Módulo 4 | Aula 2 Povos Indígenas
“Índio é tudo igual”?
Um problema recorrente no modo como os povos indígenas costumam ser percebidos pela sociedade não-indígena é a expectativa de homogeneidade desses povos, ou seja, de que do sul ao norte do país eles são todos idênticos.
Quando afirmamos que existem hoje no país mais de 305 etnias indígenas, estamos dizendo que cada um desses povos possui uma cultura própria, um modo de ser e de estar no mundo e um projeto para as novas gerações que estão por vir.
Entender a realidade dos povos indígenas implica o reconhecimento de que eles possuem maneiras específicas de lidar com os conflitos internos e externos, de que suas territorialidades são múltiplas, assim como possuem concepções particulares de corpo, saúde e doença e formas de organização social diversas, com diferentes princípios de liderança e instâncias representativas. Na hora de organizar a atenção à saúde, particularmente de agravos transmissíveis como tuberculose, hanseníase, IST, hepatites virais entre outros, deve-se considerar essas diferentes concepções de corpo, sexualidade e relações de gênero, modos de vida e formas de cura.
Pensando nessa diversidade de povos indígenas, que tal fazer uma atividade sobre isso?
Pesquise sobre os povos indígenas mais próximos do lugar onde você vive, quantos são e como eles vivem?
Confira um trecho da entrevista do escritor indígena Daniel Munduruku
Índio ou indígena?
Do meu ponto de vista, a palavra índio perdeu o seu sentido. É uma palavra que só desqualifica, remonta a preconceitos. É uma palavra genérica. Esse generalismo esconde toda a diversidade, riqueza, humanidade dos povos indígenas. Quando a gente usa a palavra índio, estamos nos reportando a duas ideias. Uma é a ideia romântica, folclórica. É isso que se comemora no dia 19 de abril. Aquela figura do desenho animado, com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo. Há a percepção de que essa é uma figura que precisamos preservar, um ser do passado. Mas os indígenas não são seres do passado, são do presente.
A segunda ideia é ideologizada. A palavra índio está quase sempre ligada à preguiça, selvageria, atraso tecnológico, a uma visão de que o índio tem muita terra e não sabe o que fazer com ela. A ideia de que o índio acabou virando um empecilho para o desenvolvimento brasileiro. [...]
Nos meus vídeos e palestras, eu tenho sempre feito uma separação fundamental entre "índio" e "indígena". As pessoas ainda pensam que índio e indígena é a mesma coisa. Não é. O próprio dicionário diz isso. A palavra indígena diz muito mais a nosso respeito do que a palavra índio. A palavra índio gera uma imagem distorcida. Já indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros.
Se quiser ler a entrevista completa clique aqui.
Diante dos problemas enfrentados pelos povos indígenas, a Constituição Federal de 1988 assegurou -- em seu Capítulo VIII conhecido como Dos Índios no Art. 231 -- direito a esses povos de viverem de acordo com a sua própria cultura, cabendo ao Estado brasileiro respeitar os seus costumes e demarcar os seus territórios.
Art. 231
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
O Art. 231 é responsável por uma mudança muito importante na política indigenista nacional, pois representa, pela primeira vez na história constitucional, a superação legal de uma visão integracionista desses povos. Rompeu-se com a ideia evolucionista e racista de que os povos indígenas deveriam ser integrados à sociedade nacional e que perderiam a sua identidade étnica diferenciada na medida em que passassem a se relacionar com a sociedade não-indígena. Esse importante passo alavancou a discussão sobre a criação de políticas específicas para essa população.
Por serem diversos e não estarem mais condenados a deixarem de ser indígenas, é importante destacar que as políticas públicas voltadas para esses povos devem estar sempre embasadas em práticas interculturais de diálogo e de gestão. Dificilmente uma mesma medida ou política obterá o mesmo resultado em povos diferentes, é preciso olhar para cada caso e cada povo a partir da sua especificidade.
É nesse sentido que a implementação de políticas de saúde, educação e qualquer iniciativa em terras indígenas precisam estar ancoradas nas legislações vigentes que reforçam a participação indígena em todas as etapas, através de consulta prévia, informada e de boa-fé, respeitando as práticas tradicionais de cada povo. Sobre isso, o Tratado Internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho recomenda:
Artigo 6°
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1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
- consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
- estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
- estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
- 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Para maiores informações veja esta aula sobre os Povos Indígenas no Brasil – História, direitos, territórios e diversidade.