Módulo 4 | Aula 1 População Negra

Tópico 2

Implicações do racismo para a saúde

A produção de barreiras que impedem a manutenção da vida e as boas práticas de saúde não condiz com os marcos constitucionais brasileiros alçados em 1988, com os marcos internacionais afirmados pelos Direitos Humanos e com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. Ela colapsa com o histórico de lutas que tem embasado a construção da saúde como forma de produção de justiça social e dignidade aos diferentes grupos sociais, muito além do mero tratamento de doenças.

Estigma e discriminação fazem parte dessas barreiras, cujos efeitos respondem pela vulnerabilização e exclusão social de determinados grupos, fragilizando o seu cuidado. Analisados por uma perspectiva interseccional, vista anteriormente neste curso e que considera o cruzamento de diversas formas de opressão fundados nas diferenciações de raça, gênero, orientação sexual, identidade de gênero e classe - é possível identificar os modos como se produzem e intensificam as doenças e as mortes na população negra.

Para refletir...

As mobilizações históricas do Movimento Negro no campo da saúde atentam para tal questão, demonstrando como o racismo e outras formas de opressões estruturais têm condicionado a população negra ao adoecimento e à morte precoce; bem como apontando os privilégios raciais conferidos ao segmento populacional branco, apoiados na negligência produzida contra as pessoas negras.

Saiba mais...

Para saber mais sobre a saúde da população negra e sua relação com o estigma e a discriminação veja os trabalhos de:

WERNECK, 2016; 2005; BATISTA, ESCUDER, PEREIRA, 2013; LOPES, BUCHALA, ALVES, 2007; MARTINS, 2006; GOES, 2018; SILVA, 2017; BATISTA, BARROS, 2017.

book Bibliografia

Embora a discussão sobre a saúde das pessoas negras possa se dar no âmbito da formulação, implementação e monitoramento da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, abordada mais adiante, seu escopo é mais amplo e possui um longo curso histórico até o surgimento dessa política de saúde. Nele, a produção de práticas de cuidados e o enfrentamento dos descasos, produzidos desde o tráfico da população africana escravizada para o Brasil, assinalam as incontestáveis formas de insistência na vida e desenvolvimento de práticas de saúde que viabilizassem a sobrevivência.

Por outro lado, o estabelecimento de uma política de saúde voltada à população negra não aconteceu na urgência em que era demandada, nem na intensidade da sua implementação (GOES, 2017), em função das resistências para o estabelecimento político de princípios e diretrizes de combate ao racismo brasileiro (BATISTA, BARROS, 2017; WERNECK, 2016).

É importante lembrar que o racismo científico viabilizou a prática de racismo em larga escala e a reprodução de uma falsa ideia de democracia racial, na medida em que seus conteúdos foram ampliados com respaldo da comunidade científica. Tal racismo se estabeleceu como um dispositivo dinamizador de desigualdades, violências, invisibilidades e anulações da população negra em diferentes campos, como é o caso da saúde.

Diante deste cenário promovido pelo racismo científico, ficou evidenciada a necessidade e a urgência na implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

Segundo Oliveira (2003), o racismo científico sustentou a crueldade em pesquisas biomédicas em todo o mundo. No Brasil, a autora destaca a pesquisa realizada por Diva Moreira que questionou os fundamentos doutrinários e científicos da medicina ocidental, na medida em que analisou o processo de saúde e doença, as dinâmicas demográficas e os mecanismos discriminatórios e racistas.

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“O que chama muito atenção na dinâmica própria do racismo é a sua hábil e sagaz capacidade de transmutação, sua maleabilidade para se adequar e adquirir, sempre, a cara do seu tempo, apesar de que o paradigma é sempre o mesmo, desde que apareceu”

OLIVEIRA (2003, p. 56)

Veja através dos dados apresentados a seguir como essa colocação é válida e como o Brasil tem se especializado na produção e execução do racismo, que se revela entre ações aprovadas pelo Estado e a sociedade civil.

IInfográfico  com dados do Infopen. Traz o número de pessoas em situação de privação de liberdade, com mais de 748 mil – o Brasil sustenta a terceira maior população carcerária do mundo. Desse total 657.844 são pessoas encarceradas que tiveram raça, etnia e cor classificadas. Por fim, um gráfico de pizza demonstrando que 66,7% da população carcerárias brasileira é composta por pessoas negras, o que representa dois terços do total dessa população.
Capa do PDF Atlas da Violência

O Atlas da Violência de 2019 (2020) informa que:

  • Entre 2008 e 2018, a taxa de homicídios de pessoas negras cresceu 11,5%, enquanto houve uma redução de 12,9% para não negros.
  • Somente em 2018, dos 57.965 homicídios ocorridos no Brasil, 75,7% foram de pessoas negras, principalmente, jovens negros entre 15 e 29 anos (53,3%).

Podemos destacar também que, ao longo das diferentes ondas da pandemia de COVID-19, a população negra tem sido frontalmente exposta à maior vulnerabilidade, apresentando as maiores taxas de contaminação e morte pelo vírus; além de menor acesso ao atendimento integral em saúde (principalmente, os serviços especializados) (SANTOS et al., 2020; GOES, RAMOS, FERREIRA, 2020).

Dados como estes atestam como a política de morte dinamizada pelo racismo tem autorização e recursos disponíveis para ser efetivada no Brasil que, produzindo profundas desigualdades, criam mecanismos de contenção e aniquilação de corpos negros.

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"(…) As desigualdades raciais no Brasil, refletidas no racismo institucionalizado, impactam no acesso aos bens e serviços e no direito à saúde de forma equânime, não respeitando as diversidades socioculturais e religiosas."

"Tais desigualdades se manifestam frequentemente em estereótipos e nas intolerâncias polarizadas em torno da etnia, assim como nas relações de gênero e outras diversidades sociais, pois as relações raciais estão enraizadas na vida social do indivíduo, grupos e classes sociais, afetando-o."

GOES (2011, p. 18)