Módulo 2 | Aula 1 Políticas de Saúde no Brasil e Reforma Sanitária: a luta pelo direito à saúde

Tópico 8

Anos 2000

2002 - Aprovação da

Para direcionar a organização do modelo de atenção no Sasi, em 2002 foi publicada a (PNASPI).

Uma diretriz fundamental desta política é a chamada atenção diferenciada, que indica a necessidade desse Subsistema reconhecer as diversidades socioculturais, linguísticas, geográficas e de sistemas médicos dos povos indígenas.

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[...] O reconhecimento da diversidade social e cultural dos povos indígenas, a consideração e o respeito dos seus sistemas tradicionais de saúde são imprescindíveis para a execução de ações e projetos de saúde e para a elaboração de propostas de prevenção/promoção e educação para a saúde adequadas ao contexto local. O princípio que permeia todas as diretrizes da é o respeito às concepções, valores e práticas relativos ao processo saúde-doença próprios a cada sociedade indígena e a seus diversos especialistas. A articulação com esses saberes e práticas deve ser estimulada para a obtenção da melhoria do estado de saúde dos povos indígenas.

(BRASIL, 2002b, p. 17-18)

A seguir apresentamos as principais diretrizes definidas na (PNASPI):

É entendido como:

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“um modelo de organização de serviços, orientado para um espaço etnocultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado, que contempla um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com controle social”

(BRASIL, 2002, p. 13)

Para estruturação dos DSEIs deveria ser considerada a diversidade de características de contato, culturais e de organizações políticas, sem preocupação em respeitar os limites entre municípios e estados.

A organização destes territórios foi discutida em oficinas, incluindo a participação indígena e condução do governo federal. Este processo de distritalização foi se desenvolvendo com grande diferença de uma área para outra do país e o seu território não é objeto de consenso, como apontam os relatórios das Conferências de Saúde Indígena que trazem deliberações sobre modificações destes territórios.

Mapa do Brasil
Fonte: Centro Cultural do Ministério da Saúde
Para refletir...

Você conhece a história da organização do seu DSEI?

Como você percebe o seu DSEI? Ele consegue organizar a atenção à saúde da sua comunidade como prevê a PNASPI?

Para escutar...

Conheça a história da criação do DSEI Leste de Roraima que traz a proximidade da história do movimento indígena e da organização do DSEI.

Esta diretriz se relaciona com o entendimento de que os profissionais que atuam com as comunidades indígenas, deveriam receber uma qualificação específica acerca das questões das diversidades socioculturais e linguísticas dos povos indígenas. Isso é importante porque nas formações em saúde em nível técnico e superior, raramente existem quaisquer conteúdos sobre os povos indígenas e sua saúde, e muito menos experiências práticas.

Entretanto, a (PNASPI), por um lado, foca na formação do Agente Indígena de Saúde (AIS) no sentido de:

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“favorecer a apropriação, pelos povos indígenas, de conhecimentos e recursos técnicos da medicina ocidental, não de modo a substituir, mas de somar ao acervo de terapias e outras práticas culturais próprias, tradicionais ou não”;

e para os profissionais não indígenas deixa de modo bastante genérico que é um:

“instrumento fundamental de adequação das ações dos profissionais e serviços de saúde do SUS às especificidades da atenção à saúde dos povos indígenas [...]”

(BRASIL, 2002, p. 15-16)

A formação de profissionais para atuar no SasiSUS é um dos grandes desafios, não tendo uma política nacional estruturada e implementada. Apesar de existir alguns materiais didáticos e cursos disponíveis, estes não são exigências de seleção ou atuação.

A qualificação dos Agentes Indígenas tem sido irregular e focada nos conteúdos biomédicos, ou seja, dá maior importância nos recursos técnicos da medicina ocidental e não no seu potencial de articular com os conhecimentos e práticas locais.

Para refletir...

No seu DSEI existe formação continuada para profissionais indígenas? E os profissionais não indígenas se formam para atuarem junto aos indígenas?

Saiba mais...

Você pode conhecer alguns materiais e cursos organizados para os profissionais da saúde indígena que podem ser feitos pela internet a qualquer tempo:

Logo Siasi
Fonte: Centro Cultural do Ministério da Saúde

Define ser fundamental a organização de um sistema de informação, o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena - SIASI, que gere informações sobre a situação de saúde e execução das ações que possibilitem a análise de indicadores de saúde, de cobertura dos serviços de saúde e a sua efetividade.

Essas informações são fundamentais para o planejamento das ações de saúde, definição de prioridades para aplicação dos recursos e orientação das ações, dessa forma, é estratégico para subsidiar as lideranças indígenas no controle social. Entretanto, até o momento, o SIASI é um sistema que não se comunica com nenhum outro sistema de saúde do SUS, e seus dados não são públicos, o que não permite o acesso da população e não garante transparência.

Para refletir...

Os conselhos locais de saúde e a sua comunidade têm acesso aos dados do SIASI?

A (PNASPI) reconhece que os sistemas tradicionais de saúde são:

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“o principal recurso de atenção à saúde da população indígena. A melhoria do estado de saúde dos povos indígenas não ocorre pela simples transferência para eles de conhecimentos e tecnologias da biomedicina, considerando-os como receptores passivos, despossuídos de saberes e práticas ligadas ao processo saúde-doença. O reconhecimento da diversidade social e cultural dos povos indígenas, a consideração e o respeito dos seus sistemas tradicionais de saúde são imprescindíveis para a execução de ações e projetos de saúde e para a elaboração de propostas de prevenção/promoção e educação para a saúde adequadas ao contexto local.”

(BRASIL, 2002, p. 17-18)

Por fim, destaca a importância da articulação com esses saberes e práticas para a obtenção da melhoria do estado de saúde dos povos indígenas.

Para refletir...

Na sua comunidade, há uma articulação da medicina indígena com a medicina do não indígena?

Durante os debates sobre a criação do Subsistema, as lideranças destacaram que as ações de saúde executadas pela Funai estavam centradas na distribuição de medicamentos e que desvalorizavam conhecimentos e práticas locais de saúde, e que portanto, na nova política de saúde, isso deveria ser revisto.

Sendo assim, ficou estabelecido que a assistência farmacêutica deve ser feita a partir da lógica do uso racional de medicamentos e avaliação de protocolos, e que também devem ser feitas ações educativas e o incentivo e a valorização das medicinas indígenas.

Material complementar

O uso racional de medicamentos é debatido no mundo todo.

Em uma Conferência Mundial sobre o tema, realizada pela Organização Mundial da Saúde foi discutido que “existe uso racional quando os pacientes recebem os medicamentos apropriados à sua condição clínica, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período de tempo adequado e ao menor custo possível para eles e sua comunidade.” (OMS, Conferência Mundial Sobre Uso Racional de Medicamentos, Nairobi, 1985).

Ainda hoje existem diversos problemas que envolvem o uso de medicamentos, como por exemplo:

  • a falta de planejamento para compra de medicamentos essenciais que resulta na falta de medicamento nos territórios;
  • as dificuldades com a logística e o armazenamento dos medicamentos nos serviços de saúde;
  • a utilização excessiva de alguns tipos de medicamentos como os antibióticos;
  • a pouca articulação com estados e municípios para acessar os medicamentos de alto custo; entre outros.
Para refletir...

Como é o acesso aos medicamentos na sua comunidade? E a utilização dos remédios tradicionais indígenas? Há um trabalho conjunto da EMSI e a comunidade para incentivar e utilizar os medicamentos tradicionais?

A (PNASPI) orienta que se deve considerar e priorizar ações para situações especiais, como:

Alguns tópicos especiais não tiveram desenvolvimento de estratégias e orientações específicos para regiões de fronteira, projetos habitacionais adequados, populações indígenas em áreas sob influência de grandes projetos de desenvolvimento econômico e social, entre outros.

Para refletir...

Na sua comunidade, existem projetos para alguma dessas situações especiais? Existe ações de Segurança Alimentar e Vigilância Nutricional no seu território? Existem propostas para atuar no enfrentamento de violências e promoção da saúde mental?

Logo CONEP
Fonte: Centro Cultural do Ministério da Saúde

O órgão responsável por elaborar as regras para pesquisa no Brasil e aprovar a realização das pesquisas com seres humanos é a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) que está diretamente ligada ao Conselho Nacional de Saúde.

Hoje, são duas as Resoluções que estabelecem as regras para se fazer pesquisas que envolvem seres humanos:

  1. a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, que apresenta as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos;
  2. a Resolução 510 de 07 abril de 2016 que traz as normas aplicáveis a pesquisas da área Ciências Humanas e Sociais.

Para a aprovação da pesquisa pela Conep, é exigido que a equipe de pesquisa apresente algumas autorizações: da comunidade e lideranças indígenas envolvidas; da Funai para entrada em terra indígena para desenvolver pesquisa e do Dsei/Sesai e CONDISI se as pesquisas forem desenvolvidas nos serviços de saúde (dentro do polo base, Casai, etc.).

Nas normativas atuais, nenhuma pesquisa pode ser desenvolvida nos territórios indígenas sem a autorização da comunidade e a aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa e da Conep, mesmo quando o pesquisador for membro da comunidade indígena.

As pesquisas na área da saúde com povos indígenas são fundamentais: desde as primeiras conferências de saúde indígena há resoluções nos relatórios finais que incentivam o desenvolvimento de pesquisas e a participação das universidades e instituições de pesquisa na construção do SasiSUS. Isto porque as pesquisas permitem:

  • a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, que apresenta as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos;
  • entender como as práticas de saúde acontecem nos territórios, para avaliar as ações do SasiSUS, para formação dos profissionais, dentre várias outras situações.

Os resultados das pesquisas devem ser compartilhados com as comunidades indígenas e o controle social indígena, pois podem contribuir com o planejamento e a avaliação das ações de saúde, e garantir a atenção diferenciada.

Para refletir...

Você conhece alguma pesquisa que está sendo desenvolvida na sua comunidade? Existe algum protocolo na sua comunidade que os pesquisadores devem seguir para pedir autorização? Os pesquisadores retornam com os resultados de suas pesquisas?

A (PNASPI) reconhece a importância do equilíbrio das condições ambientais e do acesso ao saneamento básico nas terras indígenas para a garantia de uma atenção integral à saúde dos povos indígenas.

Assim, aponta como ações prioritárias que devem ser desenvolvidas pelos DSEI a:

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“preservação das fontes de água limpa, construção de poços ou captação à distância nas comunidades que não dispõem de água potável; a construção de sistema de esgotamento sanitário e destinação final do lixo nas comunidades mais populosas; a reposição de espécies utilizadas pela medicina tradicional; e o controle de poluição de nascentes e cursos d’água situados acima das terras indígenas”

(BRASIL, 2002, p. 20)

O saneamento básico é de responsabilidade do Estado, e em geral fica a cargo dos gestores municipais; entretanto, no caso dos territórios indígenas, essa responsabilidade é da SESAI, e por isso existe em sua estrutura o Departamento de Determinantes Ambientais da Saúde Indígena.

É responsabilidade do SasiSUS:
  • Ações de saneamento e edificações nos territórios indígenas que devem estruturar o abastecimento de água,
  • Controlar e desenvolver ações para garantir a qualidade da água;
  • Organizar a coleta de lixo;
  • A construção de módulos sanitários;
  • Ações para coleta e tratamento de esgoto, dentre outras;
  • Acompanhar e monitorar essas ações nas comunidades e desenvolver ações de prevenção e promoção relacionadas ao saneamento na EMSI há o Agente Indígena de Saneamento (AISAN).

Os dados do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 apontam que:

31% dos domicílios nas terras indígenas não têm banheiro ou sanitário;

Em relação ao acesso à água:

37% é por meio de poços ou nascentes

34% por rede de distribuição

22% por rios, açudes, lagos ou igarapés

Para refletir...

A comunidade tem acesso à água potável? Quais estruturas de saneamento básico estão disponíveis?

A (PNASPI) destaca que:

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“a participação indígena deverá ocorrer em todas as etapas do planejamento, implantação e funcionamento dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, contemplando expressões formais e informais.”

(BRASIL, 2002, p. 20)

Para garantir esta participação formal no SasiSUS temos os Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena, o Fórum de Presidentes de CONDISI e as Conferências Nacionais de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.

Para refletir...

Os conselhos locais e distritais do seu DSEI são atuantes? Quais atividades eles desenvolvem?

Material complementar
Capa do livro Lei Arouca: 10 anos de saúde indígena

Saiba mais sobre os 10 primeiros anos do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena lendo o livro produzido pela Fundação Nacional de Saúde - Lei Arouca: 10 anos de saúde Indígena.