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Campus Virtual Fiocruz

Diabetes Mellitus no SUS
Promoção, prevenção e o fortalecimento do autocuidado

Módulo 1 | Aula 1 Diabetes Mellitus: epidemiologia, fatores de risco e estratégias de prevenção

Tópico 5

Prevenção do Diabetes Mellitus

Imagem ilustrativa de uma médica vestindo jaleco branco, máscara branca, cabelos presos, blusa laranja e saia rosa, ela segura uma prancheta, ao seu lado uma mulher de pele escura e cabelos ruivos vestindo um conjunto de roupa íntima azul, ela está em cima de uma balança, ao fundo das duas, uma balança em tamanho maior.
Fonte: Freepik

É importante enfatizar que as esperanças em conter a "epidemia" de diabetes e reverter as tendências repousam quase que exclusivamente na contenção e desaceleração da "epidemia" de obesidade. Por isso, quem deseja se prevenir contra o diabetes deve se dedicar à prevenção da obesidade.

Ora, prevenir a obesidade no âmbito da saúde pública é muito mais complexo do que imaginamos.

As estratégias mais comuns de apelos aos indivíduos para "comer melhor" e "se movimentar mais", se baseiam na falsa crença de que a obesidade é consequência de uma livre escolha de estilo de vida, que pode ser prevenida ou revertida simplesmente pelo exercício da força de vontade. Além de ser prejudicial (social e psicologicamente) para as pessoas que sofrem da condição, isso é notoriamente insuficiente dado nosso ambiente "obesogênico".

Saiba Mais

Ambiente obesogênico: você sabe o que é?

Imagem ilustrativa de uma mulher com cabelos castanhos compridos e blusa laranja, está com as duas mãos levantadas, em cada lado há tipos diferentes de comida, de um lado rosquinha, hambúrguer, cachorro-quente, batata frita e pizza, do outro lado abacate, cenoura, maçã, brócolis e folhas.
Fonte: Freepik

“Ambientes obesogênicos são aqueles ambientes promotores ou facilitadores de escolhas alimentares não saudáveis e de comportamentos sedentários, os quais dificultam a adoção e manutenção de hábitos alimentares saudáveis e a prática regular de atividade física.”

Fonte: Ministério da Saúde (2022)

Os principais traços do ambiente obesogênico

Do lado do sistema alimentar, o que caracteriza o ambiente "moderno" é a industrialização da agricultura e também dos próprios alimentos, seja na sua produção, distribuição e marketing.

Nesse contexto, evidências científicas apontam os alimentos ultraprocessados e os disruptores endócrinos como principais “culpados” da epidemia de obesidade. Vamos entender melhor esses termos.

Nas palavras de Carlos Augusto Monteiro, professor da USP e "pai" do termo, alimentos ultraprocessados são:

"formulações feitas principalmente ou inteiramente de substâncias derivadas de alimentos e aditivos com pouco ou nenhum alimento intacto."

MONTEIRO

Com a globalização econômica e as demandas geradas pela vida urbana, tais "alimentos" invadiram os mercados.

Hoje em dia, estima-se que de 60% a 70% dos alimentos presentes na rotina alimentar de uma família brasileira são produzidos pelas grandes multinacionais alimentícias.

Numerosos estudos científicos em populações ao redor do mundo mostraram que quanto maior o consumo de alimentos ultraprocessados, maior a mortalidade total e maior o risco de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, entre outras doenças crônicas não transmissíveis, comprovando o perigo que representam para a saúde.

Vários são os mecanismos que explicam o efeito adverso dos alimentos ultraprocessados na saúde humana:

  • qualidade nutricional inferior – fartos em calorias, gorduras, açúcar e sal, pobres em fibras e vitaminas.
  • perturbação das sensações reguladoras da ingestão de alimentos (fome, saciedade) – por não conter alimentos de “verdade”.
  • produção de comportamentos de dependência – através dos açúcares refinados e dos ingredientes artificiais que intensificam os sabores e amaciam as texturas.

É importante ressaltar que o próprio processamento e a embalagem (muitas vezes feita com derivados do plástico) resultam na produção de compostos potencialmente tóxicos, pertencentes à grande família dos disruptores endócrinos.

Para Assistir

Assista ao vídeo "Alimentos ultraprocessados", da SAPS Secretaria de Atenção Primária à Saúde.

Fonte: SAPS Secretaria de Atenção Primária à Saúde (2028). Youtube

Disruptores endócrinos são uma gama de substâncias químicas que interferem no sistema hormonal, alterando mecanismos naturais essenciais ao funcionamento correto do organismo.

Essas substâncias químicas podem ser encontradas em uma infinidade de produtos industriais, desde cosméticos a revestimentos de estradas; no sistema alimentar, aos contaminantes oriundos do ultraprocessamento e da embalagem dos alimentos já sinalizados, se somam os agrotóxicos, representantes da industrialização da agricultura, cujo mercado mundial não para de crescer, apesar dos alertas ambientais e dos riscos comprovados para a saúde global.

Fora do sistema alimentar, fazem parte do ambiente obesogênico múltiplos produtos ou serviços de outras indústrias: carros e estradas, eletrodomésticos, as várias "telas" (televisão, computadores, smartphones e derivados) e os gigantes da imprensa, da Internet e da publicidade que as abastecem em conteúdos. Tais produtos ou serviços estão associados à obesidade não somente por reduzir drasticamente os gastos energéticos do cotidiano, mas também, no caso das telas, e particularmente entre crianças e adolescentes, por:

  • aumentar o consumo "mecânico" de alimentos (sobretudo ultraprocessados) durante a visualização;
  • expor ao marketing de alimentos e bebidas industrializados – através de websites, aplicativos e advergames patrocinados por empresas de alimentos, de comerciais em sites infantis ou nas redes sociais, muitas vezes disfarçados de entretenimento ou mensagens de amigos –, com influência comprovada sobre as preferências, solicitações de compra e hábitos de consumo;
  • encurtar a duração do sono, outro fator associado ao excesso de peso.

Prevenindo a obesidade em ambiente obesogênico

O combate à obesidade requer sobretudo medidas coletivas concertadas, intersectoriais e de grande escala.

Existem diversas políticas e ações que podem (e deveriam) ser implementadas para a prevenção da obesidade. Infelizmente, muitas vezes essas iniciativas permanecem tímidas ou são vetadas por interesses comerciais desproporcionais.

Veja alguns exemplos dessas políticas:

Figura ilustrativa do Nutri-Score, a letra A está destacada na cor verde escuro, o B está na cor verde claro, o C em amarelo, D em laranja e o E na cor vermelha.
Fonte: Freepik

A maioria dos países impõe que alimentos e bebidas embalados tenham impressos na embalagem os valores nutricionais. O problema é que nem todos os consumidores são capazes de entender as informações assim expressas e poucas são as pessoas que conseguem escolher o produto mais saudável a partir delas. Daí a ideia de "traduzir" por um rótulo ou logotipo muito mais fácil de entender.

Vários países europeus adotaram o Nutri-Score, um sistema francês de rotulagem nutricional conhecido também como sistema de 5 cores, cuja eficácia em promover carrinhos de compras de melhor qualidade nutricional, até nas parcelas mais desfavorecidas da população, já foi amplamente comprovada.

Na América do Sul, o Chile foi pioneiro em impor, em 2016, uma rotulagem de tipo "alto em", com alimentos podendo ter um ou dois ou três ou os quatro selos. A partir de um só selo no produto, o marketing em direção a crianças é proibido, assim como o uso de brindes ou personagens feitos para atrair o público infantil.

E apesar da indústria tentar desacreditar esse modelo, um conjunto de resultados comprova o bom funcionamento dos alertas: a medida teve forte impacto tanto na escolha alimentar como na reformulação de produtos.

Em 2022, o Brasil também instituiu rotulagem nutricional semelhante à do Chile – com selos "alto em" –, depois de uma consulta pública técnica sob tutela da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que demorou vários anos, em particular, por enfrentar a oposição da potente Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia).

Leitura
Complementar

Nova rotulagem nutricional Brasil

“Em outubro de 2020 a Anvisa publicou novas normas sobre rotulagem nutricional, que entram em vigor em 9 outubro de 2022. O objetivo é facilitar a compreensão das informações nutricionais presentes nos rótulos dos alimentos e assim auxiliar o consumidor a realizar escolhas alimentares mais conscientes. “

Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa

Os governos podem decretar impostos e subsídios para limitar o consumo de produtos alimentares nocivos ou, incentivar o consumo de alimentos saudáveis.

Por exemplo, impostos sobre refrigerantes e bebidas açucaradas, implantados em vários países (na América Latina, o pioneiro foi o México, em 2014 ) resultaram em diminuições importantes nas compras e consumo dessas bebidas.

Efeitos sobre a prevalência da obesidade não estão ainda visíveis, mas a redução calórica observada deixa esperar que baixe em até 9% em dez anos. Os impostos têm que ser significativos, aumentando o preço de 20% a 30%, para ter impacto.

Experiências de incentivos financeiros para alimentação saudável são mais raras.

No Brasil, será importante acompanhar a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO), instituída no estado de São Paulo em 2017 e na Bahia em 2023, que visa promover produção agroecológica para fornecer mercados e consumidores em produtos orgânicos, livres de agrotóxicos.

Faz parte dos princípios da livre concorrência o direito das empresas de fazer a publicidade dos produtos que vendem, de maneira a atrair clientes e obter sua preferência para o que comercializam.

Todavia, no que diz respeito aos alimentos, e particularmente quando as mensagens estão dirigidas a crianças ou adolescentes, se pode opor a elas o direito dos consumidores ou a proteção da infância para criar leis ou políticas destinadas à preservação da saúde. Isso permite enquadrar o marketing e proteger as pessoas mais vulneráveis aos incentivos da publicidade.

Infelizmente, essas leis nem sempre têm grandes efeitos, porque as grandes empresas se mobilizam muito para contornar interdições, por exemplo, fazendo migrar o marketing, se regulado na televisão, para outros espaços, principalmente espaços digitais.

Foi a constatação, um tanto desiludida, da Organização Mundial da Saúde. Frente a isso, lançou recentemente (2023) uma nova diretriz, "Políticas para proteger as crianças do impacto prejudicial do marketing de alimentos", visando apoiar e racionalizar o desenvolvimento e implementação de novas políticas, e reforçar as políticas existentes. O documento só existe, até agora, em língua inglesa.

Leitura
Complementar

Há dez anos, o World Cancer Research Fund (Fundo Mundial de Pesquisa contra Câncer) divulgou um quadro de ações chamado NOURISHING para promover dietas saudáveis. O documento traz uma visão resumida sobre como tornar o ambiente nutricional mais propício à saúde.