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Diabetes Mellitus no SUS
Promoção, prevenção e o fortalecimento do autocuidado

Módulo 3 | Aula 2 Complicações cardiovasculares e estratégias de prevenção

Tópico 3

Prevenção das doenças cardiovasculares ateroscleróticas

Molde um coração colorido, ao lado dele um estetoscópio.
Fonte: Freepik

A abordagem preventiva das doenças cardiovasculares ateroscleróticas baseia-se no controle dos seus principais fatores de risco e é semelhante à recomendada para a população em geral. Apenas o controle da glicemia constitui o elemento específico da prevenção cardiovascular em pessoas com diabetes.

A seguir, detalharemos as principais medidas a serem tomadas ou priorizadas para evitar o desenvolvimento das complicações ateroscleróticas do diabetes.

Assim como para o resto da população e como recomendado como primeira medida no tratamento do diabetes (para prevenir doenças cardiovasculares ateroscleróticas), é essencial incentivar mudanças de estilo de vida, como adotar uma alimentação mais saudável, praticar regularmente atividade física e reduzir o sedentarismo. Isso não só contribui para a prevenção cardiovascular, mas também melhora o controle da pressão arterial, da glicemia e a saúde em geral.

Considerando que o hábito de fumar é o principal fator de risco de morte por qualquer causa, é fundamental priorizar a cessação desse hábito e oferecer apoio para que as pessoas consigam parar de fumar.

É verdade que atualmente mais de 90% dos brasileiros não são fumantes ou deixaram de fumar, fruto das políticas públicas exitosas de combate ao fumo que o país deslanchou desde 1989 (Portes, 2018). No entanto, a taxa de fumantes entre os diabéticos, que enfrentam um risco cardiovascular duas vezes maior que as pessoas sem diabetes, não está muito abaixo da média nacional: em 2013, o inquérito Vigitel sobre fatores de risco e proteção para doenças crônicas indicava uma prevalência de 11,3% de fumantes na população adulta brasileira; no mesmo ano, a Pesquisa Nacional de Saúde mostrou que 9,7% dos diabéticos eram fumantes (Dos Reis, 2021). Portanto, ainda há espaço para convencer os diabéticos fumantes sobre os danos causados pelo tabagismo, começando pela exposição ao maior risco cardiovascular que enfrentam em comparação à população não diabética, seguido pelos impactos comprovados do tabaco nas artérias, especialmente no contexto do risco significativo de amputação de membros inferiores.

Outro fator de risco cardiovascular bem conhecido é a hipertensão arterial sistêmica (HAS). Ela está associada ao diabetes (entre 50 a 75% dos diabéticos também são hipertensos, enquanto na população geral a frequência é de 20 a 40%) e deve ser tratada de forma intensiva. Segundo as Diretrizes 2017-2018 da Sociedade Brasileira de Diabetes, o objetivo é alcançar valores de pressão arterial sistólica abaixo de 130 mmHg e pressão diastólica abaixo de 80 mmHg, se tolerado.

No entanto, alcançar um controle da pressão arterial para valores menores que 140/90 mmHg (alvos recomendados para todos os hipertensos) já traz benefícios na prevenção cardiovascular em pacientes diabéticos. Além do tratamento não medicamentoso, sempre recomendado como base, muitas vezes é necessário adicionar medicamentos anti-hipertensivos para atingir essas metas. Em primeira linha, são privilegiados os bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), representados por duas classes farmacêuticas: os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs) e os bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRAs). Estes medicamentos têm efeitos mais protetores sobre a função cardíaca e renal do que outras classes, o que é particularmente importante para pacientes diabéticos, dado o risco elevado de deterioração dessas duas funções.

Anomalias nos lipídios (altos níveis de colesterol e/ou triglicérides) também são fatores de risco cardiovascular e devem ser monitoradas em pacientes diabéticos

Existem medicamentos que reduzem o colesterol elevado e comprovadamente diminuem o risco cardiovascular, tanto em diabéticos quanto em não diabéticos: são as estatinas. A decisão de prescrevê-las não deve ser baseada apenas nos níveis de colesterol, mas sim no risco global do paciente diabético de sofrer um evento cardiovascular (como infarto do miocárdio, AVC ou morte cardiovascular) nos próximos 10 anos.

A tabela a seguir, desenvolvida para a Região Tropical da América Latina (Brasil e Paraguai) por peritos do Grupo de Trabalho da OMS, apresenta esse risco. Se o risco for igual ou superior a 20%, deve-se considerar a prescrição de estatina:

  • Como alvo terapêutico de colesterol LDL (fração do colesterol total ligada a lipoproteínas de baixa densidade – Low Density Lipoproteins em inglês) menor ou igual a 70 mg/dL ou,
  • Como alternativa em prevenção primária, a redução de 25 a 30% no valor do colesterol LDL pré-tratamento.

Para alcançar esses objetivos, pode ser necessário substituir a estatina por outra mais potente.

Glossário
Prevenção primária

Prevenção em pessoas que ainda não sofreram complicações cardiovasculares ateroscleróticas agudas, como infarto do miocárdio ou AVC.

Fonte: Organização Mundial da Saúde description Baixe aqui a tabela completa

Por fim, chegamos ao manejo do fator específico que define o diabetes, a hiperglicemia, na prevenção das complicações cardiovasculares ateroscleróticas.

Vale ressaltar primeiro que o benefício da intensificação do controle glicêmico é consideravelmente menor, em termos absolutos, do que o benefício obtido com anti-hipertensivos e estatinas.

Ensaios de controle glicêmico subsequentes ao UKPDS, mencionado anteriormente, geralmente mostraram apenas efeitos discretos na prevenção da cardiopatia isquêmica e nenhum benefício significativo em termos de mortalidade por doença cardiovascular ou por todas as causas (exceto para a metformina, que é sempre prescrita como antidiabético de primeira linha).

Por outro lado, a intensificação do tratamento com antidiabéticos que têm efeito hipoglicemiante, como sulfonilureias ou insulina, aumenta consideravelmente o risco de hipoglicemia grave, o que pode comprometer significativamente a qualidade de vida, sem um benefício cardiovascular claro.

No entanto, ensaios clínicos com antidiabéticos de nova geração, como os agonistas do receptor do GLP1 (arGLP1)GLP1 (arGLP1) e os inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (ISGLT2), demonstraram redução de eventos cardiovasculares na prevenção secundária (em pessoas já com doença cardiovascular), embora com um efeito modesto, inferior a 15%. Atualmente, seus efeitos na prevenção primária ainda são desconhecidos.

Em suma, prevenir as doenças cardiovasculares ateroscleróticas em pessoas com diabetes é possível e requer:

  • Avaliar o risco cardiovascular na avaliação inicial e a cada 3 ou 5 anos, para definir e priorizar as intervenções terapêuticas e preventivas necessárias.
  • Estabelecer metas específicas para as medidas adotadas (níveis de glicemia e pressão arterial a serem alcançados, cessação do tabagismo, etc.).
  • Monitorar regularmente se as metas estão sendo alcançadas e ajustar os tratamentos conforme necessário.

É importante destacar que para alcançar esses objetivos, a participação ativa da pessoa com diabetes é fundamental: ela deve compreender os objetivos do tratamento ou das medidas preventivas, receber suporte para mudanças no estilo de vida e comparecer regularmente aos serviços de saúde para exames de monitoramento. Não se trata mais apenas de ser paciente, mas de ser uma parceira ativa, e cabe aos profissionais de saúde prepará-la para esse papel.