No momento em que se organizava a campanha contra a bouba no Brasil, o combate à doença de Chagas, as ações pela erradicação da malária, entre outras ações sanitárias dirigidas a doenças vinculadas à pobreza, o argumento de que o país progredia e, com isso, passava a encarar problemas de saúde típicos de nações desenvolvidas pode parecer contraditório, mas encontrou aceitação na esfera pública.
Unidade 2
Do Período Getulista à Ditadura Civil Militar
A emergência de novos problemas
sanitários: as doenças crônicas não transmissíveis na agenda da saúde brasileira
A associação entre saúde e desenvolvimento socioeconômico também foi relevante na consolidação das doenças crônicas não transmissíveis como objetos de preocupação da saúde pública brasileira.
À época chamadas de doenças degenerativas (tanto por resultarem na degeneração lenta do corpo quanto por degenerarem a força de trabalho da nação), essas enfermidades eram consideradas problemas típicos de países mais desenvolvidos.
Essa visão resultava de uma percepção sobre os padrões de adoecimento e envelhecimento das populações que foi nomeado nos anos 1970 de transição epidemiológica.
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A percepção de que o câncer, as doenças cardíacas e a diabetes eram sinais de civilização era tão forte que muitos médicos e políticos chegavam a considerar positivo o aumento da mortalidade por essas doenças.
A lógica era a seguinte: se as pessoas estão morrendo mais por doenças degenerativas, significa que estão vivendo mais, o que é resultado de melhores condições de vida e menores índices de mortalidade por doenças de massa e pestilenciais.
Assim, as doenças crônicas serviam como um “termômetro” do desenvolvimento nacional. Entre elas, o câncer foi a que recebeu maior atenção da saúde pública.
Primeira metade do século XX
Primeira metade do século XX
Na primeira metade do século XX, o câncer era visto como doença de pequena incidência. Para os responsáveis pelas políticas de saúde da época, o controle deveria restringir-se à medicina curativa de base hospitalar e às ações pontuais de propaganda sanitária, que mostravam a importância da detecção e do tratamento precoce
Para a população em geral, o câncer era considerado uma doença das elites, que só atacava os mais ricos. Além disso, era considerado um mal raro e incurável.
Meados do século XX
Meados do século XX
Em meados do século XX, o envelhecimento da população fez com que a doença ganhasse mais evidência, e os avanços da medicina possibilitaram diagnósticos mais exatos de diversos tumores. Por fim, o desenvolvimento da radiologia, da radioterapia e principalmente da cirurgia abriu a possibilidade de cura.
Tudo isso deu maior visibilidade à doença, que vinha ocupar lugar de destaque na nosologia nacional.
Nesse cenário, a doença foi gradativamente configurada como um problema urbano e industrial, sendo o aumento de sua incidência um resultado direto da ampliação das cidades e das fábricas, além das mudanças nos hábitos cotidianos.
No programa para a área da saúde, Juscelino Kubitschek, candidato à presidência em 1955, apontava o câncer como um "novo problema nacional", que seria derrotado pelo "poder da ciência médica".
De acordo com o candidato mineiro, tratava-se de “um novo problema de saúde que não é apenas nosso, mas de todos os países civilizados”.
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Assim, a doença servia de elemento retórico para reposicionar o país, sugerindo que o aumento de sua incidência era resultante da ampliação do grau de desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O uso retórico da doença, nesse sentido, ajuda a compreender a maior importância a ela atribuída e sua nova forma de se vincular às representações sobre a sociedade brasileira.