Algumas situações como: precariedade, conflito e discriminação tendem a comprometer a saúde das pessoas, e na prisão é comum encontrar esse conjunto de fatores.
Por isso, é importante destacar as dificuldades e desafios de viver neste ambiente. Há rivalidades, pressões psicológicas, o poder manifestado pelas facções criminosas e opressão. Nesse cenário, surge o medo real de manter sua integridade física e psíquica, que de fato, nem sempre pode ser garantida, e com isso as PPL podem vir a óbito devido a homicídios ou suicídios.
A situação da saúde mental nas prisões é alarmante e as taxas de suicídio são muito mais elevadas entre pessoas que estão vivendo em cárcere, quando comparadas com as taxas da população geral, mas ainda é necessário fazer uma análise mais detalhada das causas e consequências desses acontecimentos.
Com relação àas condições de saúde física, entre as PPL foram registrados 33.125 casos de doenças infecciosas, incluindo HIV, hepatites virais, sífilis e tuberculose em 2021.
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Veja esses dados sobre a tuberculose nesse contexto:
A PPL tem risco 35 vezes maior de adoecer por tuberculose em comparação com a população geral e contribui com 11,2% da carga entre os casos novos de tuberculose no Brasil. A taxa de incidência da tuberculose nesta população é de 1021,8 casos por cem mil habitantes.
Casos novos de tuberculose diagnosticados em populações vulneráveis. Brasil, 2015 a 2021**Dados preliminares, sujeitos a alteraçãoFonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação / Secretarias Estaduais de Saúde / Ministério da Saúde
Você já refletiu sobre quais são as dificuldades em diagnosticar e tratar doenças infecciosas nas PPL, e como se manifesta o estigma das doenças transmissíveis no sistema prisional?
A testagem de HIV, hepatites virais e sífilis deve ser prioritariamente ofertada no ingresso (acolhimento) da unidade prisional, mas a situação da pandemia da COVID-19, a limitação de recursos humanos, a estrutura física das unidades prisionais, a superlotação e a falta de capacitação para esta abordagem impedem que esta estratégia seja executada em todas as unidades penais (UP).
Por isso, parte desta população tem acesso ao diagnóstico de HIV tardiamente, em situação de adoecimento, com grave comprometimento de sua imunidade. Nesses casos, hospitalizações podem ser necessárias e a garantia do acesso a estes serviços deve acontecer conforme implantação das políticas públicas localmente (rede de assistência municipal ou intermunicipal àa saúde do SUS).
Alguns ingressantes informam, no momento da admissão, seu status sorológico prévio em relação ao HIV, hepatites e sífilis, tuberculose ou hanseníase. Desta maneira, as equipes de atenção primária prisional devem buscar registros deste diagnóstico, histórico de tratamento anterior e planejar o cuidado durante sua estadia na UP. A equipe busca igualmente elaborar e enviar a sua transferência por ocasião da saída da UP.
Vale destacar que a aquisição e distribuição de preservativos à PPL é uma das medidas de prevenção às IST que precisa ser garantida. Há relatos de que este direito não é cumprido em todos os cenários.
É importante também reconhecer que a discriminação ocorre na sociedade de uma maneira geral e entre os trabalhadores(as) do sistema prisional, quer sejam da administração, da polícia penitenciária ou mesmo de trabalhadores(as) da saúde. Além disso, há estigma e discriminação entre o próprio grupo de encarcerados, expressas por situações de humilhação, segregação, violência psicológica e, por vezes, violência física por um diagnóstico de uma doença transmissível. A falta de informação sobre as possíveis formas de transmissão do HIV, hepatites virais e a tuberculose contribuem para agravamento desta situação.
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Veja o relato de uma mulher trans que tem doença infecciosa e como ela percebe esta realidade.
Fonte: Educare
E como se dão estas relações entre a PPL identificada com uma doença infecciosa, outras PPL e os(as) trabalhadores(as) e gestores(as) das UP?
Esta etapa pode ser um desafio para os(as) trabalhadores(as), pois conseguir tempo necessário, um espaço privativo e seguro para este aconselhamento nas UP é difícil. Sabemos que é necessário conhecer o grau de compreensão do paciente sobre as doenças transmissíveis, explicar sobre os procedimentos e orientações gerais sobre os exames, seus resultados e formas de prevenção. Por isso, é comum que essas abordagens sejam feitas no corredor ou mesmo diante de outras pessoas, e apenas o momento do resultado do exame ocorre de forma privativa.
Nesse cenário, os(as) trabalhadores(as) da saúde das UP precisam realizar adaptações e pensar em novas estratégias para alcançar a cobertura das testagens, a fim de que os resultados cheguem adequadamente às pessoas testadas.
Quando ocorre o diagnóstico de HIV, surgem novas questões: como manter o sigilo para as consultas e entregas de medicamentos aos pacientes com HIV, e como fazer para garantir este direito dentro das UP?
É direito de cada cidadão manter sigilo sobre seu diagnóstico e tratamento, bem como decidir com quem compartilhar. Cabe à equipe de atenção primária conhecer a opinião de cada paciente e buscar estratégias para assegurar o acesso ao tratamento sem exposição dele.
O relato de André (nome fictício) é ilustrativo:
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Fonte: Freepik
Eu descobri o HIV dentro do presídio. Fiquei doente, procurei a “enfermaria” e a enfermeira fez os exames e me contou que o teste de Aids estava positivo. Daí colheu mais sangue para outros exames e consultei com o médico. Ele me explicou que se eu me tratasse não iria morrer de Aids, aceitei tomar os remédios, mas não quero que levem na cela para mim, tenho medo de que meus colegas descubram... Ainda há preconceito... Já vi isto acontecer com outros...
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