Alguns desafios para a construção de indicadores de imunizações
A construção do indicador de cobertura vacinal depende de dados demográficos para conhecer o total da população-alvo e verificar se a demanda vem correspondendo às estimativas populacionais.
Em relação à vacinação na infância, o cálculo dos indicadores relacionados à imunização depende do SINASC, utilizado como denominador do cálculo. Os dados da base nacional costumam ter um atraso de, em média, 2 anos. A qualidade e quantidade dos registros depende da capacidade de cada município em captar os nascimentos, preencher a Declaração de Nascidos Vivos (DNV) e registrar no SINASC. Os dados desatualizados podem comprometer os resultados das coberturas vacinais, em especial nos pequenos municípios. Isso pode comprometer no planejamento das ações, por exemplo, nas estimativas de necessidade de vacinas.
As demais estimativas populacionais dependem, na sua maioria, dos dados censitários do IBGE. Contudo, o espaçamento entre os censos (10 anos de intervalo), ou ainda, a falta de estimativas anuais em períodos intercensitários ocasiona maior possibilidade de subestimação ou superestimação dos dados populacionais, da mesma forma afetando, principalmente, os dados de pequenas populações.
Os próprios registros das doses aplicadas também são um desafio para a cobertura. Os sistemas de informação para registro das doses de vacinas são desenvolvidos para facilitar o trabalho, mas não eliminam problemas, seja de concepção, ou criados pelo usuário.
A coleta de dados não individualizados, agregados por ocorrência da vacinação, como ocorre em campanhas de vacinação indiscriminada, e o registro de dados individualizados por residência fora do prazo, ou sub-registro no Sistema de Informação do PNI e/ou no eSUS AB influenciam de forma negativa no cálculo da cobertura vacinal, subestimando as coberturas vacinais. O registro de duplicidade de doses no mesmo indivíduo superestima o numerador; erros nas estimativas populacionais do IBGE ou do SINASC com subestimação de pessoas, também pode superestimar as coberturas vacinais.
Assim, identificam-se alguns fatores que influenciam na qualidade dos dados desse indicador:
- Regularidade na transmissão
- Disponibilidade dos dados no tempo definido
- Integridade e completude
- Consistência e coerência
- Representatividade
A queda na cobertura vacinal
A queda na cobertura vacinal observada em vários países, inclusive no Brasil, na década de 2010 e a persistência de desigualdades na cobertura vacinal entre regiões e grupos sociais levou a um aumento na incidência ou ao reaparecimento de doenças que haviam sido erradicadas de alguns países, como foi o caso do sarampo.
A Organização Mundial de Saúde alerta que a estagnação ou queda nas coberturas vacinais foi registrada em várias regiões do mundo, tendo sido acentuada nas Américas. Neste continente, por exemplo, dados do informe da OMS/UNICEF - Estimativas de Cobertura Nacional de Imunização de 2019 - mostram que a cobertura de vacina tríplice bacteriana em crianças caiu de 91% em 2016 para 85% em 2019. O mesmo informe alerta para as desigualdades nas coberturas vacinais observadas dentro dos países, que podem ser mascaradas se só forem olhadas as médias nacionais.
Ainda que os motivos para a estagnação ou queda nas coberturas possam variar entre os países, a OMS levanta algumas hipóteses: instabilidade e descontinuidade nas políticas públicas, efeitos da crise econômica, desigualdades sociais e investimentos insuficientes nos sistemas públicos de saúde.
A questão das desigualdades nas coberturas vacinais entre e dentro dos países é bastante grave por vários motivos. Em primeiro lugar, muitas vezes expressa desigualdades nas condições sociais e de acesso aos serviços de saúde dos diferentes grupos populacionais, afetando os mais pobres e vulneráveis. Em segundo lugar, prejudica o controle e/ou a erradicação de doenças imunopreveníveis, porque baixas coberturas em determinados locais favorecem a ocorrência de surtos e disseminação de doenças para outras localidades, regiões e países, onde aquele problema supostamente estaria mais controlado. Portanto, além de aumento na cobertura vacinal média, é muito importante buscar reduzir desigualdades e assegurar homogeneidade na cobertura vacinal nos territórios, dentro e entre nações.
Por fim, dados preliminares da OMS sugerem uma tendência de queda das coberturas vacinais para diversas vacinas em 2020, devido às repercussões da pandemia de Covid‑19, o que exigirá estratégias específicas dos países para reverter esse quadro.
No caso da América Latina, uma das regiões com maior queda de cobertura vacinal na década de 2010, uma revisão sistemática da literatura identificou três grupos de fatores que influenciariam uma menor adesão à vacinação:
- fatores contextuais (perfil socioeconômico da população, como baixo nível de renda e escolaridade);
- fatores relacionados às pessoas ou a influência de grupos (baixo nível de informação, confiança nas instituições, nos políticos e no sistema de saúde);
- fatores relacionados à vacina e à vacinação, com destaque para os que influenciam a acessibilidade (disponibilidade da vacina e acesso aos serviços de saúde).
Coberturas vacinais por triênio e tipo vacinas do calendário da criança, Brasil, 1980 a 2020
Para especialistas, vários motivos podem influenciar essa queda. Domingues e colaboradores destacam alguns exemplos:
- A hesitação em vacinar, relacionada ao menor conhecimento e temor de doenças que já haviam sido eliminadas ou se tornaram raras (como a poliomielite e o sarampo), ao receio de eventos adversos, a limites nas estratégias de comunicação com a população, à disseminação de notícias falsas (fake news) e à atuação de grupos antivacina (no Brasil ainda limitada);
- A maior complexidade relacionada ao maior número e diversidade de vacinas existentes atualmente, exigindo qualificação dos profissionais de saúde e informações claras à população;
- Dificuldades das famílias em termos de disponibilidade de tempo para várias idas às unidades de saúde para vacinação, considerando a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a maior quantidade de vacinas incorporadas ao calendário nacional;
- Irregularidades na disponibilidade de vacinas nos serviços de saúde;
- Mudanças nos sistemas de informações utilizados e problemas de qualidade dos registros sobre vacinação.
No vídeo, o epidemiologista Jarbas Barbosa, da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), comenta sobre os desafios relacionados à queda da cobertura vacinal nas Américas na última década. O especialista alerta para a necessidade de remover barreiras que prejudicam a vacinação, ressaltando que a própria expansão do leque de vacinas disponíveis traz novos desafios, considerando as dificuldades que algumas famílias podem ter para retornar várias vezes às unidades de saúde. Por fim, alerta sobre a necessidade de os sistemas de saúde realizarem busca ativa para viabilizar o aumento das coberturas vacinais, inclusive após o final da pandemia de COVID-19, que pode ter agravado a situação de queda de cobertura vacinal relativa a outras doenças.
Fake News
As falsas notícias (fake news) têm ganhado destaque nos assuntos de forma geral, no entanto, no que diz respeito à saúde, as falsas notícias podem ter impacto desastroso, criando uma barreira entre o indivíduo e possíveis medidas de prevenção e tratamento de doenças.
No caso das vacinas, cabe destacar que dados epidemiológicos comprovam a redução de doenças imunopreveníveis com a ampliação do acesso às vacinas ao longo dos anos, e o inverso tem sido observado, uma vez que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos o recrudescimento de doenças preveníveis por vacina, concomitantemente à diminuição das coberturas vacinais.
Como visto no tópico das possíveis causas da queda das coberturas vacinais, as fake news se configuram como um grande desafio. Neste sentido, a SBIM e o Ministério da Saúde lançaram canais para verificação de informações: Em 2019, a Avaaz e a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) realizaram o estudo “As Fake News estão nos deixando doentes?”, com o objetivo de investigar a associação entre a desinformação e a queda nas coberturas vacinais. Uma das principais descobertas do estudo é que “(a) proporção de pessoas que acreditam em desinformação sobre vacinas é maior entre os que usam redes sociais e/ou WhatsApp como fonte de informação - 73% contra 60% para quem cita outras fontes.
Combate às fake news
O Ministério da Saúde disponibiliza um espaço exclusivo para receber notificações de falas e informações que viralizam nas redes sociais, e que serão apuradas pelas áreas técnicas. As informações são respondidas oficialmente, para averiguação se são verdade ou mentira.
O número para envio de dúvidas é (61)99289-4640.
Quando os sistemas de saúde estão sobrecarregados, como no momento de pandemia de Covid‑19, pode aumentar de forma significativa a mortalidade associada a doenças imunopreveníveis e a outras condições para as quais existem ações efetivas de prevenção e tratamento. Interromper a vacinação rotineira, em especial de crianças, gestantes e outros grupos de risco, pode levar ao aumento de casos de algumas doenças e ao retrocesso nas conquistas de erradicação de outras, como o sarampo, por exemplo. Manter a cobertura vacinal preconizada pelo Programa Nacional de Imunizações para o controle dos diferentes agravos é fundamental para a saúde pública do país, como um todo, e de cada região, em particular.