Série 1 | Curso 2

Panorama Histórico da Ciência Aberta

Aula 7

Qual Ciência Aberta precisamos?

A abertura do processo de produção do conhecimento científico parece se impor como um horizonte inexorável, dadas as pressões de governos, agentes de fomento e editores científicos. No entanto, vale problematizar:

  • Como esse novo paradigma, cujas expectativas são variadas e exuberantes, irá lidar com velhas problemáticas como as assimetrias do fazer científico entre países?
  • Em que medida essas desigualdades podem ser minoradas ou agravadas?
  • Quais são as garantias de que, a partir de contextos extremamente desiguais, a abertura de informações e dados pesquisa irá se reverter em benefícios para aqueles que os disponibilizaram?
  • Como nos prevenir futuros mecanismos de privatização e mercantilização do conhecimento?

Tomemos o exemplo do movimento pelo Acesso Aberto às publicações científicas. Se, por um lado, ele viabilizou a ampla disponibilização de artigos científicos, por outro lado, ele fomentou uma reação das editoras comerciais que reestruturam seu modelo de negócio para garantir a renda necessária à sua sobrevivência. As editoras deixaram de cobrar assinaturas de leitores e passaram a cobrar “taxas de processamento de artigos” (article processing charges - APC) dos autores por tarefas de editoração e administrativas.

De modo análogo, outros mecanismos de mercantilização do conhecimento científico tendem a ser criados com a abertura do processo científico. Os serviços de métricas alternativas e algoritmos de busca já estão se constituindo a próxima fronteira de exploração capitalista. Além disso, a neutralidade da internet está sob ameaça constante e a lamentável cobrança diferenciada pelo tipo de conteúdo que trafega pela rede pode se tornar uma lamentável realidade.

A experiência da OSCDNet

Para enriquecer o nosso debate, vale a pena conhecer a experiência da “Rede de Ciência Aberta e Colaborativa no Desenvolvimento” (Open and Collaborative Science in Development Network - OCSDNet, em inglês) que durante dois anos financiou doze projetos de pesquisa em diferentes campos do conhecimento (saúde, mudança climática, educação, direito e o movimento “faça-você-mesmo’ do it yourself) para experimentar a Ciência Aberta no chamado Sul Global. A rede mobilizou pesquisadores de 26 países da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia para produzir uma reflexão crítica a partir de experiências empíricas e três questões (OCSDNet, 2017, p.2):

Participação e representação:

Quem participa dos processos de produção do conhecimento? Quais são vozes que são levadas em conta na ciência?

Conhecimento:

Quem se beneficia da produção de conhecimento? De que maneira a produção de conhecimento reproduz as desigualdades?

Tecnologia e acesso:

Como podemos usar as ferramentas tecnológicas para aumentar a participação e melhorar os processos de tomada de decisão na produção científica?

Após dois anos de atuação, a rede concluiu que não há uma única maneira “correta” de fazer Ciência Aberta na medida em que as inovações precisam atender as demandas locais, aos diferentes contextos, exigindo negociação e reflexão constantes. Este entendimento corrobora com a premissa de que a abertura não é uma condição binária restrita aos mecanismos de acesso e reúso do conhecimento. Por isso, adicionar o adjetivo “colaborativa” à noção de Ciência Aberta sinaliza a importância de princípios e dinâmicas de colaboração e participação de diversos atores em uma variedade ampla de contextos institucionais, com motivações, valores e intenções distintas (CHAN, OKUNE, SAMBULI, 2015, p. 100).

Seu Manifesto da Ciência Aberta e Colaborativa: em direção de uma ciência inclusiva pelo bem-estar social e ambiental (2017) propõe sete princípios para orientar a Ciência Aberta para uma abordagem mais inclusiva de ciência no contexto do desenvolvimento.

São eles (OSCDNET, 2017, p. 2-3):

Saiba mais:

Vídeo 4 - Open & Collaborative Science Manifesto Legenda

Fonte: OCSDNet.

Apontamentos de uma experiência brasileira

Logo do projeto Ciência Aberta Ubatuba

O projeto “Ciência Aberta Ubatuba” foi uma das doze pesquisas financiadas pela OSCDNet. Coordenado pelo Instituto Brasileiro em Informação, Conhecimento e Tecnologia (Ibict), o estudo seguiu a metodologia de pesquisa-ação com o objetivo de compreender quais são as questões institucionais, políticas e culturais que influenciam a adoção da perspectiva da Ciência Aberta e colaborativa em temas de desenvolvimento.

A escolha de Ubatuba como local de pesquisa se deu por diversos fatores, entre eles:

  • O fato de ser um pólo de produção de conhecimento científico sobre biodiversidade e ambientes costeiros, especialmente por universidades “de fora”
  • Ter cerca de 80% de seu território em área de preservação ambiental e enfrentar problemas com a especulação imobiliária, o turismo sazonal predatório e a exploração do pré-sal;
  • Lidar com conflitos entre as forças de expansão urbana e os interesses de comunidades tradicionais (indígenas, pescadores, caiçaras, quilombolas) e de moradores fixos por um desenvolvimento sustentável.

Ao longo do projeto, o grupo de pesquisa identificou que, para além do conhecimento produzido pelas universidades, o município reúne outros atores cognitivos (indivíduos e organizações) que produzem conhecimento situado justamente pela sua inserção no território. No entanto, como a base epistêmica dos grupos é diferente das instituições científicas e administrações públicas, suas contribuições geralmente não são consideradas válidas no debate público.

Por isso, a apropriação de conhecimento produzido nas universidades pelos atores locais é uma das estratégias para validar argumentos, especialmente em controvérsias e situações de conflito, pois podem ajudar a legitimar conhecimento comunitário sem reconhecimento político. No entanto, os atores locais também estão produzindo informação própria e disputando sua representação na forma de mapas já que eles são o principal instrumento para visualizar questões e definir políticas públicas como o zoneamento ecológico econômico. Este foi o mote para o desenvolvimento do protótipo da plataforma de dados georreferenciados Linda Geo.

Como parte de sua intervenção, o projeto Ciência Aberta Ubatuba estimulou a porosidade entre diferentes tipos de conhecimento e atores cognitivos. Valorizar a diversidade de modos de produção de conhecimento é reconhecer que expressam diferentes modos de existência, de viver em comunidade, de lidar com a Natureza e, portanto diferentes perspectivas sobre a questão do desenvolvimento. Aqui, a cocriação do conhecimento visa aprofundar a própria democracia ao favorecer a participação em processos decisórios sobre a vida em comum.

Saiba mais:

Vídeo 5 - Ciência Aberta Ubatuba (2017)

Fonte: Ciência Aberta Ubatuba.

Mais informações: http://cienciaaberta.ubatuba.cc/

Considerações finais

Diante do panorama rico e complexo apresentado neste curso, é fundamental refletirmos de maneira crítica e responsável sobre as tendências internacionais no campo da Ciência Aberta frente às demandas estratégicas da sociedade brasileira, às peculiaridades do contexto nacional e às especificidades dos campos de atuação da Fundação Oswaldo Cruz. Se a Ciência Aberta vem exigindo a transformação dos modos de produzir e comunicar conhecimento científico, ela também demanda atualização constante através de novas pesquisas e debates continuados sobre a sua adequação para os desafios de cada país. É nessa direção que a Fiocruz vem investindo na promoção da temática e na articulação com outras instituições brasileiras para fomentar uma massa crítica que, de maneira responsável e coletiva, defina qual Ciência Aberta queremos.

Parceiros:
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