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Diabetes Mellitus no SUS
Promoção, prevenção e o fortalecimento do autocuidado

Módulo 3 | Aula 3 Complicações microvasculares e mistas e estratégias de prevenção

Tópico 4

Neuropatia do pé (pé diabético)

O que é?

Figura ilustrativa de um pé diabético, o pé está com uma mancha e machucados, um dos machucados está detalhado, uma abertura avermelhada na pele.
Fonte: Freepik

A microangiopatia diabética pode afetar os pequenos vasos que irrigam os nervos, comprometendo sua função, especialmente na transmissão de informações sobre dor, temperatura ou toque para o cérebro. Essa perda de sensibilidade tem consequências mais graves nos pés. Sem essa percepção, há um risco aumentado de surgirem feridas na pele, que, se não detectadas e tratadas precocemente, podem evoluir para úlceras (uma escavação nos tecidos moles do pé). Embora as úlceras geralmente não causem dor devido à falta de sensibilidade, sua cicatrização é lenta e incerta: em um terço dos casos, ocorrem complicações como gangrena ou infecção óssea, muitas vezes levando à amputação.

Além disso, a neuropatia diabética em estágios avançados frequentemente se associa a deformações nos pés, como dedos "em garra" ou aumento do arco plantar, aumentando o risco de abrasão ao criar zonas de vulnerabilidade devido à maior pressão no chão ou atrito entre o pé e o sapato. É importante destacar que a presença de doença arterial periférica (DAP), ou seja, aterosclerose das artérias dos membros inferiores, muitas vezes associada à neuropatia diabética, complica tanto a formação quanto a cicatrização de úlceras. A DAP prejudica a oxigenação local e a regeneração dos tecidos, sendo a principal causa de gangrena quando esta ocorre.

E aqui vai uma dica: quem tem diabetes capricha nos pés!

Apesar da importância do rastreamento no serviço de saúde para a implementação de medidas preventivas reforçadas contra úlceras quando indicado, o autocuidado é fundamental, mesmo quando ainda se tem sensibilidade normal nos pés. Esse autocuidado é simples e lógico, visando evitar atritos, abrasões ou rachaduras na pele dos pés.

Faz parte das ações fundamentais dos serviços de atenção básica ensinar e incentivar esse autocuidado junto aos pacientes diabéticos.

Rastreamento

É recomendado realizar o rastreamento anual do pé diabético desde o momento do diagnóstico do diabetes tipo 2 e a partir de cinco anos após o diagnóstico em pessoas com diabetes tipo 1.

O primeiro passo envolve um exame visual detalhado, buscando por deformidades, calos, edema (inchaço), palidez (potencialmente indicativa de doença arterial periférica) ou, ao contrário, vermelhidão ou roxidão (pode indicar neuropatia), além de verificar a presença de lesões existentes ou úlceras que, por descuido do paciente, podem ter sido ignoradas.

Em seguida, deve-se avaliar a sensibilidade protetora do pé através do teste com monofilamento de 10 gramas. Este teste utiliza um pequeno filamento semi-rígido (ver imagem) que o examinador aplica em 4 a 10 pontos de maior pressão na planta de ambos os pés, sem que a pessoa examinada veja o momento do toque. O paciente deve indicar se sente ou não o filamento, que é pressionado com força suficiente para curvá-lo ligeiramente. O monofilamento é aplicado três vezes em cada ponto, intercalando com pelo menos uma aplicação simulada (sem pressão). A sensibilidade protetora é considerada presente se pelo menos duas respostas corretas forem dadas em três aplicações.

Técnica de aplicação do monofilamento. Fonte: Manual do Pé Diabético. Ministério da saúde (2016)

Por último, deve-se avaliar a presença de insuficiência vascular. Um histórico de tabagismo pode ser suficiente para suspeitar dessa condição. O diagnóstico clínico é feito através da palpação dos pulsos nas pernas e nos pés. É importante observar que o sinal mais reconhecido de doença arterial periférica, a claudicação intermitente (dor intensa na perna ao caminhar certa distância, que melhora após alguns minutos de repouso, mas retorna ao caminhar a mesma distância), muitas vezes não está presente em pacientes diabéticos com neuropatia.

Para Assistir

Exame do Monofilamento com o vídeo

Fonte: Acervo de Recursos Educacionais em Saúde (ARES). Youtube

Classificação do risco e medidas de prevenção das úlceras do pé

Após o rastreamento, é essencial realizar a classificação do risco identificado, pois isso determinará diversas opções para o acompanhamento e tratamento preventivo de úlceras.

Classificação do risco e medidas de prevenção das úlceras do pé em pacientes diabéticos.

Dividido em quatro colunas e quatro linhas, as colunas estão divididas por: nível de risco, definição clínica, recomendações de tratamento e recomendações de seguimento.

Com o nível de risco zero, a definição clínica é Perda de sensibilidade protetora (PSP) e doença arterial periférica (DAP) ausentes, as recomendações de tratamento são Educação do paciente, incluindo aconselhamento sobre calçado adequado, e a recomendação de seguimento é anual, por uma equipe generalista (previamente treinada).

Seguindo a mesma ordem: nível de risco 1, PSP mais ou menos deformidade, considerar o uso de sapatos especiais, considerar cirurgia profilática se a deformidade não puder ser acomodada nos calçados, continuar a educação do paciente. A cada 3 a 6 meses, por equipe generalista; se houver deformidades, por equipe especialista.

Nível de Risco 2, DAP mais ou menos PSP, considerar o uso de sapatos especiais (ou customizados), instituir consulta com cirurgião vascular para seguimento conjunto. A cada 2 a 3 meses (por equipe especialista).

Nível de risco 3, Histórico de Úlcera ou amputação, considerar o uso de sapatos especiais (ou customizados), instituir consulta com cirurgião vascular para seguimento conjunto. A cada l a 2 meses (por equipe especialista).

A tabela resume de forma clara o manejo complexo e multidisciplinar necessário para a prevenção da progressão da neuropatia diabética no pé.

A educação para o autocuidado, o rastreamento anual, assim como o controle adequado da glicemia e da pressão arterial, são elementos essenciais nos serviços de atenção básica para pacientes com diabetes. Se houver sinais de perda de sensibilidade protetora, a pessoa com diabetes deve ser encaminhada a um podólogo, que pode adaptar os sapatos para aliviar áreas de pressão, inclusive por meio da prescrição de palmilhas personalizadas. Um ortopedista pode recomendar correção cirúrgica para deformidades nos pés. Em casos de doença arterial periférica associada, a intervenção necessária seria realizada por um cirurgião vascular, que pode sugerir procedimentos de revascularização.

Assim como na retinopatia e nefropatia, para proteger os pacientes com diabetes contra complicações graves da microangiopatia, é fundamental ter uma rede de atenção à saúde eficiente, ágil e capaz de oferecer soluções rápidas.