MÓDULO 2 | AULA 2 Como realizar o processo de notificação da Mpox
A notificação compulsória como um instrumento de saúde pública
A palavra “notificação” vem do latim notificare, que significa “dar a saber”. Quando acrescentamos o termo compulsória à palavra notificação, estamos indicando que são situações que devem ser obrigatoriamente notificadas/registradas.
A notificação compulsória, conforme conhecemos hoje, associada, em especial, às ações de vigilância em saúde, tem seu histórico principalmente na Europa, durante o século 19, em especial para as doenças transmissíveis com grande impacto na organização social e econômica da época (Souza; Domingues, 2009).
Além disso, a prática de notificar a ocorrência de doenças também tem outras raízes históricas, remontando à criação de estruturas governamentais voltadas para o controle da população e a gestão da força de trabalho.
O surgimento das companhias de seguros de vida também desempenhou papel significativo, uma vez que essas empresas necessitavam conhecer as condições de saúde de seus segurados. Esse imperativo de quantificação se estendia a diversas esferas da vida social, influenciando a forma como a sociedade era organizada e governada.
A notificação de agravos e doenças de grande impacto de transmissibilidade acontecia de forma sigilosa, não contendo registros em documentos públicos, nem sistemas de informações com dados de usuários com diagnóstico confirmado. Tampouco existiam as fichas de notificações ou outros instrumentos de registro que conhecemos hoje. Entretanto, a obrigatoriedade de notificação de doenças infecciosas e parasitárias teve início na Itália em 1881 e, posteriormente, foi adotada por outros países europeus. Em 1901, todos os estados dos Estados Unidos da América (EUA) passaram a ser obrigados a realizar a notificação dos seguintes agravos: varíola, tuberculose e cólera.
A notificação compulsória é considerada a comunicação de uma determinada doença ou agravo à saúde realizada por um profissional de saúde ou qualquer cidadão, para fins de adoção de medidas pertinentes (Teixeira et al., 1998).
Quando coletadas e organizadas de maneira sistemática, as notificações se integram em sistemas de informações em saúde, permitindo uma análise mais abrangente das características do fenômeno em estudo, incluindo sua distribuição e tendências ao longo do tempo.
São notificadas doenças ou agravos, ou eventos de saúde pública, porém existem diferenças entre esses termos. Vamos ver:
Agravo é qualquer dano à integridade física ou mental do indivíduo, provocado por circunstâncias nocivas, tais como acidentes, intoxicações por substâncias químicas, abuso de drogas ou lesões decorrentes de violências interpessoais, como agressões e maus tratos, e lesão autoprovocada.
Doença conceitua-se como uma enfermidade ou estado clínico, independentemente de origem ou fonte, que represente ou possa representar um dano significativo para os seres humanos.
Doença ou agravos, mas não só, pois também corresponde a uma situação que pode constituir potencial ameaça à saúde pública, como emergências sanitárias, desastres ou epidemia de causa desconhecida. Situações com grande potencial de disseminação, magnitude, gravidade, severidade e vulnerabilidade.
Importante sinalizar que a caracterização de um evento de saúde pública é extremamente relevante e é a base do processo de notificação, permitindo identificar situações inusitadas que se constituam em risco e precisam ser investigadas, como foi o caso das epidemias de zika e sua associação com a microcefalia, chikungunya e, no nosso caso, da própria Mpox (Brasil, 2016; Rezende; Soares; Reis, 2020).
A história da saúde pública, especialmente da vigilância epidemiológica, realça como foi o surgimento da notificação compulsória como um instrumento utilizado por parte do Estado e dos profissionais de saúde.
No Brasil, a criação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, desde 1969, tinha como um de seus objetivos gerais organizar os registros das doenças de notificação compulsória daquele momento de forma sistemática (Medronho et al., 2009). Ao longo do tempo, com a conformação da Vigilância em Saúde, a prática da notificação compulsória se consolidou como estratégica para o monitoramento de doenças, agravos e outras situações de saúde relevantes.
A notificação compulsória de doenças e agravos tem desempenhado papel fundamental na Saúde Pública. É por meio dela, por exemplo, que conseguimos obter os dados necessários para a construção dos indicadores de incidência, prevalência e letalidade de uma doença ou agravo. O Brasil possui uma Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória.
O processo de notificação é dinâmico e sujeito a variações, dependendo das mudanças no perfil epidemiológico da população e do território, dos resultados obtidos com as ações de controle e da disponibilidade de novos conhecimentos científicos e tecnológicos relacionados a doenças ou agravos à saúde específicos (Teixeira et al. 1998).
As diretrizes de notificação devem, portanto, ser flexíveis, ajustando-se às mudanças ao longo do tempo e em diferentes regiões, abrangendo:
- Doenças consideradas;
- Áreas geográficas afetadas;
- Conteúdo das informações necessárias;
- Critérios para a definição de casos;
- Periodicidade na transmissão de dados;
- Modalidades de notificação;
- Fontes de informação utilizadas (Teixeira et al. 1998).
A questão da obrigatoriedade da notificação de doenças e agravos no Brasil tem aspectos promissores para a saúde pública. Uma das finalidades é ampliar a cobertura no sistema de saúde a partir de notificação de casos suspeitos, o que aumenta a sensibilidade do sistema de vigilância, garantindo que a maioria dos casos verdadeiros sejam notificados. Além disso, abre a possibilidade de o sistema de saúde utilizar seus instrumentos e ferramentas para as medidas de prevenção e controle, não precisando ou necessitando de uma confirmação laboratorial vigente.
Como dito, a questão que norteia a expressão “compulsória” vem da obrigatoriedade dos profissionais de saúde, especialmente daqueles que estão realizando seu processo de trabalho na ponta do serviço de saúde, de notificar doenças e agravos em forma de registros na ficha de notificação e, posteriormente, no sistema de informação em saúde, em especial no SINAN. Alguns profissionais de saúde ainda não percebem o sentido e a importância dessa atividade em seus processos de trabalho e a relevância dos resultados de uma simples notificação (Medronho et al., 2009).
A notificação compulsória de doenças e agravos no Brasil ainda apresenta desafios, dentre os quais destaca-se a fragilidade de conhecimentos dos profissionais de saúde e da população. Para tentar colaborar nessa reflexão, alguns autores fizeram um estudo intitulado O registro das doenças de notificação compulsória: a participação dos profissionais da saúde e da comunidade elencando uma série de elementos que nos ajudam a problematizar essa questão. Convidamos você a fazer a leitura desse material.
Na nossa história fictícia foi importante a ACS Clara ter viabilizado o atendimento de triagem para Ana. Assim, a enfermeira pôde identificar que se tratava de um caso suspeito de Mpox que precisava ser obrigatoriamente notificado. A enfermeira passou por um processo formativo no qual esse tema foi abordado, qualificando sua atuação profissional no processo de produção da informação em saúde. Sabemos que, algumas vezes, a produção da informação não é valorizada, por mais que ela precise obrigatoriamente ocorrer. Sendo assim, lhe convidamos a uma reflexão antes de avançarmos para o próximo tópico desta aula: como funciona o processo de notificação compulsória da Mpox na sua realidade?
O Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta, em sua estrutura organizacional, atividades essenciais no processo de produção da informação em saúde que envolvem diferentes etapas, que vão desde o processo de coleta de dados até a produção e a disseminação de informação. A notificação compulsória é uma estratégia utilizada justamente para a obtenção de dados e informações de doenças e agravos considerados estratégicos e relevantes para o acompanhamento sanitário e epidemiológico, o que torna essa prática obrigatória. O registro dos casos notificados deve seguir um fluxo, um “caminho”, para que esses dados sejam consolidados e informados à autoridade sanitária. Porém, quem faz essa notificação?