Módulo 4 | Aula 2 Povos Indígenas

Tópico 2

“Lugar de índio é no mato”?

Nos últimos anos cresceu exponencialmente o número de indígenas em Universidades no Brasil.

2010

De acordo com o Centro Indígena de Estudos e Pesquisa (CINEP) em 2010 haveria cerca de 10.000 indígenas no Ensino Superior, dos quais 100 matriculados em cursos de pós-graduação.

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2018

Quase uma década depois, em 2018, o Censo da Educação Superior produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) indicou a existência de 57.706 indígenas estudantes universitários.

Essa nova presença nas Universidades tem suscitado inúmeras situações de racismo e violências diversas, que indagam aos sujeitos indígenas o porquê de quererem buscar o Ensino Superior. Veja alguns casos:

2015

Em Brasília os estudantes indígenas teriam sido alvo de inúmeras situações de racismo institucional, o que os levou a mover uma representação no Ministério Público Federal contra a Fundação Universidade de Brasília. O estopim foram as ofensas a eles dirigidas por uma servidora da instituição:

"Ao pretenderem resolver situações relacionadas à gestão do espaço, os estudantes foram tratados de maneira degradante, sendo expostos à intervenção da polícia militar, que foi acionada pela servidora coordenadora do centro, com a intenção de criar a falsa ideia de “perigo” que sofria frente aos/as estudantes indígenas. Várias ofensas foram feitas pela servidora, em manifestações de que eles/elas, estudantes, eram pessoas “desqualificadas e selvagens”. Entre outras ofensas, a funcionária disse que “sentia nojo” dos mesmos e que eles deveriam voltar para a floresta, pois o Estado estava desperdiçando o dinheiro público com eles. A servidora, demonstrando total despreparo para a função exercida de coordenação do centro multicultural, fez o registro de ocorrência policial contra duas estudantes, pela acusação de 'constrangimento ilegal'”.

(Cruz, 2019: 155)

2017

Outro caso de racismo aconteceu em outubro de 2017. Kethyla Taiane Shawanava de Almeida, indígena descendente do povo Araras e estudante do curso de pedagogia na Universidade Federal do Acre, encontrou uma carta entre suas coisas na sala de aula com ofensas racistas endereçadas a ela:

“Não sei quem teve a ideia de misturar pessoas normais com índios. Que raça nojenta é essa [...] Ainda vem com uma história de que almeja um futuro melhor para os pais. Procura futuramente estudar em um curso melhor. Vai tirar eles de onde? Da tribo? Deixa eles lá porque lugar de índio é dentro de buracos assim mesmo."

(Cruz, 2019: 157-158)

Em ambos os casos, a violência cometida apontou que aqueles indígenas estavam em lugares errados, pois deveriam estar na “floresta”, “tribo” e em “buracos”. Essa visão parte de um imaginário que percebe a existência dos povos indígenas associada a lugares restritos, negando a sua complexidade e possibilidades de trânsito por diferentes espaços. Com isso, surgem resistências de que eles gozem de direitos e acessem os bens e instituições oferecidos aos demais cidadãos.

O censo do IBGE de 2010 mostrou que cerca de 36,2% da população autodeclarada indígena se encontra em centros urbanos, fora de territórios indígenas. Muitos são os fatores que levam os indígenas a irem viver em centros urbanos, dentre os quais destacamos: a demora da demarcação dos territórios indígenas, o tamanho insuficiente de territórios demarcados, a violência praticada por invasores, garimpeiros e madeireiros ilegais e a consequente busca por oportunidades de empregos e de educação.

Dessa forma, essas pessoas, quando se deslocam para centros urbanos, frequentemente ficam em condições de vulnerabilidade, encontram dificuldades no acesso a políticas sociais e são excluídas das políticas indigenistas. Durante a pandemia da Covid-19 essa vulnerabilidade ficou evidente quando o estudo da Universidade Federal de Pelotas identificou que a proporção de indígenas infectados foi 87% maior em indígenas que entre as pessoas brancas da mesma localidade.

Essas pessoas não perdem as suas identidades indígenas por residirem em espaços urbanos. Continuam imersos em redes de parentesco que os conectam com seus territórios de origem, estabelecendo em suas casas nas cidades como ponto de referência para suas famílias, possibilitando o acesso a recursos e serviços públicos, muitas vezes, ausentes na zona rural. Nas cidades muitos povos constituem bairros indígenas e até mesmo aldeias urbanas como a aldeia.

Confira o depoimento Fiorella Ramos Blanco, médica Warao formada ELAM/Cuba produzido por Marlise Rosa, que contribuiu voluntariamente.
Fotografia de duas mulheres indígenas sentadas em meio a uma região de floresta. Elas conversam entre si, enquanto uma delas faz um trabalho de artesanato. Uma delas usa um vestido colorido e a outra uma camiseta rosa.
Duas mulheres warao migrantes da Venezuela fazendo artesanato com buriti
Fonte: Nações Unidas Brasil / Foto: ©Benjamin Mas/ACNUR

Os Warao são um povo indígena originário da Venezuela que, sobretudo a partir de 2016, tem se deslocado intensamente para o Brasil. Eles cruzam a fronteira em Pacaraima (Roraima) e de lá seguem para as diferentes regiões brasileiras.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), até dezembro de 2021 cerca de 4,5 mil indígenas Warao estariam no Brasil, a maioria deles com o status legal de solicitantes da condição de refugiado.

Nas cidades brasileiras, os Warao se depararam com uma série de adversidades que se assemelham àquelas enfrentadas pelas etnias nacionais em contextos urbanos. São vítimas de racismo e xenofobia na busca por trabalho e moradia. Também não conseguem acessar os direitos étnicos que lhes são garantidos no que se refere à educação intercultural e ao atendimento diferenciado em saúde.

Falantes de língua homônima, pertencente a uma família linguística isolada e espanhol, em níveis variados de fluência, deparam-se ainda com as dificuldades de comunicação.

 Infográfico demonstrando a quantidade de indígenas Warao no Brasil por região por ano. Em 2014 ocorreu o primeiro registro da presença Warao, com 30 indígenas da etnia em Roraima. Em 2016, eram 600 indígenas Warao em Roraima e Amazonas. Em 2017 estabeleceu-se o fluxo de deslocamento desses indígenas do Amazonas para o Pará, e em 2018, eram 1200 indígenas, ocupando também o Pará além de Roraima e Amazonas. Em 2019 ocorreu a chegada dos primeiros grupos Warao nas regiões Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil, com deslocamentos do Amazonas também para Rondônia e Acre. Em 2020 os deslocamentos Warao já abrangiam ao menos 75 cidades das cinco regiões brasileiras.
Infográfico sobre presença Warao no Brasil.
Fonte: ACNUR

Indígenas em contextos urbanos sofrem violências diversas que são resultados das vulnerabilidades que estão sujeitos quando saem de seus territórios. O racismo faz com que tenham suas identidades negadas, dificultando o acesso a políticas públicas voltadas para eles.

Isso ficou ainda mais evidente durante a pandemia do novo Coronavírus diante da política oficial da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) de não contabilizar em seus boletins epidemiológicos os dados referentes aos indígenas contaminados ou mortos pela Covid-19 que residissem fora dos seus territórios. Sobre isso o Ministério Público Federal afirmou:

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“a circunstância de os indígenas estarem em contexto urbano não elide a necessidade de serem atendidos por uma política pública de saúde de caráter diferenciado, seja no âmbito da atenção primária ou na atenção de média/alta complexidade [...] que a negativa de atendimento diferenciado aos indígenas em contexto urbano representa racismo institucional, ao afrontar a livre determinação destes indígenas e ao questionar, implicitamente, sua etnicidade”.

Bulhões; Cruz, 2020
Para assistir...

Confira o vídeo de Cristian Wari'u Tseremey'wa - Tecnologia como ferramenta de luta.

Fonte: youtube.com