MÓDULO 4 | AULA 3 A vigilância da Mpox no território
Importância de conceitos
Um conceito pode ter um significado importante para nós na vida social, no sentido de ajudar nas práticas cotidianas e, com isso, vir a ter potencial para contribuir na organização de ações. No nosso caso, estamos falando de práticas de vigilância em saúde para o enfrentamento da Mpox.
O conceito pode estar relacionado, por um lado, à possibilidade de contribuir na solução de problemas e, por outro, de acrescentar algo de novo em acordo com as capacidades de ação que nós, seres humanos, possuímos.
Na maioria das vezes, o conceito ajuda diretamente na vida de todos nós, possibilitando e facilitando nosso dia a dia, com sua capacidade de explicação e de dar sentido aos nossos atos. No uso dado pelo senso comum, pode ser utilizado para facilitar a vida e manter a nossa existência. O que pode acontecer é que, devido à praticidade que o conceito adquire em seu uso cotidiano, pode vir a contribuir em análises para o reconhecimento de fenômenos e de situações da vida social.
Nesse sentido, o conceito toma um caráter operacional para atuação e intervenção na realidade ao propor formas de ação. É o caso do conceito de território, que tem potencial para auxiliar em análises da realidade e oferecer outros elementos para a formulação de normas e caminhos possíveis de atuação na saúde.
Território
Território é um desses conceitos científicos que tem o potencial de ajudar em análises para o entendimento e descrição das múltiplas formas de os seres humanos viverem em sociedade e, além disso, conhecer os habitantes de um lugar.
A base da existência humana é o território, onde a vida é construída. Para que a vida aconteça, pessoas e grupos sociais se apropriam e adequam diferentes formas de uso a espaços e lugares.
Todo esse processo de territorialização das ações dos diversos atores sociais apropriando-se e adequando os espaços, concretiza a vida e a convivência entre os atores, produzindo a realidade local em que se vive e trabalha, atribuindo significados aos usos dados aos espaços.
Outro conceito central que se associa ao entendimento de território é o de poder. Ele consiste na essência do que acontece nas relações sociais de apropriação, domínio e adequação sobre o espaço geográfico.
Complementar
Para saber mais sobre o tema, assista ao documentário do Canal Saúde, Territorialidades e ao vídeo Território em saúde: exemplo na Atenção Primária.
Os atores sociais possuem poder e o exercem de acordo com seus interesses e projetos e com sua capacidade de fazer com que ele aconteça e se materialize nos territórios, como:
- As organizações sociais, culturais, religiosas;
- O poder público;
- As empresas — industriais, agrícolas, comerciais e de serviços, nacionais e multinacionais;
- A população;
- Os movimentos sociais;
- As organizações não governamentais (ONGs).
Portanto, é importante compreender as relações que os atores sociais estabelecem entre si, como vivem, se apropriam e utilizam as características dos espaços de vida e com isso se reproduzem socialmente, garantindo assim a continuidade de sua existência na sociedade. Todos eles têm papel decisivo na produção das práticas cotidianas como base para seus projetos de vida e trabalho, com seus problemas e potencialidades, produzindo e reproduzindo suas condições de existência no território.
Ter o poder de exercer ações possibilita a determinados atores sociais, como o Estado e seus setores de governo e empresas, criar formas de planejar e impor, de acordo com seus projetos, a apropriação e uso dos espaços. É o caso do setor saúde e em especial o SUS, que se organiza para atender e planejar políticas de forma territorial ao definir áreas de abrangência para os serviços de saúde e estabelecer regiões para organizar assistência integral aos usuários.
Delimitação Geográfica na Saúde
No Brasil, o setor de saúde adota diferentes delimitações geográficas como estratégia para estruturar e organizar a rede de serviços e a atuação de diferentes profissionais. São exemplos dessa rede: territórios da unidade básica de saúde, territórios de atuação dos serviços de zoonoses, áreas de abrangência das equipes de saúde da família, áreas de referência do atendimento hospitalar, entre outras (Gondim; Monken, 2016).
A apropriação e o uso do território acontecem com base na capacidade dos atores sociais de exercerem algum tipo de interação que propicie construir identidade, regras, vínculos, normas e ordenamento territorial, que se caracterizam por ações que criam formas de uso e ocupação dos espaços geográficos.
Ao se estabelecerem em um lugar, iniciam a territorialização de:
- Histórias;
- Hábitos;
- Normas;
- Costumes;
- Pertences;
- Projetos;
- Desejos;
- Incertezas.
Esses itens definirão, em contextos de convivência entre os diferentes atores, as formas pactuadas e negociadas entre eles para definição das formas possíveis de apropriação, uso e ocupação dos espaços geográficos.
Esse processo de territorialização das ações realizadas pelos diferentes atores sociais se dá de forma simultânea no território, ou seja, tudo acontece ao mesmo tempo, podendo gerar tanto reciprocidade quanto conflitos de interesses, decorrentes de interações diversas.
Pactos e disputas políticas que se dão no cotidiano sobre as diferentes formas de usos possíveis dos espaços geográficos pelos atores sociais, se materializam e organizam o território da maneira mais adequada aos objetivos de cada um, dando contornos específicos de condições de vida e trabalho que determina o estado de saúde das populações.
Esses processos suscitam constantes transformações, que se concretizam por meio da sobreposição de várias intenções de uso e controle do território por diferentes atores ao mesmo tempo, como você verá a seguir.
Para entender a multiplicidade de ações e usos do território, podemos comparar esses processos ao que acontece em uma “quadra polivalente” para uso esportivo. Nesse “espaço” existem demarcações na quadra (que equivale ao território) para diferentes modalidades e tipo de esporte a ser praticado (futebol, basquete, vôlei, handebol, outros) que definem regras diferentes. De forma semelhante, no território, diariamente, acontecem diferentes formas de vida e de uso e ocupação do espaço geográfico com regras próprias à atividade exercida por cada um no cotidiano, que, ao contrário da “quadra polivalente”, ocorrem simultaneamente, envolvendo diferentes pessoas e grupos (Monken; Gondim, 2016).
Existem ainda os atores que atuam de modo clandestino, isto é, os que adotam meios não legais ou até mesmo violentos e impõem novas regras de uso e apropriação territorial que atuam clandestinamente, como facções e quadrilhas do crime organizado, que impõem de forma violenta suas regras de convivência ao território, gerando conflitos que podem aumentar as vulnerabilidades sociais e de saúde.
Nos processos de territorialização, os atores sociais vivem seu cotidiano em constante esforço coletivo para permanecerem no território. Muitas vezes, pode haver situações de precarização socioeconômica no sentido mais básico da manutenção da vida material da existência, à qual quais determinados atores perdem acesso e poder de ação no território e se desterritorializam. São dinâmicas sociais pelas quais se abandona o território (linha de fuga) e de movimento de construção em outro território.
Por exemplo, os trabalhadores rurais sem-terra, os sem-teto, indígenas e quilombolas e os excluídos de processos de revitalização e regeneração urbana (denominada como gentrificação) que são desterritorializados.
Vejamos uma imagem que demonstra a territorialização e a desterritorialização.
Processo de expansão das cidades com a ocupação de periferias e a remoção de populações desses territórios produzindo situações de vulnerabilidades em saúde.
Fonte: Campus Virtual Fiocruz, elaborada com apoio do Gemini (OPENAI, 2025)
No processo de se ter ou não uma situação de ocorrência de casos de Mpox no território, cabe às equipes de saúde identificarem as determinações sociais para definir intervenções de cunho coletivo e individual, usando tecnologias e recursos que impliquem na utilização mais adequada das possibilidades locais de ação para que os resultados sejam mais efetivos, no sentido da resolução dos problemas.