Módulo 2 | Aula 1 Políticas de Saúde no Brasil e Reforma Sanitária: a luta pelo direito à saúde
Anos 1990
1990 - Aprovação do SUS e criação da CISI - Comissão Intersetorial de Saúde Indígena
Outra estratégia importante para a continuidade dos debates foi criar, dentro do Conselho Nacional de Saúde, a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), uma comissão consultiva com objetivo de assessorar e subsidiar o Conselho Nacional na discussão sobre as ações de saúde para a população indígena. Esta comissão foi fundamental para o debate da proposta do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
Em 1992 acontece a 9ª Conferência Nacional de Saúde com o tema “A municipalização é o caminho”, onde o debate principal era a descentralização das ações de saúde para os municípios.
Os indígenas presentes nesta conferência defenderam que a gestão da saúde indígena deveria ser do governo federal e que sua organização deveria se dar na forma de Distritos Sanitários.
O protagonismo e a articulação dos representantes indígenas garantiram que o relatório final da 9ª Conferência estabelecesse que:
format_quote"É necessário garantir no SUS ação integral à saúde dos povos indígenas de forma diferenciada, em função das especificidades étnico-culturais e da situação (inelegível) com garantia de seus sistemas tradicionais de saúde, por meio da criação de distritos sanitários especiais indígenas, diretamente ligados ao Ministério da Saúde e administrado por Conselhos Indígenas de Saúde"
Ministério da Saúde (1992, p.25)
Gestão Federal X Gestão Municipal: porque os povos indígenas são contrários à municipalização
A responsabilidade pelas leis e ações que se referem aos povos indígenas é exclusiva da União, ou seja, do governo federal, desde 1934.
Um dos principais argumentos para manter a gestão federal das políticas indigenistas se deve ao fato de que no nível local e regional é onde estão os atores que estão na disputa e conflitos pelos territórios indígenas.
Manuela Carneiro da Cunha (2018, p. 433) relata que:
format_quote"Sabia-se e sabe-se que o poder local é sempre contrário aos direitos territoriais dos índios, e foi sábia, essencial de fato, a atribuição de sua jurisdição ao Governo Federal".
Entretanto, esta discussão permanece viva atualmente.
Em 2019, o então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta cogitou acabar com a Secretaria Especial de Saúde Indígena e reestruturar as ações de saúde no território, inclusive, possibilitando passar a responsabilidade para os municípios.
Esse processo foi revertido por uma ampla mobilização indígena, que você pode ler na reportagem “Povos indígenas realizam grande mobilização nacional contra municipalização da saúde”.
1993 - 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas
Em 1993, ocorreu a 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas com a presença de 200 participantes.
O relatório final desta Conferência, que pode ser lido na íntegra no site da Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, traz como principal diretriz a aprovação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) como base para o modelo assistencial e estabelece que:
format_quote"Os DSEI serão formados com base em projeto elaborado junto com as comunidades, sob a supervisão dos Núcleos Interinstitucionais de Saúde Indígena (NISI) e com consultores técnicos, se necessário, definirão as atribuições de cada entidade envolvida. O Distrito Sanitário Especial Indígena deve ser caracterizado por: Base territorial definida por critérios étnicos, geográficos, epidemiológicos e de acesso aos serviços; controle social da rede distrital exercido através dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CDSI), de composição paritária e de caráter deliberativo das ações de saúde em sua área de abrangência; existência de uma rede de serviços, com equipes de saúde, adequadamente capacitadas para o atendimento aos povos indígenas, com suprimento regular dos insumos necessários à execução das ações, bem como meios de transporte e de comunicação para as equipes de saúde; autonomia administrativa e financeira através do repasse de recursos do governo federal diretamente para os distritos, mediante apresentação de projetos, aprovados nos Conselhos Distritais".
Além da recomendação para organização dos DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), a Conferência também aprovou:
- os princípios e diretrizes sobre a participação indígena;
- a formação e contratação de recursos humanos;
- os agentes indígenas de saúde (AIS);
- os sistemas tradicionais de saúde;
- e o papel das instituições de ensino e pesquisa.
Em 1996, a 10ª Conferência Nacional de Saúde traz em seu relatório final propostas identificadas como “6.2.5. Saúde dos Povos Indígenas”.
Dentre as propostas destaca-se o controle social e a organização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), como apresentado no relatório da 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas, em 1993.
326 Os gestores do SUS devem definir e implantar, com o acompanhamento e deliberação dos Conselhos de Saúde, uma Política de Atenção Integral à Saúde dos Povos Indígenas que atenda todas as comunidades indígenas do Brasil, que considere e respeite suas especificidades culturais e variedade de costumes e que inclua trabalhadores com essa formação específica.
327 O Ministério da Saúde deve regulamentar e implementar os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, de acordo com o modelo apresentado na 2ª Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas, com organizações intersetoriais, interinstitucionais e interestaduais com ampla participação dos povos indígenas.
328 Os Conselhos Estaduais de Saúde e os Conselhos Municipais onde existirem áreas indígenas devem criar Comissões Especiais para o acompanhamento das ações de saúde dos povos indígenas (BRASIL, 1996, p. 80-81).
1999 - Criação do Subsistema e Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS)
Na década de 1990, diversas crises institucionais ocorreram na saúde indígena, levando à separação das ações entre a FUNASA e a FUNAI.
Responsável pelas ações preventivas
Responsável pela execução de ações de assistência
Estas disputas e tensões institucionais não contribuíram para a organização da assistência à saúde para os povos originários. Assim, a situação da saúde destes povos foi se deteriorando cada vez mais, o que intensificou a luta pela criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI).
Em 1994, o médico sanitarista da Fiocruz, e então deputado federal, Sérgio Arouca, foi acionado para apresentar um projeto de lei para garantir as diretrizes das duas Conferências Nacionais de Saúde Indígenas (CNSI).
Após vários anos de tramitação, e muita pressão e articulação de indígenas e aliados, em 23 de setembro de 1999 foi aprovada a Lei 9.836, também chamada de Lei Arouca, que criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi) no âmbito do SUS.
O Sasi foi criado com gestão centralizada no governo federal e com objetivo de garantir a realização das ações de atenção básica dentro dos territórios indígenas. Além disso, o Sasi é responsável por garantir que os povos originários tenham acesso aos serviços de saúde de maneira que contemple a integralidade da atenção, de forma diferenciada, ou seja, que respeite as necessidades culturais, sociais e epidemiológicas de cada povo indígena em todos os serviços de saúde (unidades básicas de saúde, ambulatórios, laboratórios de exames, hospitais, dentre outros).
Para organizar e realizar esta assistência foram organizados 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) no território brasileiro.
O vídeo “Saúde Indígena - Atenção diferenciada e políticas públicas para territórios indígenas” discute, a partir de depoimentos de especialistas indígenas e não indígenas, a atenção à saúde dos Povos Indígenas no Brasil.
Fonte: Youtube. VídeoSaúde Distribuidora da Fiocruz