Série 1 | Curso 2

Panorama Histórico da Ciência Aberta

Aula 3

Ciência Aberta e saúde: abertura dos dados governamentais

A Ciência Aberta é amplamente defendida em termos de transparência, reprodutibilidade, disseminação e transferência de novos conhecimentos para a sociedade. Devido a sua complexidade, notamos que as práticas na área da saúde se concentraram principalmente em dois aspectos: Acesso Aberto à publicações científicas e, mais recentemente, compartilhamento e abertura de dados.

A crescente produção e uso de dados têm promovido debates sobre sua importância, potencialidades, desafios e impactos nos diversos setores de uma sociedade conectada e global. Como resultado do crescimento exponencial, surgem novas práticas de produção de conhecimento que utilizam grandes volumes de dados. Emerge uma nova forma de produção de conhecimento baseada no uso intensivo de dados, algoritmos, modelagens computacionais sofisticadas através de iniciativas colaborativas como a E-Science (Appel, 2014).

Um exemplo é a iniciativa National EResearch Collaboration Tools and Resources (Nectar) criada pelo governo australiano em parceria com instituições acadêmicas e comunidades de pesquisa na constituição de laboratórios virtuais e ferramentas de pesquisa e-research, uma nuvem nacional de pesquisa denominada Nectar Cloud e o National Server Program.

Importante:

Dados sempre foram ativos fundamentais para produção de conhecimento cuja aquisição e tratamento para análise demandam a maior parte do tempo e dos recursos financeiros destinados às pesquisas. Atualmente, são necessárias novas competências e conhecimentos para gerenciar e extrair conhecimentos confiáveis de grande volume de dados oriundos de distintas fontes, catalisando questões que fizeram emergir uma nova área: a ciência de dados.

Para saber mais sobre a profissão do cientista de dados veja o relatório Data Science Report, 2016.

Dados governamentais administrativos

Dada a relevância da abertura de dados com finalidade de pesquisa, dados governamentais administrativos também podem ser parte do escopo da Ciência Aberta embora a sua abertura se relacione mais com temas como a transparência pública, o acesso à informação e à participação do cidadão.

Exememplo:

Parceria para o Governo Aberto - Open Government Partnership - OGP

O Brasil é um dos fundadores da OGP, iniciativa multilateral lançada em 2011 que visa melhorar a capacidade de resposta dos governos aos cidadãos através da abertura de dados.

Considerando o papel da ciência na busca de conhecimento e fornecimento de evidências para orientar ações em prol da humanidade, e os esforços na área da saúde pública, o acesso e uso de bases de dados governamentais administrativos para fins de pesquisa e de políticas públicas possuem grande potencial - especialmente quando vinculados a dados de múltiplas fontes por possibilitar elucidar efeitos de fatores econômicos, sociais e ambientais sobre a saúde das pessoas e populações.

Estudos na área de saúde pública que empregam abordagens exploratórias de dados são mais econômicos e consomem menos tempo do que os métodos tradicionais que subsidiam estudos de base populacional, por exemplo. Alguns países, como Noruega, Finlândia e Suécia, consideram que os dados administrativos são recursos importantes para pesquisa (Conelly et al., 2016).

Vale destacar que, dada a sua origem, o acesso a dados governamentais administrativos com finalidade de pesquisa, principalmente aqueles contendo informações pessoais, deve garantir e manter a confidencialidade, proteger a privacidade individual, respeitar aspectos legais e garantir a segurança da informação.

Um consenso ainda não foi alcançado para abordar todas as questões pertinentes ao acesso, uso e reutilização desses dados com finalidade de pesquisa, principalmente aqueles que contêm informações pessoais. Tópicos que têm sido amplamente discutidos, sendo parte de um esforço para manter a confidencialidade, proteger a privacidade individual, respeitar os termos de consentimento e gerenciar a segurança da informação.

Importante:

Dados governamentais administrativos:

São informações coletadas por qualquer departamento ou agência do governo em seus serviços rotineiros a exemplo de registros escolares, informações sobre saúde etc.

Exemplo: Dados administrativos de serviços públicos de saúde podem ser integrados com dados de programas de bem-estar social permitindo avaliar os possíveis impactos de políticas públicas sobre a saúde dos beneficiários, vide efeitos de programa de transferência condicionada de renda sobre a mortalidade infantil no Brasil (Rasella et al., 2013).

Uso de dados administrativos para pesquisa

O acesso, tratamento e uso de dados administrativos para fins de pesquisa apresentam muitos desafios relacionados principalmente com questões éticas, legais e de segurança da informação para proteger os dados pessoais dos cidadãos. Pesquisadores que usam dados administrativos com informações pessoais trabalham sob condições estritas, conforme ditado pelos departamentos do governo (Conelly et al., 2016).

O acesso requer base legal, arranjos de segurança apropriados, uso exclusivo para um propósito previamente especificado, credenciais apropriadas da instituição solicitante e parecer ético favorável do estudo proposto. Além disso, os pesquisadores assumem a responsabilidade de usar os dados apenas para fins legítimos, bem como estar ciente de que ações legais serão tomadas se os dados forem utilizados inadequadamente ou sem o devido cuidado (Harron et al., 2017).

Vale ressaltar que dados individualizados são requeridos exclusivamente para fins de aplicação de técnicas de vinculação de dados com posterior anonimização dos dados, cuja divulgação em publicações científicas ocorre em formato de dados agregados a exemplo de tabelas e gráficos. Para entender melhor o conceito de anonimização, consulte o material complementar sugerido no item Saiba Mais.

O novo Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (UE 2016/679) estabelece diretrizes sobre o uso de dados pessoais para pesquisa, unificando as práticas dos países membros a partir de 25 de maio de 2018. No Brasil, esforços consideráveis têm sido empreendidos particularmente durante o ano de 2018 para regulamentar o uso de dados pessoais para pesquisa de interesse público. Dentre os quais destacamos:

  • Em fevereiro de 2018, a Comissão Intergestores Tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS) realizou consulta pública sobre a resolução que dispõe sobre a proteção e o tratamento de dados pessoais em saúde e o estabelecimento dos procedimentos para acesso à informação e cessão de bases de dados contendo informações pessoais custodiadas pelo SUS.
  • Em 29 de maio de 2018 foi aprovado por consenso o PL 4060/5276 na Câmara dos Deputados, seguindo para aprovação no Senado. O PL 4060/5276 disciplina as regras para acesso a bases de dados pessoais por órgãos de pesquisa, que deverão ser tratados e mantidos exclusivamente dentro do órgão em ambiente controlado e seguro com a finalidade de realização de estudos e pesquisas, incluindo sempre que possível a anonimização dos dados e aderência aos devidos padrões éticos.
  • Em seguida, em 03 de Julho de 2018, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou parecer favorável ao Projeto de Lei da Câmara para ser votado no plenário visando regulamentar a proteção de dados pessoais no Brasil, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada - PLC 53/2018.
  • A Lei de Proteção de Dados Pessoais foi aprovada em 10 de julho de 2018 pelo Senado
  • Em 14 de agosto de 2018 foi sancionada com vetos pela Presidência da República LEI Nº 13.709.
Saiba mais:

A publicação “Marcos legais nacionais em face da abertura de dados para pesquisa em saúde: dados pessoais, sensíveis ou sigilosos e propriedade intelectual” identifica as normas legais que incidem sobre questões relacionadas à abertura de dados para pesquisa em saúde, entre elas a utilização e proteção de dados pessoais, sensíveis ou sigilosos, segurança da informação, reúso e compartilhamento de dados e propriedade intelectual.

Cidacs

Em consonância com o acesso, tratamento, integração e uso de grande volume de dados oriundos de múltiplas fontes para pesquisas de interesse para a saúde pública, a Fiocruz inaugurou em dezembro de 2016 o Centro de Integração de Dados e conhecimentos para Saúde – Cidacs, vinculado ao Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia).

O centro possui infraestrutura, recursos computacionais, sistema de processamento e integração, de dados com qualidade e acurácia. Oferece acesso controlado aos dados integrados e anonimizados com métodos, técnicas e protocolos aderentes a aspectos regulatórios nacionais e internacionais de privacidade, ética e de segurança da informação.

A missão do Cidacs é: realizar pesquisas, desenvolver metodologias investigativas e promover a capacitação profissional e científica a partir da integração de grande volume de dados oriundos de distintas fontes para ampliar o entendimento dos determinantes sociais e ambientais sobre a saúde da população, além de apoiar a tomada de decisões em políticas públicas em benefício da sociedade.

Saiba mais:

Vídeo 1 - Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (CIDACS)

Fonte: Fiocruz Bahia.

Análise de riscos e benefícios no uso de dados

Equilíbrio entre riscos e benefícios da pesquisa, transparência, oposição ao uso comercial, garantia de segurança na guarda dos dados e a certeza de que sua utilização terá valor científico e social de relevante interesse público são aspectos essenciais para que a sociedade aprove o uso e a vinculação de dados administrativos contendo informações pessoais com finalidade de pesquisa (Wright, 2014). Inclusive alguns autores, como a bioeticista Lisa M. Lee (2017), defendem que não utilizar dados disponíveis para pesquisa também se constitui como falta de ética por impedir os benefícios que poderiam advir para a sociedade.

No entanto, é necessário um ambiente de tratamento, vinculação, anonimização e análise dos dados projetados para garantir privacidade e segurança da informação por meio de configurações físicas e virtuais seguras, que restrinjam o acesso aos dados identificados e a (re) identificação dos indivíduos (Silva, 2012; Harron et al., 2017).

Para que os dados possam ser utilizados e preservados destaca-se a necessidade da descrição das condições e dos resultados que os originaram através do provimento de metadados. No caso, podem ser publicados apenas os metadados para que a existência dos dados e sua descrição se tornem públicas. A decisão de prover acesso controlado aos dados vinculados e anonimizados com finalidade de pesquisa depende da análise de aspectos éticos e legais. Quando possível, e sob condições específicas, é fornecido o acesso controlado - como acontece, por exemplo, para pesquisas no campo da saúde pública.

A garantia de segurança, privacidade, confidencialidade e de direitos sobre os dados são partes constituintes da abertura de dados. Verifica-se, portanto, que os desafios de ordem ética, legal e de direitos individuais e coletivos no acesso, compartilhamento e reuso de dados com finalidade de pesquisa na área da saúde pública são reconhecidos e apoiados, desde que realizados de maneira transparente e responsável.

Saiba mais:

Esses aspectos são convergentes com os princípios FAIR, que distinguem dados e metadados para apoiar uma ampla gama de circunstâncias especiais, incluindo dados pessoais e sensíveis.

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