Módulo 2 | Aula 1 Políticas de Saúde no Brasil e Reforma Sanitária: a luta pelo direito à saúde

Tópico 6

Anos 1980

1986 - 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio

A estruturação de uma política de saúde indígena no SUS

Durante a década de 1980, se ampliam os espaços de debates políticos com a realização de assembleias indígenas em várias regiões, incluindo a pauta de saúde.

Ao mesmo tempo, diversas instituições como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) e universidades, realizavam ações de saúde nas comunidades indígenas formando agentes indígenas de saúde.

Entre 1984 e 1985, a FUNAI realizou três eventos para discutir as suas ações de saúde, sendo apontado diversos problemas, como a distribuição excessiva de medicamentos.

Os debates que ocorriam sobre a saúde indígena apontavam para questões que também estavam sendo discutidas nacionalmente pela reforma sanitária:

  • a saúde estava relacionada com um conjunto de determinantes sociais como, no caso dos povos indígenas, o acesso à terra;
  • as ações de saúde não deveriam somente focar nas doenças, mas atuar na prevenção e promoção, além da importância de se valorizar os conhecimentos e práticas dos territórios.
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Na década de 1970 se estruturaram no Brasil diversos movimentos e organizações pela luta de direitos.

Entre os anos de 1974 e 1984 foi registrada a realização de 56 assembleias indígenas que debatiam temas como terra, saúde, escola, autodeterminação e organização indígena, cultura, “desenvolvimento” e projetos agrícolas, relações com a FUNAI e com demais instituições governamentais, devastação dos recursos naturais, entre outros. Estas assembleias, organizadas com apoio do Conselho Indigenista Missionário, foram fundamentais para a organização de uma ação coletiva.

Em 1980, surge a União das Nações Indígenas (UNI), primeira tentativa dos indígenas de uma organização nacional.

A UNI, ancorada nos debates ocorridos nas assembleias, chega à 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio com um texto em que apresenta a percepção de saúde pelos povos indígenas e a necessidade de organizar a assistência nas comunidades indígenas.

Foto de perfil nas cores preto e branco de Marçal de Souza, indígena Guarani
Marçal de Souza
Fonte: MST

Uma figura que merece destaque neste período é Marçal de Souza, indígena Guarani que foi assassinado em 25 de novembro de 1983 por lutar pelo direito dos indígenas à terra. Marçal, era o coordenador da UNI e defendia de forma contundente uma organização indígena para falar por si em interlocução com setores governamentais.

Em discurso de 1980 ao Papa João Paulo II, Marçal denunciou: "Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos. Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas do Brasil. Essa é a verdadeira história".

Foto de perfil nas cores preto e branco do indígena Megaron Txucarramãe, liderança Mebêngôkre, na 'Oitava Conferência Nacional de Saúde'.
Megaron Txucarramãe, liderança Mebêngôkre, na 8ª Conferência Nacional de Saúde.
Fonte: susconecta.org.br

De 17 a 21 de março de 1986 foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde, grande marco para a criação do SUS.

Nesta Conferência, indígenas, indigenistas, pesquisadores e membros do governo debateram sobre a situação de saúde dos povos originários. Foi articulada , também, a realização da 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, que ocorreu no mesmo ano, de 27 a 29 de novembro, em Brasília.

Em um documento apresentado pela União das Nações Indígenas (UNI) - organização indígena estruturada em 1980 para o debate, os representantes dos povos indígenas defenderam que:

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"A saúde das populações indígenas é resultante de alguns elementos fundamentais: acesso à posse da terra; grau de contato com a sociedade nacional; liberdade para viver a sua singularidade (padrões alimentares, de educação, de moradia e de trabalho); acesso à vacinação e serviços de saúde"

UNI (1988a, p. 8)

Abaixo, você confere algumas imagens da 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio. Acervo Ana Costa doado a BVS.

O relatório da 1ª Conferência Nacional de Proteção às Saúde do Índio trouxe como recomendações principais:

  • A criação de uma agência específica vinculada ao Ministério da Saúde (MS) para gerenciamento e execução das ações e serviços de atenção à saúde indígena de modo articulado ao sistema nacional de saúde.
  • Garantir a participação das nações indígenas através de seus representantes, na formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação das ações e dos serviços de saúde.
  • Assegurar o respeito e o reconhecimento das formas diferenciadas das nações indígenas no cuidado com a saúde.
  • Os serviços devem fundamentar-se na estratégia da atenção primária à saúde, respeitando as especificidades etnoculturais das nações envolvidas e devem contar com serviços de maior complexidade, para a referência e a contrarreferência.
  • Garantir a criação e o funcionamento de um sistema de informações capaz de coletar e processar os dados necessários a uma análise epidemiológica que mostre a dinâmica populacional, levando em conta as diferenças específicas de cada nação indígena com repasse das análises para as lideranças indígenas e autoridades sanitárias.
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1988 - Aprovação da Constituição Federal

Apesar da promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação do SUS, em 1990, a assistência à saúde da população indígena seguiu sob responsabilidade da FUNAI.

As articulações para avançar na criação de um subsistema direcionado aos povos indígenas dentro do SUS avançava, e contava com a atuação de lideranças indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), do Projeto Xingu, de pesquisadores da Fiocruz, da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) e outros atores.

Surgia nesses debates, a sugestão de organização dos serviços de saúde indígena, a partir da criação dos Distritos Sanitários, que havia sido incluída, em 1989, na proposta de Lei do Estatuto dos povos indígenas. A ideia de organizar a atenção à saúde indígena na forma de distritos é apresentada como uma alternativa à municipalização da saúde, proposta consolidada para a organização do SUS.

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A estratégia de criação de distritos sanitários surgiu com a Reforma Sanitária Brasileira, a partir das discussões de Atenção Primária em Saúde e dos Sistemas Locais de Saúde (Silos) que ocorriam na América Latina.

Os distritos sanitários, que têm como conceito-chave a noção de território como processo social, é uma forma de organizar as ações e serviços de saúde a partir do conhecimento sobre os modos de vida e situação de saúde de uma população de uma área geográfica. Assim, discutir a saúde a partir da noção de Distrito, aproximou a discussão da saúde da luta dos povos indígenas.

O avanço na implementação de Distritos ocorre a partir da tragédia que afetou o povo Yanomami no final dos anos 1980, quando milhares de garimpeiros invadiram seus territórios e levaram a uma grave epidemia de malária.

Assim, diante das denúncias do indígena Davi Kopenawa e parceiros como a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) sobre a desassistência à saúde do povo Yanomami e a crise sanitária, diversas pressões ao governo brasileiro fizeram com que o Ministério da Saúde neste mesmo ano criasse a Coordenação de Saúde Indígena na FUNASA e o Distrito Sanitário Yanomami (DSY).

Material complementar

Crise no território Yanomami:

O Distrito Sanitário Yanomami foi criado em 1991 em resposta à grave crise sanitária decorrente de uma invasão de milhares de garimpeiros ilegais, que resultou em uma epidemia de malária e altas taxas de mortalidade, particularmente de crianças, configurando um cenário de risco de genocídio do povo yanomami.

Entre 1990 e 1999 foram muitas as configurações e estratégias adotadas para tentar garantir a presença de profissionais que prestassem assistência à saúde neste território.

  • Você pode ler a história relatada pela Comissão Pró-Yanomami no site da Pró-Yanomami.