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Diabetes Mellitus no SUS
Promoção, prevenção e o fortalecimento do autocuidado

Módulo 2 | Aula 4 Tratamento farmacológico do diabetes: estratégias de uso e peculiaridades no manejo dos pacientes idosos

Tópico 3

Medicamentos utilizados no manejo dos pacientes idosos diabéticos

É importante salientar a importância do controle glicêmico desde o início do diagnóstico do diabetes devido ao conceito da "memória glicêmica".

Este fenômeno foi evidenciado pelos resultados a longo prazo de estudos iniciados nos anos 1990 comparando diabéticos com controle glicêmico intensivo a diabéticos com tratamento convencional da época. Os primeiros não somente tinham menos complicações que os segundos durante o período do estudo, mas o efeito benéfico persistiu depois que todos passaram ao controle glicêmico intensivo. Ou seja, os anos de controle intensivo a mais do primeiro grupo deixaram uma "herança benéfica" nos anos subsequentes.

Saiba Mais

Saiba quais foram os estudos que demostraram o fenômeno de "memória glicêmica":

DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) /EDIC (Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications)

Conduzido em pacientes com diabetes tipo 1, o tratamento intensivo tinha o objetivo de alcançar uma HbA1c inferior a 7% nos primeiros 6 anos do diagnóstico, resultando em uma redução de 57% na incidência de infarto não fatal do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral e morte por doença cardiovascular durante o acompanhamento de longo prazo (9 anos).

UKPD (United Kingdom Prospective Diabetes Study)

Conduzido em indivíduos recém-diagnosticados com diabetes tipo 2, foi observada, 10 anos após a conclusão do estudo, uma redução de 15% no risco de IAM e de 13% na mortalidade por todas as causas no grupo que recebeu tratamento intensivo em comparação com o grupo que recebeu o tratamento convencional da época.

Foto de um par de mãos, uma segura um frasco branco de comprimidos, enquanto coloca os comprimidos do frasco na outra mão.
Fonte: Freepik

Várias classes de medicamentos têm sido utilizadas para alcançar as metas de controle glicêmico adequado. No caso de pacientes idosos com diabetes tipo 2, a preferência deve ser dada às opções com baixo risco de hipoglicemia. Isso ocorre porque entre os principais fatores de risco para hipoglicemia em idosos com diabetes estão o uso de insulina e sulfonilureias, além da duração da doença, uso simultâneo de múltiplos medicamentos, padrões alimentares irregulares, disfunções orgânicas (renais, hepáticas e cardíacas), declínio cognitivo e histórico prévio de hipoglicemia.

A seguir, você confere as principais classes de medicamentos utilizadas no manejo de pacientes idosos diabéticos.

Classe de medicamentos

É uma classe de primeira linha no tratamento do diabetes tipo 2 e tem como principal mecanismo de ação a diminuição da produção de glicose pelo fígado. Assim, não causa hipoglicemias: alguns de seus medicamentos são 'anti-hiperglicemiante' e não 'hipoglicemiante'.

No início do tratamento, o paciente pode ter incômodos gastrointestinais, como diarreia, flatulência, náuseas e redução do apetite, os quais geralmente melhoram em pouco tempo. No entanto, em idosos, é importante estar atento à redução persistente do apetite, pois, se não melhorar, pode levar à desnutrição. Outro efeito adverso, de alguns medicamentos, dessa classe é a redução dos níveis de vitamina B12 no sangue. A dosagem dessa vitamina deve ser realizada anualmente para identificar precocemente uma possível deficiência que possa requerer tratamento substitutivo.

Alguns medicamentos dessa classe são contraindicados em pacientes com insuficiência renal avançada, insuficiência hepática e insuficiência cardíaca, devido ao risco de complicação aguda grave, a acidose láctica. Todavia, no caso da insuficiência renal, estudos recentes têm indicado que pode ser usada com segurança em indivíduos com taxa de filtração glomerularsuperior a 30 mL/min/1,73 m², porém com o cuidado de diminuir as doses pela metade.

Alguns medicamentos dessa classe devem ser descontinuada antes de certos procedimentos cirúrgicos e de administração de contraste iodado, uma vez que podem desencadear insuficiência renal aguda.

Seu principal mecanismo de ação é a redução da resistência à insulina, especialmente nos músculos.

Atualmente, só existe uma única tiazolidinadiona comercializada no Brasil. O estudo IRIS (Insulin Resistance Intervention after Stroke) demonstrou que o medicamento, em pacientes com pré-diabetes, resistência insulínica e histórico de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório, reduziu o risco de recorrência em 24%.

Entre os efeitos colaterais, está o aumento do peso corporal; no entanto, ela também promove a redução da gordura visceral, melhorando a resistência insulínica. Devido à retenção de líquidos, pode causar edema, especialmente em pacientes em uso de insulina, além de anemia e insuficiência cardíaca. Também pode levar à osteoporose e aumentar o risco de fraturas devido ao acúmulo de tecido adiposo na medula óssea. Doses mais baixas podem reduzir o risco de eventos adversos. No entanto, seu uso é contraindicado em pacientes com insuficiência cardíaca e hepática.

Agem aumentando a secreção de insulina independentemente dos níveis de glicemia. São utilizadas no tratamento do diabetes tipo 2 há mais de 50 anos e têm baixo custo.Juntamente com outros medicamentos , são a classe de medicamentos mais amplamente empregados para o tratamento do diabetes tipo 2. Promovem ganho de peso e devem ser evitadas em pacientes idosos devido ao risco de hipoglicemia, especialmente com glibenclamida e clorpropamida; se prescritas, devem ser utilizadas com extrema cautela, dando preferência às sulfonilureias de ação mais curta. São contraindicadas em pacientes com insuficiência renal e hepática.

O uso prolongado das sulfonilureias pode aumentar a probabilidade de falha das células beta do pâncreas.

São inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4).

O bloqueio dessa enzima reduz a degradação do GLP1, principal responsável pelo efeito incretínico. Assim, aumentando a vida média do GLP1, promovem suas principais ações, como a liberação de insulina (mediada pela glicose), a redução da velocidade de esvaziamento gástrico e a inibição da secreção de glucagon (hormônio que aumenta a glicose no sangue). Causam modesta redução nos níveis de HbA1c (0,4-0,9%), e todos os medicamentos dessa classe têm eficácia similar.Nessa classe de medicamentos, a diminuição da glicemia pós-prandial é mais proeminente do que na glicemia de jejum. Por essa razão, medicamentos de outra classe pode ser uma boa opção, devido ao efeito na redução da produção de glicose hepática noturna, ou seja, agindo mais sobre a glicemia de jejum.

Atuam estimulando a insulina mediada pela ingestão de glicose e bloqueiam o glucagon. Promovem também um retardo do esvaziamento gástrico, aumentando a sensação de saciedade e diminuindo o apetite, o que resulta numa perda de peso importante. Além disso, reduzem o risco de doenças cardiovasculares.

Três tipos de agonistas do GLP1 estão disponíveis no Brasil. Não apresentam risco de hipoglicemia em monoterapia, mas esse risco passa a existir se forem usados em associação com sulfanilureias, logo, essa associação, no idoso, deve ser evitada.

Não é recomendado em pacientes com taxa de filtração glomerular inferior a 15 mL/min/1,73m².

É uma nova classe de medicamentos anti-hiperglicemiantes orais aprovada tanto pela ANVISA quanto pela Federal Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos.

Agem diminuindo a reabsorção da glicose no túbulo renal, aumentando a excreção de glicose e sódio na urina, o que resulta na redução da glicemia e da pressão arterial, trazendo benefícios cardiovasculares e renais. Além disso, promovem uma perda discreta de peso e diminuem o risco de hospitalização e morte por insuficiência cardíaca. Essa redução de risco é especialmente significativa, considerando que pessoas com diabetes têm um risco de insuficiência cardíaca de 2 a 4 vezes maior do que aquelas sem diabetes, sendo essa a principal causa de hospitalização em indivíduos acima de 65 anos no Brasil. Os inibidores SGLT2 também reduzem a progressão da nefropatia diabética.

Entre os efeitos colaterais, os inibidores SGLT2 aumentam o risco de infecção do trato urinário e podem elevar os níveis de glucagon, causando cetoacidose euglicêmica, por este motivo, são contraindicados para pacientes com diabetes tipo 1. Essa classe de medicamentos não apresenta risco de hipoglicemia, a menos que sejam usados em combinação com sulfanilureias ou insulina, nesse caso, a dosagem dessas últimas medicações precisa ser ajustada. Recomenda-se adaptar a dose em caso de insuficiência renal crônica, com uma taxa de filtração glomerular inferior a 60ml/min.

Saiba Mais

Vários estudos têm demonstrado uma robusta redução do risco de hospitalização por insuficiência cardíaca em pacientes com diabetes tipo 2 tratados com inibidores do SGLT2. Uma meta-análise dos seis principais estudos envolvendo aproximadamente 50.000 pacientes com diabetes tipo 2 revelou uma redução de 32% no risco de hospitalização por insuficiência cardíaca e uma redução de 15% na mortalidade por doença cardiovascular, em comparação com o grupo que recebeu placebo (um medicamento idêntico ao estudado, mas sem princípio ativo).

Além disso, houve uma modesta, porém significativa, redução de 10% no risco de complicações cardiovasculares agudas, como infarto do miocárdio. Esses benefícios foram consistentes, independentemente da presença ou ausência de doença aterosclerótica cardiovascular.

Em pacientes idosos com diabetes tipo 2, a terapia com insulina pode ser considerada quando as metas de controle glicêmico não são alcançadas com os medicamentos antidiabéticos. Além disso, é indicada para pacientes com glicemia acima de 300 mg/dl, sintomáticos (apresentando fraqueza, perda de peso e poliúria) ou com hemoglobina glicada maior que 10%. No entanto, é importante considerar o risco de hipoglicemia nesses pacientes, evitando esquemas terapêuticos complexos, como múltiplas injeções diárias, privilegiando o uso de insulinas análogas de ação prolongada, como a insulina glargina (disponível no SUS) ou ultra-prolongada, como a insulina degludeca, especialmente em pacientes com complicações crônicas, comorbidades, funcionalidade reduzida ou menor expectativa de vida.

Glossário
Ataque isquêmico transitório

Se diz de um acidente vascular cerebral (AVC) de curta duração e que regride totalmente sem deixar sequelas. Todavia, esse tipo de AVC indica que a pessoa tem alto risco de AVC ulterior e necessita acompanhamento médico.

Resistência Insulínica

Redução da resposta das células do fígado ou do músculo ao efeito da insulina, cujo papel é fazer entrar a glicose dentro das células, assim diminuindo a glicemia (quantidade de glicose na corrente sanguínea).