MÓDULO 1 | AULA 3 Tratamento e prevenção
Introdução
Como veremos a seguir, ainda não temos um tratamento antiviral específico para os casos de Mpox e a principal forma de proteção contra essa doença continua sendo a prevenção. Os profissionais de saúde devem estar capacitados para o atendimento e acolhimento de todos os cidadãos que buscam as unidades de saúde, e preparados para saber desmistificar informações equivocadas, evitando a propagação de estigmas que prejudicam o trabalho de prevenção.
Os casos confirmados e prováveis de Mpox no Brasil tem seguido um perfil sociodemográfico semelhante ao que se vê no restante do mundo
- segundo a variável “sexo de nascimento”, a frequência é maior no masculino.
- e segundo a variável “orientação e comportamento sexual”, a frequência é maior entre homens cisgênero que fazem sexo com homens.
Essa predominância inicial de casos confirmados tem levado a algumas compreensões errôneas que todo trabalhador da saúde pública deve saber desmistificar para evitar a propagação de estigmas que prejudicam o trabalho de prevenção.
Dizemos que existe um estigma quando certas pessoas são discriminadas devido a alguma característica corporal ou social, que é vista como uma marca de valor negativo. Esse valor negativo é usado como justificativa de atos de preconceito e discriminação contra as pessoas estigmatizadas, que passam a ser vistas como perigosas, ruins ou indignas.
Porém, o estigma não é algo natural. A atribuição de um valor negativo a uma marca social ou corporal é uma construção social, ou seja, certos grupos que têm mais poder na hierarquia social estabelecem normas que produzem a desqualificação e a exclusão de outras pessoas, com base em julgamentos morais e estéticos. Esse processo reforça privilégios de quem está “dentro da norma” e exclusões de quem está “fora”. Assim, pode distanciar as pessoas que são estigmatizadas do acesso a bens, recursos e direitos, incluindo o direito à saúde, aumentando sua vulnerabilidade social. Em consequência, as pessoas sujeitas a doenças ou condições estigmatizantes, além de lidarem com as questões de saúde, podem ter que enfrentar medo de exposição, vergonha, culpa e perderem o acesso a cuidados e tratamentos necessários. Além disso, a estigmatização de condições de saúde e infecções pode levar à diminuição da informação da população acerca delas, o que pode aumentar ainda mais a proliferação de casos e agravos.
Como o estigma é reproduzido?
- Em práticas comunicativas;
- Na assistência à saúde;
- Pelos profissionais;
- Por usuários dos serviços;
- Pela própria pessoa estigmatizada.
Por exemplo, na década de 1980, quando os primeiros casos de HIV/AIDS foram identificados no hemisfério norte, foram associados a homossexuais masculinos e, em seguida, a haitianos, a hemofílicos e a usuários de drogas injetáveis, como aS heroína. Como esses grupos já eram marginalizados e associados a práticas sociais “fora da norma”, foram identificados como “grupos de risco”.
Muitas vezes, o estigma leva à culpabilização das pessoas, como se seus comportamentos “desviantes” tivessem sido a causa de suas questões de saúde. Entretanto, o que se verificou foi um aumento de casos em homens e mulheres heterossexuais, o que contraria a percepção do estigma.
O estigma pode levar a atitudes discriminatórias nos serviços de saúde, como: evitar contato físico ou adotar precauções exageradas (como a utilização de dois pares de luvas), recusar assistência ou dar aconselhamento preconceituoso (sugerir não fazer sexo, por exemplo), bem como expor a sorologia positiva da pessoa sem o seu consentimento, além de agressões físicas e verbais. Por isso, os profissionais de saúde precisam estar extremamente conscientes e atentos, a fim de evitar esse processo.
Complementar
Para saber mais sobre a produção de estigma, suas consequências e como evitá-lo, conheça o Curso “Enfrentamento ao estigma e discriminação de populações em situação de vulnerabilidade nos serviços de saúde”, do Campus Virtual Fiocruz.
Como dizíamos, há algumas noções estigmatizantes que precisam ser estudadas por profissionais da Atenção Primária, para serem desconstruídas no processo de educação em saúde. Uma delas é a ideia de que a Mpox é uma doença de homens que fazem sexo com homens.
Vamos desmitificar esse estigma?
A Mpox é uma doença que pode atingir pessoas de qualquer sexo, gênero, comportamento sexual ou idade.
Por mais que se observe maior frequência da Mpox entre pessoas do sexo masculino, tem acontecido no Brasil um aumento dos casos entre pessoas do sexo feminino, como se pode ver por comparação entre os dados coletados até 6/08/2022 e os dados coletados até 30/01/2024. No decorrer desse período, a proporção de casos confirmados no sexo feminino quase dobrou, como podemos verificar na tabela a seguir.
| Casos confirmados e prováveis de Mpox (AGO/2022) | ||
|---|---|---|
| Sexo de nascimento | N (%) | |
| Masculino | 2.108 (95%) | |
| Feminino | 111 (5%) | |
| Casos confirmados e prováveis de Mpox (JUN/2022 a JAN/2024) | ||
|---|---|---|
| Sexo de nascimento | N (%) | |
| Masculino | 10.578 (90,9%) | |
| Feminino | 1.035 (8,9%) | |
| Intersexo | 4 (0,1%) | |
| Sem informação | 20 (0,1%) | |
Observando as variáveis de orientação e comportamento sexual, no mesmo período houve diminuição da frequência de casos confirmados e prováveis entre pessoas do sexo masculino que fazem sexo com homens: nos dados coletados até 06/08/2022, representavam 51,4% dos casos; mas, nos dados coletados até 30/01/2024, representavam 38,5%.
| Casos confirmados e prováveis de monkeypox segundo a orientação e o comportamento sexual por sexo ao nascimento, até 6 de agosto de 2022, Brasil (n = 2.219) | |||
|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino n(%) | Feminino n(%) | Total n(%) |
| Orientação sexual | (n = 1.669) | (n = 111) | |
| Homossexual | 409 (19,4) | 1 (0,9) | 410 (18,5) |
| Heterossexual | 65 (3,1) | 27 (24,3) | 92 (4,1) |
| Bissexual | 39 (1,9) | 0 (0,0) | 39 (1,8) |
| Não informado | 1.595 (75,7) | 83 (74,8) | 1.678 (75,6) |
| Comportamento sexual | (n=2.108) | (n=111) | |
| Relaçao sexual com homens | 1.083 (51,4) | 41 (36,9) | 1.124 (50,7) |
| Relaçao sexual com mulheres | 69 (3,3) | 1 (0,9) | 70 (3,2) |
| Relaçao sexual com homens e mulheres | 73 (3,5) | 2 (1,8) | 75 (3,4) |
| Não informado | 883 (41,9) | 67 (60,4) | 950 (42,8) |
| Casos confirmados e prováveis de mpox segundo a orientação sexual por sexo ao nascimento, de 1° de junho de 2022 até 28 de fevereiro de 2023, Brasil (n= 10.632*) | |||
|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino | Feminino | Total |
| (n = 9.676) n (%) |
(n= 956) n (%) |
(n =10.632) n (%) |
|
| Orientação sexual | |||
| Homossexual | 3.684 (38,07) | 16 (1,7) | 3.700 (34,80) |
| Heterossexual | 879 (9,08) | 446 (46,7) | 1.325 (12,46) |
| Bissexual | 596 (6,16) | 9 (0,9) | 605 (5,69) |
| Outra | 121 (1,25) | 20 (2,1) | 141 (1,33) |
| Não informado | 4.396 (45,43) | 463 (48,6) | 4.861 (45,72) |
| Casos confirmados e prováveis de mpox segundo a orientação sexual e o sexo no nascimento, 1° de junho de 2022 a 30 de janeiro de 2024 - Brasil (n = 11.613*) | |||
|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino | Feminino | Total |
| (n =10.578) n (%) |
(n =1.035) n (%) |
(n = 11.613) n (%) |
|
| Orientação sexual | |||
| Homossexual | 4.072 (38,5) | 18 (1,7) | 4.090 (35,2) |
| Heterossexual | 958 (9,1) | 496 (47,9) | 1.454 (12,5) |
| Bissexual | 660 (6,2) | 10 (1,0) | 670 (5,8) |
| Outra | 114 (1,1) | 9 (0,9) | 123 (1,1) |
| Não se aplica | 15 (0,1) | 10 (1,0) | 25 (0,2) |
| Não informado | 4.759 (45,0) | 492 (47,5) | 5.251 (45,2) |
| Casos confirmados e prováveis de mpox segundo a orientação e o comportamento sexual por sexo ao nascimento, até 6 de agosto de 2022, Brasil (n=2.219) | |||
|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino n (%) |
Feminino n (%) |
Total n (%) |
| Orientação sexual | (n=1.669) | (n=111) | |
| Homossexual | 409 (19,4) | 1 (0,9) | 410 (18,5) |
| Heterossexual | 65 (3,1) | 27 (24,3) | 92 (4,1) |
| Bissexual | 39 (1,9) | 0 (0,0) | 39 (1,8) |
| Não informado | 1.595 (75,7) | 83 (74,8) | 1.678 (75,6) |
| Comportamento sexual | (n=2.108) | (n=111) | |
| Relação sexual com homens | 1.083 (51,4) | 41 (36,9) | 1.124 (50,7) |
| Relação sexual com mulheres | 69 (3,3) | 1 (0,9) | 70 (3,2) |
| Relaçao sexual com homens e mulheres | 73 (3,5) | 2 (1,8) | 75 (3,4) |
| Não informado | 883 (41,9) | 67 (60,4) | 950 (42,8) |
| Casos confirmados e prováveis de mpox segundo a orientação sexual por sexo ao nascimento, de 1º de junho de 2022 até 28 de fevereiro de 2023, Brasil (n = 10.632*) | ||||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino (n = 9.676) |
Feminino (n = 956) |
Total (n = 10.632) |
|||
| n (%) | n (%) | n (%) | ||||
| Homosexual | 3.684 (38,07) | 16 (1,7) | 3.700 (34,80) | |||
| Heterossexual | 879 (9,08) | 446 (46,7) | 1.325 (12,46) | |||
| Bissexual | 596 (6,16) | 9 (0,9) | 605 (5,69) | |||
| Outra | 121 (1,25) | 20 (2,1) | 141 (1,33) | |||
| Não informado | 4.396 (45,43) | 463 (48,6) | 4.861 (45,72) | |||
| Casos confirmados e prováveis de mpox segundo a orientação sexual e o sexo no nascimento, 1º de junho de 2022 a 30 de janeiro de 2024 – Brasil (n = 11.613*) | ||||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| Variáveis | Masculino (n = 10.578) |
Feminino (n = 1.035) |
Total (n = 11.613) |
|||
| n(%) | n(%) | n(%) | ||||
| Homosexual | 4.072 (38,5) | 18 (1,7) | 4.090 (35,2) | |||
| Heterossexual | 958 (9,1) | 496 (47,9) | 1.454 (12,5) | |||
| Bissexual | 660 (6,2) | 10 (1,0) | 670 (5,8) | |||
| Outra | 114 (1,1) | 9 (0,9) | 123 (1,1) | |||
| Não se aplica | 15 (0,1) | 10 (1,0) | 25 (0,2) | |||
| Não informado | 4.759 (45,0) | 492 (47,5) | 5.251 (45,2) | |||
No início do surto de Mpox, os casos se concentraram em pessoas do sexo masculino que fazem sexo com homens porque foi essa a parcela da população que primeiro apresentou os casos da doença. No entanto, o correr do tempo mostrou uma tendência de mudança no perfil demográfico que já foi vista na história de outras doenças, como o HIV/AIDS. Por isso, o estigma sobre determinados gêneros ou práticas sexuais é um erro e ainda por cima atrapalha as práticas de prevenção da doença, induzindo as pessoas a comportamentos descuidados.
Em resumo, há uma prevalência do acometimento em homens, e a transmissão sexual pode ter contribuído para a ocorrência do surto. Dados de diversos países têm mostrado percentuais acima de 75% para o acometimento de homens que fazem sexo com homens. No entanto, as ações de controle e prevenção da doença não podem ser focalizadas exclusivamente nesse público, pois a Mpox também pode infectar mulheres e crianças, e de forma independente de orientação e comportamento sexuais (OMS, 2023). Aprendemos com a epidemia de HIV/AIDS que associar determinada doença a um grupo populacional específico só contribui para aumentar a discriminação, e podemos ver isso acontecer também com a Mpox. Além do aumento de diagnósticos entre mulheres com o avanço da transmissão comunitária, dados do Rio de Janeiro apontam ainda que as mulheres podem ter menor frequência de sinais e sintomas sistêmicos e de lesões genitais, o que contribui para menor identificação de pessoas com suspeita, prejudicando medidas de prevenção e controle, contribuindo para uma transmissão sustentada (Coutinho, 2023).
Mesmo diante dessa constatação, de que a via sexual pode contribuir na transmissão, existem alguns desafios relacionados à consideração da Mpox como uma Infecção Sexualmente Transmissível (ISTs).
São classificadas como ISTs (Infecção Sexualmente Transmissível) as doenças causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos, transmitidas principalmente por meio de contato sexual (oral, vaginal, anal) sem o uso de preservativo interno ou externo, com uma pessoa que esteja com Mpox.
A transmissão de uma IST pode acontecer, ainda, da mãe para a criança durante a gestação, o parto ou a amamentação. De maneira menos comum, as ISTs também podem ser transmitidas por meio não sexual, pelo contato com mucosas ou pele não íntegra com secreções corporais contaminadas. Existem diversos tipos de infecções sexualmente transmissíveis.
Um importante desafio está relacionado à orientação para prevenção da doença: a transmissão da Mpox se dá por contato direto com alguma pessoa com diagnóstico confirmado, inclusive por intermédio da prática sexual.
Por um lado, é importante ter em mente que a exposição ao Orthopoxvirus monkeypox não se limita a pessoas sexualmente ativas, ao mesmo tempo deve-se buscar entender em cada caso as vulnerabilidades daquela pessoa para Mpox e IST, ou seja, deve-se considerar uma abordagem de prevenção combinada. Afinal, é um encontro da pessoa com o serviço de saúde e uma oportunidade para testagem de HIV e outras IST, imunização para hepatites virais, tratamento de parcerias sexuais etc.
De fato, em alguns casos, as erupções cutâneas começam nas áreas genital e perianal, sem se disseminar para outras partes do corpo nem se seguir de outros sintomas. E, realmente, o contato sexual parece ser um importante modo de transmissão da doença. Todas as pessoas com lesões genitais, independentemente do diagnóstico, são aconselhadas a buscar serviços de saúde mesmo que relatem uso de preservativo, porque pode se tratar de uma IST, o que exige diagnóstico e tratamento adequados.
Independentemente da confirmação de Mpox, recomenda-se a prática sexual protegida por preservativo, porque é uma forma eficaz de proteger contra várias outras doenças, independentemente de sexo, gênero, orientação e comportamento sexual.
A nota informativa Nº 6/2022-CGGAP/DESF/SAPS/MS 12.5 diz que:
"Em relação à atividade sexual, a Organização Mundial de Saúde orienta abstenção durante toda a evolução da doença devido à proximidade ocorrida na relação íntima, não por ser considerada infecção sexualmente transmissível".
Fonte