Módulo 1 | Aula 3 Conduta responsável, má conduta e práticas questionáveis em pesquisa
Iniciaremos esta aula com dois questionamentos:
- O que é Conduta Responsável em Pesquisa?
- Qual a definição de má conduta e das “práticas questionáveis” em Pesquisa?
Estas são questões aparentemente óbvias e talvez por isso difíceis de serem respondidas de forma simples, principalmente quando pensamos sobre as repercussões que os resultados obtidos numa pesquisa podem ter sobre a saúde, a segurança, o bem-estar das pessoas e seus reflexos sociais.
A conduta responsável em pesquisa é aquela que se pauta nos princípios de integridade, no cumprimento de normas, no rigor metodológico e na escolha dos métodos adequados para responder às perguntas de pesquisa, no cuidado ético com o participante da pesquisa, na prevenção de conflito de interesses, na gestão dos dados alicerçada na segurança e privacidade dos dados pessoais, na comunicação dos resultados ao longo de todo processo da pesquisa e na prestação de contas. Enfim, a atenção com a conduta deve estar presente em todo o ciclo da pesquisa.
O compromisso com a conduta responsável em pesquisa está diretamente ligado à reprodutibilidade na ciência, um aspecto essencial para a robustez e a confiabilidade do conhecimento científico. A capacidade de reproduzir resultados reforça a validade das descobertas e sustenta a credibilidade da ciência.
Conforme discutido em um editorial da Scielo em 2017, as discussões sobre reprodutibilidade na ciência não são triviais. Uma pesquisa publicada pela revista Nature em 2016 mostra o que pensam 1576 pesquisadores de diferentes áreas incluindo química, medicina, biologia e ciências da terra sobre a reprodutibilidade da pesquisa. Nesse trabalho, a maioria dos entrevistados afirmou ter falhado em reproduzir trabalhos publicados por outros e por seus próprios grupos.
Em 2013, com o objetivo de avaliar a reprodutibilidade de trabalhos de alto índice de impacto publicados na área da pesquisa pré-clínica do câncer, foi criada a iniciativa: “Reproducibility Project: Cancer Biology” (Center for Open Science). Atualmente, existem diversas iniciativas pelo mundo que dedicam seus esforços para avaliar a reprodutibilidade de ensaios experimentais, incluindo a “Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade”, que recrutou grupos de pesquisa de diferentes estados do Brasil para executar os ensaios multicêntricos e estimar a reprodutibilidade na área de biomedicina no nosso país. Também merece destaque a criação da “Rede Brasileira de Reprodutibilidade (RBR)”, uma iniciativa para promoção de práticas de pesquisa transparentes e confiáveis na comunidade científica brasileira que está de acordo com um movimento global.
A plena atenção às boas práticas e a adoção de condutas responsáveis a todo momento pode ser difícil, seja por “falta de tempo”, excesso de atribuições ou ainda por repetirmos práticas comuns e culturalmente estabelecidas no sistema de pesquisa. Afinal, grande parte do nosso aprendizado é baseado em modelos experimentados em nosso ambiente de pesquisa, que são partes fundamentais da formação de pesquisadores éticos e com pensamento crítico.
Ambientes de pesquisa: as instituições de pesquisa devem criar e sustentar ambientes que incentivem a integridade por meio da educação, de políticas claras e de normas razoáveis para o progresso da pesquisa, ao mesmo tempo em que fomentam ambientes de trabalho que apoiem sua integridade.
Declaração de Singapura sobre Integridade em Pesquisa (2010)
O ambiente de pesquisa é onde o aluno desempenha a maior parte de suas atividades, vivenciando desafios e experimentando as consequências de suas tomadas de decisão. O ambiente de pesquisa influencia sua qualidade e integridade, envolvendo um conjunto de fatores, como inclusão, comunicação, expectativas e capacitação. Todos os pesquisadores e alunos têm papel fundamental no estabelecimento de um “ambiente de pesquisa saudável”, se destacando os(as) orientadores(as).
Um estudo feito pelo Conselho de Pós-graduações dos EUA com docentes e discentes de diferentes universidades mostrou que aproximadamente 70% dos discentes aprendem sobre integridade em pesquisa e integridade acadêmica com seus orientadores (mais do que por ações educativas, como cursos online ou presenciais, workshops, materiais didáticos). De fato, esse relatório demonstrou que grande parte do que os discentes aprendem sobre integridade em pesquisa – tais como aquisição de dados, pesquisa envolvendo seres humanos e animais, má conduta, autoria, revisão por pares, colaboração, conflitos de interesse - depende de seus orientadores.
Fonte: Inside Higher Ed (2012)Segundo Kalichman (2014), as ações educativas idealmente complementam o aprendizado do ambiente de pesquisa, mas é fundamental que haja espaço nestes ambientes para que os alunos implementem o que for aprendido nos cursos e disciplinas.
Um ambiente de pesquisa saudável é fundamental para a ciência de qualidade. Nele se aprende, a partir de experiências práticas, como conduzir a pesquisa de modo responsável e íntegro.
Caso queira aprofundar seu conhecimento sobre a importância da orientação científica, analise o significado das diferentes denominações de profissionais usadas pela comunidade científica nacional e internacional:
Paradoxalmente, a boa conduta é melhor compreendida quando se exemplifica com as três principais atitudes que definem a má conduta em pesquisa:
Fabricação de dados e/ou resultados;
Falsificação, com manipulação de dados, materiais, equipamentos e/ou processos da pesquisa
Plágio, com apropriação de ideias, processos, resultados e/ou texto de outrem sem autorização e sem dar o devido crédito.
Não é apenas a má conduta ou a falta de honestidade que podem prejudicar a pesquisa, mas também as chamadas “práticas questionáveis em pesquisa” (ou “práticas prejudiciais à pesquisa”), exemplificadas abaixo:
Práticas descuidadas designam um conjunto extenso de práticas pouco cuidadosas, desatentas ou imprecisas em qualquer etapa da pesquisa. Dentre outras, incluem: não seguir estritamente uma metodologia; descrever parcialmente os métodos, cálculos ou resultados do experimento; usar reagentes vencidos; não identificar adequadamente as amostras; não documentar a quantidade e/ou as condições sanitárias dos animais utilizados em um estudo; falhas no cálculo amostral; não inclusão de grupos controle adequados; falta de identificação do número de passagens de linhagens celulares; protocolos descritos sem precisão ou transparência; falta de rigor nas análises estatísticas.
Estes incluem registros incompletos ou pouco transparentes sobre o desenvolvimento, análise e resultados de um estudo em, por exemplo, caderno de laboratório, diário de campo, questionários, transcrições, sejam físicos ou virtuais. Podem se referir a qualquer informação relevante para a confiabilidade do estudo, incluindo descrição de amostras, grupos experimentais, metodologia, número de passagens das linhagens celulares e condições sanitárias de animais de experimentação, entre outros.
A parcialidade na análise ou comunicação de resultados pode ser feita para favorecer a comprovação da hipótese do projeto de pesquisa. Práticas como, manipulação de análise estatística ou escolha do método de análise que resulte em significância estatística (p-hacking); seleção deliberada dos dados a serem analisados (cherry picking); remoção de valores deliberadamente; omissão e/ou reutilização inadequada de dados de grupos controle; omissão de resultados negativos; conclusões ou títulos “sensacionalistas” sem embasamento nos resultados obtidos no estudo.
Um desenho experimental pouco robusto (por exemplo, sem fundamentação da hipótese, com falhas nos grupos controle, sem cálculo amostral) pode comprometer a confiabilidade do conhecimento gerado pelo estudo. Além disso, leva ao desperdício de financiamento público e aumenta o desperdício de recursos da pesquisa.
Conflito de interesses acontece quando um interesse primário é influenciado por um interesse secundário, podendo comprometer a integridade e/ou a imparcialidade de sua(s) tomada(s) de decisão(ões). Pesquisadores, autores, revisores e avaliadores devem declarar quaisquer conflitos de interesses, financeiros ou não, relacionados a qualquer prática de pesquisa.
Todos os autores de um trabalho devem contribuir de forma significativa para o estudo, seja no desenho experimental, na coleta ou análise dos dados, na interpretação dos resultados ou na participação na escrita ou revisão, com contribuição intelectual. Todos os autores devem estar de acordo com a versão final do trabalho e devem se responsabilizar pelo seu conteúdo.
Neste contexto, para aprofundar seus conhecimentos, não deixe de acessar:
Regras de autoria - COPE (Acesse aqui. )
Diretrizes do CNPq (Acesse aqui.)
Estas incluem a prática de citar artigos de sua autoria ou de colegas, com o objetivo de “inflar” currículo, ou para “agradar” revisores ou editores.
Viés na revisão por pares refere-se a práticas que podem afetar o processo de revisão idônea de um artigo científico por especialistas na área antes de sua publicação em um periódico científico. Esses vieses podem surgir de várias maneiras e podem comprometer a objetividade e a imparcialidade da avaliação.
Dentre essas práticas se inclui a tendência de revisores a favorecer trabalhos que apresentam resultados originais, positivos e significativos, enquanto rejeitam ou não valorizam trabalhos que relatam resultados negativos, resultados de replicação ou reprodutibilidade.
A revisão por pares aberta tem sido uma prática cada vez mais adotada por periódicos e editoras, de modo a minimizar esta prática.
Esta prática consiste na publicação do(s) mesmo(s) resultado(s) ou trecho(s) em mais de um artigo científico, sem referenciar o artigo original. Esta prática é considerada por alguns autores como “autoplágio”, apesar de haver debate em torno do próprio termo.
Para aprofundar o tema, veja o Módulo 4 “Integridade na publicação científica”.
A análise de resultados com imagem deve ser realizada de forma que não altere o resultado original. Da mesma forma, a preparação das imagens para divulgação deve respeitar os critérios de qualidade para que não haja distorções em relação ao resultado original. A preparação inadequada e a omissão de informações sobre alterações realizadas nas imagens podem comprometer a integridade e consequentemente a confiabilidade de um resultado.
Essa prática se define na fragmentação da publicação de um único estudo em mais de um artigo com o intuito de “inflar” o currículo dos autores, priorizando a quantidade sobre a qualidade.
Revistas, editoras ou conferências com práticas predatórias são meios de comunicação científica não confiáveis. O estabelecimento, apoio ou publicação deliberada nestes periódicos, editoras e eventos que prejudicam a qualidade da pesquisa não condizem com a integridade em pesquisa.
Na figura a seguir, listamos as práticas que configuram a “integridade na pesquisa”, as “práticas questionáveis” e a “má conduta”.

- Observações equivocadas, parcialidade
- Análise equivocada
- Manutenção de registros inadequada
- Retenção de detalhes metodológicos
- Publicação duplicada e dividida
- Desenho de estudo enviesado ou modificado pós-revisão
- Ignorar estudos prévios feitos por outros
- Supressão de dados próprios, retirada de ponto de dados
- Conflitos de interesse não declarados, corrupção
- Autoria não merecida
- Revisões injustas, falso testemunho
- Espionagem, entrega de dados secretos
- Mau uso de fundos públicos
- Nepotismo, bullying
- Negligenciar o uso alheio de dados falhos
- Supressão de alegação de fraude
- Consentimento não informado
- Plágio
- Falsificação
- Fabricação de dados
- Experimentos humanos ilegais.
Vale destacar que "práticas questionáveis em pesquisa” não são contempladas na definição de “má conduta em pesquisa”, mas também podem comprometer a confiabilidade do conhecimento científico.
A campanha REWARD lançada pelo periódico The Lancet defende que esforços devem ser feitos na pesquisa para reduzir o desperdício e aumentar o valor de suas contribuições. REWARD é acrônimo de “Reduce research Waste And Reward Diligence” (“Reduzir o desperdício de pesquisa e recompensar a diligência”). A Declaração REWARD sustenta que o potencial da pesquisa é otimizado quando:
- As prioridades da pesquisa são adequadas;
- A elaboração, conduta e análise da pesquisa são robustas;
- A regulação e o gerenciamento são proporcionais aos riscos;
- As informações sobre métodos e resultados da pesquisa são de acesso aberto;
- Os relatórios da pesquisa são completos e reutilizáveis.