Módulo 2

Gestão de Riscos de Emergências em Saúde Pública no contexto da COVID-19

Aula 2

A resposta do SUS no enfrentamento da COVID-19

Com base nas experiências anteriores de enfrentamento de grandes emergências em saúde pública e no compromisso inscrito na Constituição de assegurar o direito à saúde para todos os cidadãos, o SUS veio aprimorando ao longo dos anos suas capacidades de detectar, monitorar e responder às emergências em saúde pública. Assim, quando se iniciou a pandemia de COVID-19 muitas dessas capacidades já estavam presentes em todas as três esferas do SUS, embora com grande heterogeneidade entre e ao interior de cada Unidade Federada.

Neste tópico iremos apontar alguns resultados positivos das ações promovidas ou apoiadas pelos órgãos que compõem o SUS nas três esferas de gestão, que tem contribuído para que o impacto da COVID-19 na saúde da população brasileira não seja ainda maior. O que não significa diminuir o triste significado do grande número de casos e óbitos decorrentes da pandemia no país, o que a coloca como um dos principais flagelos da saúde pública brasileira, assim como a sua longa duração.

Nos primeiros meses da pandemia, quando foi necessário lograr o “achatamento da curva epidemiológica”, para que a rede de atenção fosse ampliada e qualificada, o SUS contribuiu para a redução no número de casos graves e óbitos em relação às estimativas iniciais (Kerr et al, 2020). Utilizando-se de suas estruturas e procedimentos próprios disponíveis para gestão, detecção, notificação e análise de dados e monitoramento da pandemia produziu, cooperação entre as instituições de ensino e pesquisa, as informações necessárias para a adoção de medidas de distanciamento social e outras não farmacológicas em muitos estados e municípios (Croda et al, 2020.)

Foram aperfeiçoados os procedimentos adotados em pandemias anteriores, como a influenza A (H1N1)pdm09 e Zika, e durante a reestruturação da vigilância de influenza e síndrome respiratória aguda grave. Além da rápida ativação do COES, novos instrumentos e protocolos foram criados, possibilitando a rápida detecção, notificação e monitoramento de casos e seguimento dos contatos, com um acompanhamento da pandemia em tempo real e apoiando a adoção de isolamento domiciliar. Foram desenvolvidas estratégias inovadoras de monitoramento, estimativas e projeções mais precisas do comportamento epidemiológico da pandemia, por meio de parcerias com instituições de ensino e pesquisa e da OPAS.

A comunicação à população e aos profissionais de saúde também tem representado importante instrumento para apoiar a adoção de medidas de contenção, esclarecer à população e assegurar transparência, fundamentais em momentos de crise. Nos primeiros meses as informações eram divulgadas diariamente por meio de coletivas, nas três esferas do SUS, com uso de dados consolidados em plataformas e atualizados em painéis de monitoramento dos órgãos de saúde (Oliveira et al, 2020).

Com a reformulação em anos recentes das Políticas de Atenção Primária e de Vigilância à Saúde, e o consequente fortalecimento da integração de suas práticas de saúde pública, durante a pandemia, estratégias como o compartilhamento e análise conjunta dos dados, a investigação dos casos e monitoramento dos contatos de forma integrada ampliaram a capacidade de detecção de novos casos e a análise de risco de agravamento, e permitiram a identificação de grupos mais vulneráveis (Sousa et al, 2020; Sales et al, 2020). Também na rede de alta complexidade houve um avanço importante, com a ampliação da oferta de leitos hospitalares, incluindo leitos de UTI, em um curto período, em que pese o elevado custo deste nível de atenção e a complexidade para o cuidado de pacientes com COVID-19.

A partir da rede de laboratórios de saúde pública já existente, que já tinha ampliado suas capacidades durante epidemias anteriores, e contando mais uma vez com a estreita colaboração das instituições de ensino e pesquisa, foi possível incorporar novas tecnologias para diagnóstico dos casos, em um primeiro momento, priorizando-se testes rápidos imunológicos, posteriormente ampliando a oferta de métodos moleculares.

Importante ressaltar a participação de todos os setores da Vigilância em Saúde, incluindo a vigilância sanitária e saúde do trabalhador, responsáveis pela elaboração de normas, protocolos e realização de fiscalização de acordo com os seus objetos e ambientes de atuação (como as normas de biossegurança dos estabelecimentos públicos e privados, utilização de Equipamentos de Proteção Individual, fiscalização de bares, restaurantes, farmácias e drogarias, unidades de saúde, entre outros. Essas ações, realizadas em conjunto com outros órgãos governamentais, tem contribuído para o cumprimento das medidas que visam reduzir o risco de transmissão, bem como assegurar a oferta de produtos médicos conforme padrões de qualidade exigidos.

Atenção

Por fim, contando com a experiência na realização de campanhas de vacinação e controle de surtos e epidemias de doenças imunopreviníveis, por meio do PNI, o SUS tem viabilizado a operacionalização do Plano Nacional de Vacinação, na medida em que as vacinas vêm sendo adquiridas e distribuídas para a rede estadual e municipal de serviços. Já é possível observar como resultados a redução da mortalidade e internações por forma grave nos grupos alvo. Importante ressaltar ainda a relevante participação neste esforço do Instituo Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz, bem como da ANVISA que tem assegurado a oferta de vacinas de eficácia e qualidade comprovadas.

Esses avanços e resultados positivos não têm sido alcançados sem o enfrentamento de muitos desafios e dificuldades, muitas dessas antigas. Com o objetivo de relacionar somente alguns deles, destacamos:

  • Embora seja reconhecida a capacidade do SUS na consolidação e análise de dados e produção de evidências científicas, em conjunto com as instituições de ensino e pesquisa para apoiar a tomada de decisão, em muitas situações, não se tem levado em conta, parcial ou totalmente, as recomendações emanadas pelas áreas que compõem o SUS.
  • Os procedimentos e os instrumentos de notificação de casos adotados pelo SUS, assim como em epidemias anteriores, tem se demonstrado insuficientes para monitorar uma pandemia nesta magnitude e complexidade, gerando atrasos e incertezas no seu conhecimento.
  • Ainda que esteja estabelecido que a realização de testes diagnósticos é uma estratégia importante para a detecção de casos e monitoramento da pandemia, uma série de problemas tem se revelado neste aspecto, entre outros, a insuficiência de testes em quantidade para atender a grande demanda internacional, a qualidade desses testes e as diferentes metodologias utilizadas.
  • A sobrecarga de atividades de responsabilidade das diversas áreas do SUS tem gerado exaustão de seus profissionais, especialmente em um cenário no qual a saúde pública – ao menos até antes da pandemia de COVID-19 - não era devidamente reconhecida pelos próprios gestores, o que contribui para a manutenção de quantidade reduzida de profissionais em períodos interepidêmicos.
  • A crônica insuficiência de recursos para o SUS, agravada pelo congelamento de recursos orçamentários instituído a partir de 2016.
  • O cenário de desigualdade social e iniquidades em saúde, que tem se ampliado nos últimos anos, favorecendo a manutenção da transmissão e da gravidade por prolongado tempo e ampliando as barreiras de acesso às tecnologias de saúde, incluindo às vacinas.