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Módulo 1 | Aula 2

letramento racial para trabalhadores do sus

Tópico 3

Racismo: estrutura e funcionamento no Brasil - parte II

Várias explicações e abordagens são propagadas para a questão da raça e do racismo no Brasil. Alguns discursos ainda são frequentes no imaginário da sociedade, na mídia e nos debates em geral em torno da questão e estão destacados nos áudios a seguir para que você analise o que eles indicam.

Discursos frequentes no debate racial brasileiro

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“É só parar de falar sobre o racismo que ele acaba”

[Karoline Trindade] - Esse discurso defende que a discussão sobre o racismo seria algo desagradável, se referindo a esta como uma pauta que divide a sociedade e produz conflitos, devendo ser evitada. Ao analisarmos essa fala, indica um mecanismo que opera para que o racismo esteja fora das discussões ao pressupor que o desconforto ou o conflito é que são o problema, e não o racismo. Esse discurso contribui para a manutenção das sistêmicas desvantagens da população negra na sociedade, ao naturalizar, por exemplo, que pessoas brancas possam dizer sem nenhum constrangimento que não entendem nada sobre raça e racismo. Como se pudessem ser neutras acerca do racismo, ignorando que se beneficiam da estrutura racista, e admitindo que só o negro teria interesse no assunto.

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"O Brasil é um paraíso racial"

[Karoline Trindade] - Essa ideia aponta que falar sobre esse tema não só seria incômodo, mas também desnecessário. Afinal, no Brasil, as pessoas supostamente convivem em harmonia, independentemente de raça, cor ou etnia. O argumento se baseia na grande mistura de raças no país, concluindo que, por isso, o racismo não existe.

Essa visão é conhecida como Mito da Democracia Racial, uma narrativa falaciosa que nega que a desigualdade racial entre negros e brancos seja devido ao racismo antinegro. Esse mito defende que há igualdade de oportunidades entre os dois grupos raciais, que somos todos mestiços, logo, iguais e pacíficos. Com isso, nega a estrutura de privilégios, como se as diferenças observadas ocorressem devido ao mérito pessoal. Além disso, compara equivocadamente nossa situação racial com a dos outros países, como se o Brasil fosse um modelo de democracia racial. Esse pensamento está impregnado nas artes, na mídia, nas instituições e em grande parte do imaginário social, apesar de não se sustentar ao analisarmos os indicadores sociais.

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“O Brasil é racista, mas eu não”

[Karoline Trindade] - Esse discurso admite que o racismo está presente nas relações sociais no Brasil, mas os sujeitos e as instituições não se reconhecem como parte do problema. O enfrentamento da discriminação racial seria apenas como uma questão moral e pessoal, em vez de política e estrutural. Essa forma de pensar representa o racismo à brasileira, caracterizado pela manifestação implícita, velada, sutil, nem sempre óbvia, tomado como um tabu.

De acordo com Florestan Fernandes, as pessoas e as instituições não se reconhecem como criadoras e recriadoras do racismo, pois têm “preconceito de ter preconceito”. O racismo é tomado unicamente como um traço imoral e socialmente indesejável, de modo que se evita qualquer associação com ele. Assim, ao evitar se deparar com seu papel no racismo estrutural contribuem para o atraso do alcance da igualdade racial e a manutenção do racismo em suas múltiplas dimensões.

Ora, é possível enfrentar um problema sem falar sobre ele? A suposta harmonia racial sobrevive ao exame dos dados da realidade? É possível reconhecer e enfrentar o racismo sem identificar os racistas? Para todas essas questões, a resposta é não. Para melhor compreendê-las, no nosso próximo tópico discutiremos elementos que caracterizam o Mito da Democracia Racial que, dentre os discursos destacados, têm tido papel central para a legitimação, a atualização e a perpetuação do racismo no Brasil.

Mas, antes disso, acesse a versão em PDF desta aula clicando no botão de download disponível ao lado.