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Mpox: Vigilância, Informação e Educação em Saúde

MÓDULO 2 | AULA 4 O protagonismo dos profissionais de Nível Médio no registro e informação sobre a Mpox

Tópico 1

O registro

Em relação às atribuições dos profissionais de nível médio no processo de registro e notificação da Mpox, pode-se apontar:

  • A identificação de casos suspeitos no território;
  • A possibilidade de preencher a ficha de notificação, em papel ou digital (tratadas também na Aula 2 deste módulo), a depender da realidade municipal. Caso o profissional tenha dúvidas, é importante o diálogo com os demais membros da equipe de APS. Esse preenchimento também pode ser feito em conjunto com diferentes profissionais (agentes de saúde, médicos e enfermeiros);
  • O registro de informações relevantes sobre a condição de vida das pessoas acometidas por Mpox no prontuário (em papel ou digital), enquanto um instrumento que reúne e sistematiza informações importantes para o cuidado e que pode não ter espaço de registro nos sistemas de informações em saúde oficiais;
  • Conhecer o fluxo relacionado à confirmação e registro laboratorial de um caso suspeito de Mpox (no caso, técnicos de enfermagem e alguns profissionais administrativos de nível médio podem, inclusive, realizar o registro laboratorial das amostras biológicas no GAL);
  • O diálogo e a disponibilização de informações a respeito da doença para os indivíduos e coletivos do território, compreendendo o papel estruturante da informação em saúde como um direito. Para ilustrar, tal processo pode ser realizado por meio de atividades coletivas de prevenção e promoção da saúde, como roda de conversa, produção de cartazes ou cards virtuais, atividades artísticas.
  • Essas atividades também devem ser registradas no e-SUS/PEC ou em outro prontuário próprio contratado pelo município (a depender da realidade municipal);
  • Manter o sigilo e a privacidade dos dados e informações pessoais coletadas de casos suspeitos e/ou confirmados.

É válido destacar o que não cabe ao profissional de nível médio quando se trata do tema do registro da Mpox. Dois dos itens que não cabem a esse profissional, por exemplo, são:

  • Proceder ao diagnóstico final da doença;
  • Realizar a prescrição medicamentosa.

Tais atribuições estão restritas, fortemente, ao profissional da medicina e à enfermagem de nível superior.

Porém, não menos importante do que a coleta e o registro imediato dos dados, são seus usos, conforme explanado anteriormente. Afinal, por que é importante que profissionais de nível médio refletirem sobre isso? Não seria suficiente eles coletarem apenas o que precisam coletar e ponto-final?

Na verdade, não só. Lembremos que o processo de produção da informação inicia-se com a coleta (etapa importante, que precisa ser qualificada), mas seu fluxo vai no sentido de aplicar a informação produzida, utilizando-a para apoiar e orientar a tomada de decisão dos profissionais de saúde e dos gestores. Por conta disso, torna-se essencial que os profissionais de nível médio também possam ter acesso aos dados coletados e possam interpretá-los com base em sua visão de mundo.

Por exemplo, voltando a refletir sobre o caso suspeito identificado pela ACS Clara, será que ele é único? Será que existem mais casos suspeitos? Quais são as características sociais e econômicas dessas pessoas? Afinal, se estamos falando do uso da informação no contexto da APS, compreender esse dado de forma contextualizada e territorializada torna-se essencial.

Por isso, ao afirmarmos que os profissionais de nível médio também são protagonistas no processo de produção e uso da informação em saúde, estamos ressaltando a relevância de seu olhar, inclusive seu olhar analítico. Como assim, analítico?

Por exemplo, compreender o que significa a taxa ou coeficiente de incidência da Mpox é essencial. Por mais que não seja a técnica de enfermagem ou o agente de saúde que proceda à realização de tal cálculo, entender o que significa esse indicador e sua interpretação faz parte da dinâmica do processo de trabalho em saúde. Os profissionais de nível médio devem ser capazes, inclusive, de conhecer a taxa de indecência da Mpox de seu território (área de abrangência) para que possam compará-la com a do município, do estado e até mesmo do país. O conjunto de dados quantitativos e medidas muitas vezes utilizadas para compreender a evolução de uma doença ou agravo em um determinado território são “ferramentas” de saúde que devem ser acessíveis e compreensíveis a todas as categorias de trabalhadores da APS.

Saiba Mais

A taxa ou coeficiente de incidência de qualquer doença ou agravo trata-se da relação entre a quantidade de casos novos da doença ou agravo em questão dividida pela população residente de determinado território em um momento específico (local e época). É um indicador de saúde. Dividir os casos pela população permite relativizá-los e dimensioná-los. Por exemplo, 3 casos de Mpox em uma população de 1.000 pessoas é diferente de 3 casos em uma população com 1.000.000 de pessoas. Ou seja, os riscos são distintos; logo, também precisam ser estruturadas intervenções distintas. A compreensão da realidade epidemiológica fornece subsídios que justificam ações pontuais ou permanentes no enfrentamento e controle da doença. Ou seja, permite que não atuemos no escuro. Ah! Importante relacionar que esse dado sobre “casos novos de uma doença” é originado justamente das fichas de notificação que forem preenchidas. Percebeu o quanto é estratégico e relevante o registro dos dados e o quanto ele está relacionado com o cuidado em saúde?

Para saber mais sobre indicadores de saúde, sugerimos que assista ao vídeo:

Vamos continuar exercitando o nosso papel analítico. Veja a tabela adiante, retirada de um Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre Mpox. Observe que há as duas informações: casos e incidência. E, não necessariamente, onde há a maior quantidade de casos será onde haverá a maior taxa, ou seja, o maior risco, pois é necessário levar em consideração a população de cada local. Nesse caso, São Paulo e Rio de Janeiro lideram como os dois estados com a maior quantidade de casos confirmados ou prováveis (114 ao todo). Já as maiores taxas de incidência foram identificadas em Florianópolis e Aracaju.

TABELA 4 — Incidência* a cada 100 mil hab. dos dez municípios com maior quantitativo de casos confirmados e prováveis de mpox segundo a residência – 1º de janeiro a 30 de junho de 2023, Brasil (n = 359)
Municípios Casos confirmados ou prováveis Incidência* a cada 100 mil hab.
São Paulo 64 0,5
Rio de Janeiro 50 0,7
Florianópolis 16 3,1
Recife 16 1,0
Salvador 12 0,4
São Luís 11 1,0
Belém 10 0,7
Manaus 10 0,4
Aracaju 8 1,2
Natal 8 0,9
Fonte:Brasil (2023b)

Uma das atribuições dos profissionais que atuam na APS refere-se à responsabilidade sanitária com o seu território de referência. Tal princípio está delineado na Política Nacional de Atenção Básica. Enquanto princípio, a responsabilidade sanitária indica que os profissionais da APS atuam sob territórios delimitados (áreas de abrangência) e não basta apenas ofertar serviços, mas também conhecer o modo como as pessoas vivem, identificando determinantes e condicionantes que afetam a forma como os indivíduos e grupos sociais adoecem.

Um dos elementos que permite a tais trabalhadores terem responsabilidade sanitária envolve, justamente, conseguir ter acesso aos dados e informações que caracterizam minimamente esse território, seja por meio de fontes oficiais (dados do IBGE, cadastro territorial do e-SUS AB etc.) ou tendo autonomia e protagonismo para construir estratégias próprias de qualificação e uso da informação em saúde.

Para que você possa conhecer algumas experiências práticas que utilizaram informações e registros em saúde, seja para a organização do trabalho ou melhor atuação territorial, lhe convidamos a acessar o Banco de Práticas e Soluções em Saúde e Ambiente do SUS – IdeaSUS. Nele, estão registradas centenas de práticas e muitas destas tem como fio condutor o uso de informações e registros em saúde: https://ideiasus.fiocruz.br/

Saiba Mais

No sentido de qualificar o registro e o uso da informação em saúde no nível local (territórios da Estratégia Saúde da Família), no Brasil, diversos agentes comunitários de saúde criaram documentos próprios para o registro de informações e dados importantes e estruturantes (“estruturante” está sendo utilizado aqui como uma adjetivação para o trabalho a fim de se reforçar que os dados em saúde são importantes para o trabalho e estruturantes (alicerces) para a organização do processo de trabalho. Até mesmo com a incorporação tecnológica, como tablets, tais processos mantiveram-se como uma estratégia por meio da qual o agente de saúde torna-se o protagonista na produção e uso de informações importantes para o seu trabalho. Um desses documentos pode ser denominado como o “Caderno do ACS”. Para conhecer um pouco dessa iniciativa, assista:

Por vezes, o trabalho com dados, registros e informações assume um lugar de “menor importância”, de “função apenas tecnicista de preenchimento”, “custoso”, “moroso” e “chato”. Quando se trata da coleta de dados de uma nova doença, como a Mpox, quando o fluxo ainda está sendo construído, em geral os profissionais se sentem coletando e enviando os mesmos dados de diferentes formas diversas vezes, ou seja, em uma repetição sem fim. Por isso, há necessidade de oportunizar espaços para reflexões que problematizem essa temática no processo de trabalho dos profissionais de nível médio. O trabalho com a qualificação do registro e com o uso da informação em saúde também coloca esses trabalhadores como componentes estruturantes do sistema de saúde. Afinal, não existe produção de informação em saúde sem profissionais. (Leandro et al., 2021).

Nesse sentido, é importante garantir que os trabalhadores tenham disponíveis os recursos necessários para o uso da informação, não apenas os recursos físicos e tecnológicos apropriados, mas também que seja fomentado o desenvolvimento dos recursos cognitivos, como foi feito pelo município da ACS Clara, que estruturou um ciclo formativo sobre Mpox para os profissionais da APS. A centralidade e a relevância desse tema no trabalho dos profissionais de nível médio implica também a garantia concreta de (infra)estrutura de trabalho e de constante qualificação que permita a realização dessas práticas.

Na sua realidade, como é feito o processo de qualificação do registro e o uso da informação em saúde? Isso é algo valorizado?