Módulo 3 | Aula 3 Complicações microvasculares e mistas e estratégias de prevenção
Retinopatia diabética
O que é?
Embora pequeno em tamanho, o olho é um órgão muito complexo. O diabetes pode afetar quase todos os elementos anatômicos que o constituem: pálpebras e vias lacrimais, córnea (parte transparente na frente do olho), cristalino (funcionando como lente para focar as imagens na retina), e a pressão intraocular (cuja elevação define o glaucoma).
As alterações que mais ameaçam a visão ocorrem na camada interna do olho, a retina, que transmite ao cérebro os sinais de luz que recebe (as imagens), e no centro dela, na parte posterior do olho, a mácula, região onde a imagem se forma com maior nitidez.
A retinopatia diabética (RD) é caracterizada por lesões nos vasos capilares que irrigam a retina. Essas lesões, chamadas de microaneurismas, formam pontilhos que podem ser observados na rede vascular da retina durante o exame de fundo de olho, ou fundoscopia.
A lesão da retina pode desencadear o edema macular (espessamento causado pelo acúmulo de líquidos na região da mácula), que pode estar associado a qualquer estágio da retinopatia diabética e evoluir de forma independente.
Classificação e detecção precoce
A retinopatia diabética é assintomática nas suas fases iniciais, podendo ser detectada apenas pela fundoscopia, que permite identificá-la e classificá-la de acordo com seu grau de gravidade, conforme a tabela abaixo. O edema macular também possui graus de gravidade, dependendo do grau de espessamento e, sobretudo, da proximidade em relação ao centro da mácula, que compromete mais a visão.
Quadro com a classificação da Retinopatia Diabética (RD):
- RD não proliferativa (RDNP) leve, Apenas microaneurismas.
- RDNP moderada, Microaneurismas MAIS outros sinais (hemorragias, exsudatos - vazamentos -, manchas em flocos de algodão)
- RDNP grave, Qualquer uma dessas três alterações:
* hemorragias nos 4 quadrantes da retina
* Dilatações venosas em 2 ou mais quadrantes
Alterações vasculares intrarretinianas em pelo menos um quadrante:
- RDNP muito grave, Presença de duas das três alterações do quadro de retinopatia diabética não proliferativa grave.
- RD proliferativa, Proliferação de vasos capilares (neovascularização) e/ou hemorragia pré-retiniana ou do vítreo.
Classificação da Retinopatia Diabética (RD) | ||||
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RD não proliferativa (RDNP) leve | Apenas microaneurismas | |||
RDNP moderada | Microaneurismas MAIS outros sinais (hemorragias, exsudatos – vazamentos –, manchas em flocos de algodão) | |||
RDNP grave |
Qualquer uma dessas três alterações:
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RDNP muito grave | Presença de duas das três alterações do quadro de retinopatia diabética não proliferativa grave | |||
RD proliferativa | Proliferação de vasos capilares (neovascularização) e/ou hemorragia pré-retiniana ou do vítreo |
A detecção precoce é primordial, uma vez que existem intervenções preventivas eficazes para evitar o agravamento da condição. A detecção pode ser realizada de duas maneiras:
- Por especialista, utilizando oftalmoscopia direta ou indireta, ou exame biomicroscópico da retina com lâmpada de fenda.
- Por fotografia da retina (retinografia digital realizada por meio de um retinógrafo não midriático – sem dilatação das pupilas), com leitura por pessoa adequadamente treinada, o que pode ser feito via telemedicina.
O rastreamento da Retinopatia Diabética (RD) é recomendada em adultos com diabetes tipo 1 após cinco anos de diagnóstico da doença. Para pessoas com diabetes tipo 2, o rastreamento deve ser iniciado no momento do diagnóstico. Após o rastreamento inicial da RD e na ausência dela, ou em casos de RD leve, a maioria das diretrizes recomenda acompanhamento anual. No entanto, um estudo de custo-efetividade sugere intervalos de até 3 anos quando exames anteriores não detectaram retinopatia. Para casos de RD moderada ou grave, recomenda-se uma frequência maior de revisões.
Para ser efetivo, o rastreamento deve prever acesso ao atendimento oftalmológico quando indicado. No entanto, sabe-se que há uma dificuldade de acesso a esses especialistas. Um estudo em Porto Alegre mostrou que a espera por uma consulta especializada com um oftalmologista podia chegar a 19 meses (Bortoli et al., 2022). Por isso, seria interessante fortalecer o uso de programas que utilizam a fotografia retiniana com leitura remota para aliviar a demanda sobre os oftalmologistas e ampliar o acesso ao rastreamento da RD. É importante ressaltar que desenhar e implementar uma política de rastreamento e encaminhamento adequado quando necessário é crucial para proteger pacientes diabéticos das complicações retinianas graves.
Medidas de prevenção e tratamento da retinopatia diabética
Otimizar o controle glicêmico e o controle da pressão arterial reduz o risco de surgimento ou progressão da retinopatia diabética. A atividade física, especialmente de intensidade moderada, também protege contra a RD, enquanto o sedentarismo parece aumentar o risco de desenvolver a complicação. No entanto, se estiver presente retinopatia não proliferativa grave ou proliferativa, os exercícios de intensidade vigorosa devem ser evitados para reduzir o risco de desencadear hemorragia do vítreo ou descolamento de retina.
Pessoas com diagnóstico de edema macular, retinopatia diabética não proliferativa grave ou retinopatia proliferativa devem ser encaminhadas a um oftalmologista com experiência no manejo da RD.
O tratamento padrão-ouro para reduzir o risco de perda visual é a fotocoagulação panretiniana a laser. O procedimento reduz o risco de cegueira em 5 anos em 90% e a taxa de desenvolvimento da perda de visão por edema macular em cerca de 50%. Esse efeito é primariamente preventivo, pois não reverte a perda visual já ocorrida.
O procedimento é realizado com um aparelho que emite um feixe de luz focalizado através da pupila, o qual aquece e forma tecido de cicatrização pontinho por pontinho na retina. Isso faz com que vasos capilares anormais se encolham, impedindo a proliferação de outros vasos sanguíneos e reduzindo vazamentos de sangue que danificam a retina. O procedimento é rápido (alguns minutos), minimamente invasivo (não requer anestesia) e muito seguro, com poucos riscos ou efeitos colaterais.
As anti-VEGF (Vascular Endothelial Growth Factor, fator implicado no crescimento da neovascularização), diretamente dentro do olho, são uma alternativa segura e eficaz para o tratamento da retinopatia proliferativa, sendo a terapia-padrão na prevenção da perda de visão em pacientes com edema macular. No entanto, o custo limita sua maior disponibilidade no momento.
Na ausência de rastreio para estágios precoces, alguns sinais de alerta para retinopatia ou edema macular grave incluem:
- Perda de acuidade visual,
- Visão turva persistente por mais de um ou dois dias (não relacionada a variações da glicemia),
- Presença de pontos negros fixos no campo de visão (indicativos de edema macular).
É crucial encaminhar o paciente ao oftalmologista com urgência em caso de perda súbita de visão, hemorragia vítrea ou sinais de descolamento de retina, como percepção de luzes piscando, visualização de corpos flutuantes, ou sensação de sombra ou cortina no campo de visão.