossexual” denomina aqueles que sentem atração por alguém do sexo oposto, e “bissexual” por ambos os sexos. As classificações de orientação sexual podem ser ampliadas, e esses termos estão presentes na ficha de notificação da Mpox.

Pense no quanto é importante que os profissionais da APS compreendam essas definições ao se pensar, por exemplo, em ações de prevenção da saúde sobre a Mpox em seus territórios de atuação.

Em relação à raça/cor, 64% são negros (pretos e pardos). Quando se olha para a escolaridade, dois grupos se destacaram: 51,1% com o Ensino Médio completo e 31,9% com o ensino superior completo. O dado sobre a forma de transmissão traz como destaque a transmissão sexual e, além disso, destaca-se que 40% de dados desse campo não foram preenchidos, o que indica a necessidade de qualificação dessa informação, justamente junto a quem a coleta — lembrando que qualificação não é um processo de cobrança de preenchimento, mas de melhor compreensão dos motivos e dificuldades que levam ao não preenchimento de determinado campo de informação.

A leitura dessa breve descrição do perfil de adoecimento de pessoas por Mpox em uma área de planejamento do Rio de Janeiro localizada na Zona Norte da cidade, possivelmente já traz à nossa mente não apenas um entendimento da dinâmica de transmissão, mas também de insights e ideias de ações, sejam de prevenção ou vigilância, como de abordagem mais específica e focada às necessidades territoriais. Inclusive, conhecer melhor o território e seu contexto político, social e econômico são aspectos estratégicos para o melhor delineamento das ações de cuidado, prevenção, vigilância e controle.

Claro que esse é um perfil de um território específico e pode ser que, de fato, o mesmo padrão se repita, ou não, mas isso você só saberá se proceder à análise dos dados da sua realidade local.

Saiba Mais

Desde que a Mpox foi considerada um evento em saúde pública importante no Brasil, o Ministério da Saúde produz periodicamente Boletins Epidemiológicos Mpox a respeito da situação em nível nacional que estão disponíveis para consulta.