MÓDULO 3 | AULA 1 Prevenção e o papel dos profissionais de saúde na suspeita, encaminhamento e acompanhamento de casos
Introdução
Para começarmos esta aula, é importante que você compreenda o papel dos profissionais de nível médio que atuam na atenção primária na suspeita, no encaminhamento e acompanhamento dos casos.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada a porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS), porque possui um espaço privilegiado de gestão do cuidado individual e coletivo no âmbito de um território específico.
Um dos pressupostos da APS é a organização do processo de trabalho da equipe a partir das necessidades de saúde da população que habita o território que está sob sua responsabilidade de atenção. Desse modo, a equipe multiprofissional de saúde consegue reconhecer os saberes locais que expressam a cultura, a identidade e a trajetória de vida das pessoas que vivem naquele lugar — conhecimento fundamental para a compreensão das concepções e práticas de saúde daquela população. Do mesmo modo, é capaz de identificar os principais determinantes e condicionantes histórico sociais que impactam as coletividades e os indivíduos em seu modo de viver a vida.
Além disso, devido a essa proximidade, a equipe consegue reconhecer as necessidades de articulação com os níveis de maior complexidade tecnológica do sistema.
A APS faz a interconexão entre serviços que, de outra forma, estariam isolados, atuando de modo a garantir a gestão compartilhada da atenção integral. É assim que podemos falar de uma rede de cuidados em que a equipe da APS também tem o papel de acompanhar a atenção prestada ao indivíduo nos outros níveis do sistema (que precisam atuar de forma complementar e contínua), ao mesmo tempo em que fornece todas as informações do histórico do paciente e dos vários recursos por ele acessado, fundamentais para o alcance da qualidade e da resolutividade da atenção.
Por outro lado, quando falamos do modo de viver a vida, falamos de qualidade de vida. E a qualidade de vida de uma pessoa ou de um grupo social está relacionada com as condições de vida dessa pessoa ou desse grupo social.
A compreensão das causas que determinam e condicionam a saúde do indivíduo e das coletividades é fundamental para a elaboração e implantação de políticas públicas, e teve como marco no Brasil a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986.
Em pleno processo de redemocratização do país, a 8ª Conferência Nacional de Saúde foi fruto de um intenso processo de mobilização social, que agregou trabalhadoras e trabalhadores de instituições públicas do setor de saúde, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e outras representações da sociedade civil organizada, totalizando aproximadamente 4 mil participantes. O objetivo comum era a construção de um outro sistema de saúde para o país baseado na premissa da saúde como direito social.
A síntese dos debates foi organizada no relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que serviu de base para o capítulo sobre a saúde na Constituição Federal de 1988, resultando na criação do SUS. No relatório, o primeiro item do tema “saúde como direito” estabelece que:
“Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.”
BRASIL (1988)
Desse modo, conforme foi defendido na 8ª Conferência, o direito à saúde significa a garantia pelo Estado de oferecer condições dignas de vida e de acesso aos direitos sociais conquistados. A organização desigual da sociedade faz com que esses direitos não sejam garantidos para todas e todos de acordo com suas necessidades, desse modo gerando processos desiguais de adoecimento.
Mais recentemente foram integrados aos direitos sociais as questões de saúde e ambiente devido aos impactos do modelo de desenvolvimento econômico e tecnológico e a apropriação intensiva de recursos naturais, econômicos e sociais à qualidade de vida das populações de distintos territórios.
É assim que se passa a conceber que os problemas de saúde possuem uma determinação não somente social, mas também ambiental, caracterizando o que chamamos de determinação socioambiental dos problemas de saúde.
Ter saúde não é somente não ter uma doença no corpo ou ser determinada principalmente pelo acesso a uma consulta médica. Na verdade, é algo bem mais complexo e possui várias dimensões.
E por que essa discussão é importante para um curso de Mpox?
Como em qualquer problema de saúde, a suspeita, o diagnóstico e o acompanhamento do tratamento da Mpox devem ser realizados levando-se em consideração as condições de vida do indivíduo acometido por ela. Do mesmo modo, por ser uma doença contagiosa, a equipe de APS deverá elaborar a melhor estratégia possível para identificar as pessoas que convivem com o caso suspeito ou confirmado, organizando o cuidado a todos os envolvidos.
É importante reafirmar que as principais vítimas da desigualdade estrutural da nossa sociedade, aquelas pessoas que menos acesso têm aos direitos sociais, são as mais vulnerabilizadas. São elas as que irão demandar maior atenção da equipe nas situações de suspeita, confirmação do caso e no acompanhamento posterior.
As ações relacionadas a cada uma das etapas indicadas objetivam evitar a disseminação da doença entre outras pessoas e seu agravamento na pessoa doente. Assim como a possibilidade de utilização das diferentes estratégias de proteção individual e das coletividades serão também determinadas pelas condições sociais desses indivíduos e grupos. Por exemplo, as situações que envolvem o isolamento de um caso suspeito devem levar em consideração as condições efetivas para que essa pessoa possa de fato ficar em casa, sem ter que se preocupar em cuidar de algum familiar ou em ter que garantir o sustento do restante da família ou dos demais moradores do seu domicílio.
É por isso que as equipes de saúde da APS devem identificar fontes de dados e informações para a elaboração de diagnósticos da situação de saúde das populações que estão sob sua responsabilidade, que servirão de subsídios fundamentais na articulação de distintas estruturas sociais, comunitárias e públicas para a defesa de melhores condições de vida para os diferentes coletivos que habitam esses territórios.
A importância de apresentarmos essa discussão neste curso reside no fato de que, para identificarmos casos suspeitos de Mpox, fazermos a referência adequada e darmos apoio ao tratamento prescrito — além de definirmos as estratégias de acolhimento, atendimento e as medidas de prevenção e controle —, deveremos utilizar os vários recursos que a APS pode disponibilizar a partir de sua equipe de saúde ou a partir de mobilização de sujeitos e de estruturas do território em que ela se situa.