Módulo 4 | Aula 3 Programas de saúde e o protagonismo dos Agentes Indígenas na garantia da atenção diferenciada

Tópico 5

Vigilância Alimentar e Nutricional

A Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN) é parte da Vigilância em Saúde e tem como objetivo, a descrição constante e a estimativa de tendências do perfil de alimentação e nutrição dos brasileiros e os seus fatores determinantes. Desse modo, fomenta o planejamento de políticas, programas e ações da atenção nutricional, à regulação dos alimentos no SUS, o controle e a participação social, bem como o diagnóstico da segurança alimentar e nutricional do país (BRASIL, 2013b).

A Vigilância Alimentar e Nutricional existe no Brasil desde a década de 1970 devido aos graves problemas de saúde pública que sempre envolveram a população.

1990

Na década de 1990, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) foi instituído pela Portaria nº. 1156, e adquire um caráter nacional como responsabilidade do SUS, sendo regulamentado pela Lei nº. 8080, que dispõe, no capítulo I, art. 6º, item IV, que “a vigilância nutricional e a orientação alimentar são de atribuição do SUS em suas esferas de governo” (BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990c).


Mais para frente, ainda na década de 1990 e depois no início dos anos 2000, a vigilância nutricional passou a ser uma condicionalidade para a adesão a Programas de auxílio e de transferência de renda: em 1993 para adesão dos municípios ao Programa Leite é Saúde, e a partir de 2004 para o Programa Bolsa Família. Isso significa que, famílias que recebem o benefício do Bolsa Família (que no final de 2021 mudou para Programa Auxílio Brasil), possuem a responsabilidade de levar as crianças para o acompanhamento do estado nutricional pelo menos duas vezes ao ano na Unidade Básica de Saúde Indígena. Se não fizerem esse acompanhamento correm o risco de ter seu benefício bloqueado ou suspenso (LUZ, MARTINS, MOREIRA, 2022).

2000
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A experiência de Dourados-Mato Grosso do Sul, com os Kaiowá, Guarani e Terena.

O Polo Base de Dourados no Mato Grosso do Sul é o maior Polo do DSEI-MS e do Brasil, atendendo a 18.000 indígenas das etnias Guarani Ñandeva, Guarani Kaiowá e Terena. Apenas dentro da Reserva Indígena de Dourados existem 16 mil pessoas atendidas por 4 equipes de saúde e mais 2 equipes chamadas de “volantes” que atendem as outras 2 mil pessoas. Das 18 mil pessoas atendidas nesse Polo, cerca de 2.400 são crianças menores de 5 anos.

Dentro da Reserva, como é muita gente, as Equipes de Saúde preferem fazer pesagens coletivas em cada microárea, combinando a data e o local deste encontro com a comunidade e as(os) Agentes Indígenas de Saúde. Essas pesagens coletivas incluem, além da vigilância nutricional (acompanhamento de peso e comprimento/estatura), a atualização da carteira de vacinação, a atualização da suplementação de vitamina A e de ferro, além de acompanhamento ou encaminhamento para o médico, odontólogo ou outro profissional da saúde que não esteja ali naquele momento.

Geralmente essas pesagens coletivas acontecem uma vez por mês em cada microárea e vários profissionais de saúde estão presentes no dia, como enfermeiras(os), técnicas(os) de enfermagem, nutricionistas, psicólogas(os), assistentes sociais e agentes indígenas de saúde. Cerca de 50 crianças são atendidas por dia nesses encontros coletivos nas microáreas.

Em pesagens coletivas para atender ao programa Bolsa Família/Programa Auxílio Brasil, que ocorre duas vezes ao ano (uma vez por semestre), o número de crianças pode chegar a 300 por dia, assim como em campanhas de vacinação.

Durante a pandemia do Covid-19, vale lembrar que esses encontros coletivos não aconteceram desta forma e que a partir de 2022, com o controle da pandemia, estão sendo retomados, sempre acompanhando os dados locais e nacionais.

Essa rotina de trabalho foi desenvolvida ao longo de anos após a identificação de um cenário de saúde alarmante.

No Polo Base de Dourados, nos anos de 2000 e 2001 o número de óbitos infantis chamou a atenção da equipe médica e das lideranças indígenas, chegando a 141 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Esses dados foram notícias na região, na mídia nacional e internacional. Os dados nacionais para o mesmo período eram de 25 óbitos por mil nascidos vivos. Naquela época, havia apenas uma equipe de saúde e um único nutricionista e pediatra cuidando dos casos. Essas mortes foram decorrentes de desnutrição, diarreia e pneumonia, todas causas preveníveis.

Após grandes esforços de organizações nacionais, internacionais, governos, profissionais de saúde, organizações indígenas e da sociedade civil, ao longo de 20 anos, hoje o número chega a 20 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Atualmente, o Polo possui 6 equipes de saúde e 5 nutricionistas que coordenam essas ações.

Houve uma redução da mortalidade infantil, mas ainda persistem problemas diversos que afetam a saúde e as condições de vida, como a falta de acesso regular à água potável, falta de saneamento básico, local para produção de alimentos, coleta, caça, além de acesso à educação, aos serviços de saúde e outras políticas públicas básicas (VICENTE et al., 2022)

Como já comentamos no item anterior, a Vigilância Alimentar e Nutricional é é extremamente importante para acompanhar a saúde e o desenvolvimento das crianças brasileiras e por isso está vinculada a programas nacionais como uma obrigatoriedade.

Na prática, quem faz essa vigilância nutricional é a equipe de saúde. Na saúde indígena, os profissionais mais próximos deste acompanhamento, no geral, são os Agentes Indígenas de Saúde, nutricionistas (quando estes existem na equipe) e a equipe da enfermagem.

O monitoramento da vigilância nutricional na atenção à saúde indígena é feito também pelo Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), como preconizado pela PNASPI em sua diretriz 3: ‘Monitoramento das ações de saúde’.

Sistemas de Informação do SasiSUS

A Divisão de Gestão da Informação da Saúde Indígena (DGISI) é a área responsável pela gestão dos sistemas de informação da SESAI.

Os Sistemas de informação na SESAI incluem:

  • Atenção à Saúde: SIASI
  • Saneamento Ambiental: GEOSI
  • Força de Trabalho: SESAI-RH
  • Gestão de Insumos de Saúde: HÓRUS
  • Gestão Financeira e Orçamentária: SIAFI
  • Gestão de Projetos Processos: REDMINE
  • Gestão de Licitações e Contratos: SIASG
  • Gestão de Patrimônio: SISPAT
  • Gestão de CASAIs: SIASI CASAI

Os Conselhos de Saúde Indígena Locais e Distritais têm o direito de ter acesso a todas as informações contidas nestes sistemas de informação.

Vamos falar de três deles, que são muito importantes para o Controle Social:

O Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) foi, inicialmente, planejado para funcionar em módulos, compostos em: demográfico, morbidade, imunização, saúde bucal, nutrição, acompanhamento à gestação, recursos humanos, infraestrutura e saneamento.

Em 2000, funcionava apenas o módulo demográfico (versão 1.0), posteriormente foram incluídos na versão 2.0, em 2002, o módulo morbidade, e, em 2004, foi acrescido o módulo saúde bucal e imunização (versão 3.0).

Apenas no ano de 2013, o SIASI sofreu uma grande atualização e reformulação, além do acréscimo do módulo de VAN e saúde da mulher (versão 4.0).

Todos os dados produzidos em serviço devem ser incluídos mensalmente no SIASI e monitorados pelos Polos Base, DSEI e SESAI.

Até o momento, o SIASI é um sistema de informação fechado, ou seja, a SESAI não disponibiliza os dados para acesso público, impossibilitando a população, até mesmo indígena, de acompanhar o monitoramento de saúde da sua comunidade ou de outros povos.

Ao contrário dos grandes sistemas nacionais de informação que são abertos para coleta de dados, a falta de acesso aos dados do SIASI dificulta o acesso da população indígena e do controle social às informações sobre a condição de saúde da população e sobre os serviços de saúde prestados pelos DSEI, pois não permite à população conhecer os indicadores básicos de saúde como mortalidade infantil, prevalência de desnutrição, doenças crônicas, entre outros. Por isso, é tão importante que o controle social (conselhos locais e distritais) cubra esses dados da SESAI para discutirem o andamento das ações de atenção à saúde e o planejamento dos serviços de saúde da sua comunidade.

Outro sistema de informação implementado pela SESAI é o HÓRUS, um sistema de informação para a gestão, planejamento, monitoramento e avaliação das ações da assistência farmacêutica.

O Hórus ajuda a aperfeiçoar os mecanismos de controle de estoques e a aplicação dos recursos financeiros para a compra de medicamentos.

O GEOSI é o Sistema de Cadastro e Georreferenciamento Sanitário e Ambiental em Terras Indígenas, e tem a finalidade de produzir informações da situação sanitária das aldeias georreferenciadas.

Os dados de vigilância nutricional indígena existem no Sisvan, em sua versão pública, por meio do Sisvan Web. Entretanto, apenas quem é beneficiário do Bolsa Família/Programa Auxílio Brasil está cadastrado lá, o que impossibilita o monitoramento do estado nutricional de toda a população brasileira.

É importante lembrar que quem alimenta os dados no SIASI é a equipe de saúde e o Polo Base de cada localidade. Porém, a obrigatoriedade deste acompanhamento pelos programas de benefícios sociais cabe ao município onde o indígena reside. Ou seja, é a Secretaria Municipal de Saúde que deve fazer a entrada dos dados no sistema, e não a SESAI, para garantir os benefícios sociais. Por isso, é também importante que o controle social e que a gestão de cada Polo dialogue com o município.

Para refletir...

A vigilância nutricional é feita na sua região? Quem faz? Esses dados são discutidos dentro do Polo Base e no controle social (conselho local e distrital)? Ele serve como diagnóstico para planejamento e definição de prioridades de ações em saúde?