Módulo 1 | Unidade 2 O básico do Sistema Único de Saúde, da Participação e do Controle Social
A origem e importância do Sistema Único de Saúde - SUS
Se o SUS fosse uma pessoa, sua certidão de nascimento seria a Lei 8.880, de 19 de setembro de 1990 que, em conjunto com a Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, costuma- se chamar de Leis Orgânicas da Saúde. Portanto, o SUS já não é mais uma criança ou adolescente, um ser em formação. Já é um adulto, jovem, ainda com bastante estrada a percorrer, mas com alguma experiência acumulada.
A Lei 8.880/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e outras providências, consistindo na organização do sistema público de saúde do país. Já a Lei 8.142/90 dispõe sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros à área da saúde e sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, por intermédio de dois mecanismos: os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde. A respeito destes, você verá de forma mais aprofundada em tópicos e subtópicos desta e da próxima unidade do módulo.
As bases jurídicas do SUS são formadas pelas Leis Orgânicas da Saúde e pela própria Constituição Federal Brasileira. Na sua Seção II – da Saúde, Capítulo II – da Seguridade Social, Título VIII – da Ordem Social, é criado o Sistema Único de Saúde. Ainda, em seu artigo 196, declara expressamente que:
format_quote"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"
BRASIL (1990)
Mas as origens dessa entidade, que veio a se constituir no que atualmente conhecemos como SUS, remontam a um período anterior na História do Brasil. De fato, trata-se de um processo em constante evolução, que pode atravessar períodos de maior ou menor aceleração e velocidade de transformações, a depender das circunstâncias e condições.
Acompanhe a trajetória da assistência à saúde no Brasil entre 1889 e 1963 e seus principais aspectos!
Em 1966, já sob o governo da ditadura civil-militar que havia dado o Golpe de 1964, surgiu o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e, em 1977, foi instituído o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Esse contexto foi caracterizado pelo aprofundamento da concentração urbana que também ampliou a demanda por atenção à saúde. A fim de dar conta das lacunas deixadas pelo Estado que não conseguia suprir a necessidade de mais serviços e ações de saúde, observou-se a expansão rápida e progressiva do mercado privado de saúde (planos e seguros de saúde).
Por outro lado, as ações e serviços voltados aqueles não inseridos no mercado de trabalho eram fundamentalmente atreladas à caridade, além de serem mecanismos de clientelismo político e manipulação de verbas; políticas focalizadas, desarticuladas, com as ações sendo fundamentadas na lógica da benesse, da caridade e não do direito. Para a grande maioria da população restava a caridade das instituições filantrópicas. Nesta perspectiva, cita-se:
format_quote“O clientelismo tem sido compreendido como uma relação de troca que envolve a entrega de benefícios, de um lado, e o retorno na forma de voto ou apoio político, do outro. Há algum consenso de que se trata de uma relação assimétrica, sustentada no tempo e no espaço, que se distingue de outros tipos de trocas pelo fato de que a entrega dos benefícios está condicionada ao apoio político passado ou futuro”.
STOKES et al, (2013, p. 399)
Em 1990, o INPS se fundiu ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) para formar o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Com isso, o INAMPS, que funcionava junto ao INPS e consistia na política pública de saúde à época, foi extinto em 1993 e seu serviço passou a ser coberto pelo SUS.
Acompanhe o vídeo "História da saúde pública no Brasil – 500 anos na busca de soluções".
É interessante perceber que, a partir de 1930, mesmo com a Era Vargas sendo um período ditatorial, legislações e políticas públicas mais estruturadas voltadas para o bem- -estar da população e proteção social e dos direitos sociais dos trabalhadores em geral foram elaboradas e colocadas em prática, como a instituição da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Finalmente, como você já viu anteriormente, o SUS foi criado em 1990, representando uma verdadeira revolução na saúde pública por oferecer cobertura gratuita dos serviços de saúde à totalidade da população. São oferecidos serviços de baixa, média e alta complexidade, são distribuídos diversos medicamentos, são viabilizados os maiores programas de vacinação e de transplantes de órgãos do mundo etc. Tudo isso em todo o território nacional sem fazer discriminações.
Mas, tudo isso não foi construído com facilidade, pois era necessário superar dificuldades estruturais históricas em direção a um sistema que fosse público, único, igualitário, universal, gratuito, descentralizado e humano. Isso para não falar da escassez de quadros profissionais técnicos-científicos que pudessem integrar e desenvolver serviços de excelência e qualidade.
Um movimento social integrado por um conjunto de pessoas das mais diversas origens se organizou em meados da década de 1970, portanto, durante a ditadura civil-militar, e ficou conhecido como o movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB).
Segundo autores, o movimento social da RSB era formado por segmentos populares, estudantes, pesquisadores, parlamentares e profissionais da saúde de instituições recémconstituídas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).
Assumindo como foco a reestruturação da Saúde no Brasil, a RSB ensejava significar um processo civilizatório da sociedade brasileira com a instituição do SUS, na VIII Conferência Nacional de Saúde de 1986, mas cujo desenho mais geral já havia sido proposto pelo Cebes em 1979. Como desdobramento disso, foi uma vitória afirmar na Constituição Federal de 1988 que a saúde é um direito de todos e dever do Estado.
Você terá oportunidade de ver e pensar mais sobre a VIII Conferência Nacional de Saúde na próxima unidade deste módulo do curso.
Você terá oportunidade de ver e pensar mais sobre o conceito de Participação Social no próximo tópico desta unidade.
Princípios do SUS
Princípios Doutrinários | Diretrizes Organizativas |
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Universalidade
Saúde é um direito de todos e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que acesso às ações e serviços deve ser garantido a todos, sem descriminação. |
Regionalização e Hierarquização
Serviços organizados em níveis de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, com definição e conhecimento da população a ser atendida. |
Equidade
Compreender que todos precisam de atenção, mas reconhecer as necessidades de grupos específicos e reduzir ou eliminar as diferenças em saúde. |
Descentralização e Comando único
Redistribuir poder e responsabilidade entre os três níveis de governo e prestar serviços com maior qualidade, garantir o controle e a fiscalização por parte dos cidadãos. Cada esfera de governo sendo autônoma e soberana nas suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade. |
Integralidade
Atendimento a todas as necessidades, integração de ações, incluindo a promoção e prevenção, o tratamento e a reabilitação, a articulação da saúde com outras políticas públicas / intersetorialidade. |
Participação popular
População deve participar do processo de formulação, acompanhamento e controle das políticas de saúde em todos os níveis federativos (municipal, estadual e federal). É uma das formas mais avançadas de democracia, pois determina uma nova relação entre o Estado e a Sociedade. Seu exercício se dá através de espaços institucionalizados como os Conselhos e as Conferências de Saúde, mas não somente. |
Você pode ver, portanto, que a ideia geral e ambiciosa da RSB era democratizar a saúde no Brasil, emplacando as noções de que o direito à saúde faz parte da própria cidadania, de que era necessário conscientizar a todos sobre a importância dos determinantes em saúde (condições de vida e de trabalho que afetam as pessoas e podem provocar doenças), e de que a participação social era fundamental. Era, é e sempre será, se quisermos viver num Estado e numa Sociedade democráticos.
Nos últimos anos, acirrou-se o debate sobre diferentes concepções de universalidade em saúde, polarizado nas propostas de sistema universal versus cobertura universal em saúde. De acordo com Giovanella e colaboradores (2018), na concepção de Cobertura Universal em Saúde há o incentivo da contratação de seguros de saúde diferenciados conforme a capacidade de pagamento dos indivíduos. Por sua vez, no Sistema Universal de Saúde não há definição de uma cesta limitada: os serviços devem ser ofertados de acordo com necessidades populacionais.
Esse debate é importante uma vez que com a criação do SUS, houve o reconhecimento da saúde quanto direito de cidadania, o que trouxe avanços importantes para a população. Recuar desse pressuposto, abriria espaço para fragilização dos princípios da universalidade e da integralidade, por exemplo, uma vez que essa cobertura não necessariamente garante acesso aos serviços de saúde conforme as necessidades.
Vale a pena você explorar o conteúdo que o link abaixo aponta, para agregar elementos às reflexões, neste caso sobre as conquistas e os desafios do SUS: