Unidade 2
Do Período Getulista à Ditadura Civil Militar
Saúde e desenvolvimento: um debate
do mundo pós-Segunda Guerra Mundial
O período posterior à Segunda Guerra demarca uma série de tensões e transformações de ordem mundial, tanto em sentidos políticos e geopolíticos mais amplos quanto em suas reverberações em campos específicos, a exemplo da saúde.
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Guerra Fria
A intensificação da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, dando início à chamada Guerra Fria, trouxe um cenário de disputa por hegemonias e influências das duas potências em relação a países menores e potenciais aliados estratégicos.
Descolonização
Ao mesmo tempo, processos políticos específicos, como a emancipação das colônias europeias na África e Ásia e a complexa reconstrução da Europa, trouxeram a discussão sobre o desenvolvimento ao centro de vários campos.
Um momento simbólico para essa pauta foi o discurso do presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, em 1949, em que a relação entre pobreza e doença é reafirmada, e o imperativo de ajuda econômica dos norte-americanos a outros países apareceu como uma resposta à ameaça comunista:
“Mais da metade da população do planeta vive em condições próximas da miséria. Sua alimentação é inadequada, ela é vítima da doença. (...) Pela primeira vez na história, a humanidade possui os conhecimentos e técnicas para mitigar o sofrimento destas pessoas (...) Eu acredito que nós devemos tornar disponíveis para os povos amantes da paz os benefícios do nosso acervo de conhecimentos técnicos de modo a auxiliá-los a realizar suas aspirações por uma vida melhor (....) Uma maior produção é a chave para a prosperidade e a paz. A chave para uma maior produção é a ampla e vigorosa aplicação do conhecimento científico e tecnológico moderno. Enganados por esta filosofia, muitos povos têm sacrificado suas liberdades (...). Essa falsa filosofia é o comunismo.” Trecho de discurso de Harry Truman,
presidente dos EUA, em 20 de janeiro de 1949.
Veja o discurso completo.
Dois elementos centrais ao que trataremos nesta aula estão presentes no discurso de Truman:
O primeiro diz respeito à associação entre doença e pobreza. Uma importante vertente do pensamento sanitário do período considerava que existia um ciclo vicioso da doença e pobreza, segundo o qual, ao sofrer de doenças infecciosas, endêmicas e epidêmicas, a população de um país também sofreria com a pobreza, pois esses problemas sanitários seriam entraves ao desenvolvimento. Nessa chave de pensamento, para que fosse possível mudar o estatuto de país subdesenvolvido do Brasil, era necessário superar a condição de “imenso hospital”, diagnosticada na Primeira República.
O segundo aspecto que se destaca na fala de Truman é a confiança na capacidade da medicina, da ciência e da saúde pública em fornecer respostas eficientes aos problemas da sociedade. Esse sentimento de otimismo sanitário, como ficou conhecido, foi algo muito forte no período entre 1945 e 1964, e teve conexão ao desenvolvimento de novas tecnologias médicas, como a penicilina, e às estratégias consideradas bem sucedidas de combate a doenças, caso da campanha de erradicação da malária. As inovações no campo da saúde fortaleceram o papel da medicina e dos médicos na sociedade, mas não significaram necessariamente maiores recursos e credibilidade ao setor da saúde pública no Estado brasileiro. Nesse ponto, vale lembrarmos do que discutimos na aula passada, sobre a dualidade entre saúde pública e previdência.
Saiba Mais: Doenças pestilenciais, de massa e degenerativas
Como temos aprendido neste curso, os conhecimentos da medicina, bem como seu vocabulário, mudam bastante ao longo do tempo. Na metade do século XX, uma forma bastante comum de classificação das doenças consistia na divisão em três grupos. As doenças de massa eram aquelas que atingiam grandes contingentes da população, geralmente de natureza endêmica e profundamente associadas à pobreza nos chamados países subdesenvolvidos, como a malária, o bócio, as verminoses e a tuberculose. As doenças degenerativas, como o câncer, as doenças cardíacas e endócrinas, eram problemas que predominavam nos países ricos e exigiam assistência muito mais individualizada e especializada. As doenças pestilenciais eram enfermidades de natureza epidêmica, para cuja eliminação dependia-se pouco do desenvolvimento econômico ou da modificação nos hábitos dos indivíduos, como a cólera, a varíola e a febre amarela.
Rômulo Andrade, historiador, pesquisador do DEPES/Fiocruz e professor no PPGHCS/Fiocruz fala sobre Saúde e desenvolvimento no pós- Segunda Guerra Mundial
Fonte: VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz
Nesse cenário mais amplo, também é importante destacar as transformações na agenda da saúde em âmbito internacional. Em 1948, também como consequência da guerra, foi criada a Organização Mundial da Saúde, agência de caráter inicialmente internacional, que teve importante atuação no tema, tanto no sentido político e intelectual, quanto na realização de programas de erradicação de doenças.
No Brasil, o debate sobre desenvolvimento e saúde assumiu diferentes tons e posicionamentos, movimentando personagens do campo médico, da política, da economia, entre outros. Podemos destacar algumas abordagens ao tema no país:
- A defesa de políticas e ações para lidar com as doenças da pobreza e desenvolver o país;
- A visão inversa, de que a melhoria das condições socioeconômicas traria melhor saúde à população;
- A valorização das novas tecnologias médicas como resposta aos problemas sanitários;
- A emergência de novas preocupações, com doenças típicas de países desenvolvidos.
Explorando cada um desses pontos, teremos uma melhor dimensão de como esse debate foi importante para o campo da saúde entre os anos 1940 e 1960.