Módulo 2 | Aula 2 A Organização do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS)

Tópico 2

A Gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena

Vimos que a criação do SasiSUS é resultado de uma intensa articulação e muita luta dos povos originários. Ele foi organizado para garantir que as populações indígenas tenham assistência à saúde, respeitando os aspectos culturais, sociais, geográficos e ecológicos de forma articulada e complementar às práticas tradicionais de cuidado, ou seja, uma atenção diferenciada.

Esta atenção precisa ser integral, respondendo a todas as demandas de cuidado da pessoa. Por isso, as unidades de saúde do SasiSUS são apenas uma parte da rede de serviços que é composta, também, pelos serviços de saúde do SUS.

Com mais de 22 anos de existência, o SasiSUS teve duas instituições responsáveis pela sua gestão: a FUNASA e a SESAI, ambas vinculadas ao Ministério da Saúde.

FUNASA: os primeiros 10 anos do SasiSUS

A Funasa foi a instituição responsável legalmente pela implementação do SasiSUS, atuando em diferentes frentes:

Quadro com fundo branco e texto na cor preta, contendo o logotipo da Funasa ao centro. Abaixo, ligadas ao logotipo por linhas de traço contínuo na cor preta, há três blocos de texto, que dispõem informações sobre as frentes de atuação da Funasa na implementação do SasiSUS. A primeira frente é a “Coordenação de todo o processo de criação dos distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI)”. A segunda frente é a “Organização dos pontos de atenção à saúde e do controle social”. A terceira frente é a “Construção e publicação da  (PNASPI)”.

Todo este processo teve atuação constante dos povos indígenas no controle social por meio de suas organizações.

Considerando que a Funasa não tinha unidades e equipes de saúde para realizar as ações de saúde diretamente nos territórios indígenas, a maneira que se encontrou para a implementação dos Distritos foi a realização de contratos ou convênios com diversos tipos de entidades.

Em algumas regiões, o que mais acontecia eram convênios com organizações não governamentais (ONGs), inclusive organizações indígenas, que contratavam os profissionais e organizavam as ações; em outros territórios isto ocorria em parceria com as prefeituras dos municípios; em alguns territórios ocorriam as duas situações.

Esse processo de contratação de empresas e ONGs se chama terceirização dos serviços de saúde.

Esta terceirização em muitos lugares levou à precarização da contratação dos profissionais de saúde e a transferência das responsabilidades do governo para ONGs e empresas.

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A terceirização dos serviços de saúde.

A Lei 8.080/1990 define que as ações de saúde são de responsabilidade do Estado. Entretanto, a mesma Lei diz que o serviço privado pode atuar no SUS de forma complementar.

A atuação dos serviços privados na prestação de assistência à saúde é chamada de terceirização.

No SasiSUS a terceirização está presente desde o início da implantação dos Distritos. Este é um desafio não superado e sem consenso no modelo sobre o modo que deve ser realizado.

A Constituição Federal estabelece que os funcionários do Estado devem ser contratados por meio de concursos públicos, contudo, desde a criação do SasiSUS a contratação dos trabalhadores vem sendo realizada por meio de apoio de ONGs e prefeituras.

A legislação trabalhista, dificilmente seguida na contratação dos trabalhadores no SASi, teve diversas ações na justiça que resultaram no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) 412/2009, que estabeleceu prazos para o Ministério da Saúde realizar concurso público para a contratação dos profissionais.

Em 2013, este tema foi debatido na 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena no subeixo “Avanços e Desafios na Área de Recursos Humanos para a Saúde Indígena: formação, educação permanente, capacitação e práticas de saúde e medicina tradicionais”.

As propostas aprovadas trouxeram diversas possibilidades como:

  • concurso público;
  • concurso público regionalizado;
  • seleção por processo seletivo;
  • ampliação do prazo do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e
  • efetivação dos profissionais que estavam contratados, por exemplo.
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A experiência das organizações indígenas atuando na execução das ações de saúde como terceirizadas.

No relato de Zezinho Kaxarari, disponível no livro Vozes Indígenas da Saúde (página 92- 97), você pode conhecer mais sobre a experiência das organizações indígenas atuando na execução das ações de saúde como terceirizadas.. Se por um lado essa experiência garantiu uma maior autonomia para a população indígena na organização e execução das ações, por outro , a falta de apoio com a legislação sobre a administração da saúde trouxe desafios legais que levaram algumas organizações à falência.

Material complementar

Para aprofundar o tema, recomendamos duas leituras:

No período em que a Funasa esteve à frente da gestão do SasiSUS, muitos foram os avanços e os desafios na atenção à saúde nos territórios:

AVANÇOS
  • a expansão da atenção às comunidades indígenas
  • a melhora da condição de saúde
  • a redução da mortalidade infantil
  • a organização do controle social no SasiSUS
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DESAFIOS
  • a precariedade na contratação da força de trabalho
  • a rotatividade de profissionais
  • falta de articulação com estados e municípios
  • desvios de verbas que geraram diversas denúncias sobre a atuação da FUNASA

Mas não parou por aí. As Conferências de Saúde Indígena aprovaram em suas propostas que a gestão da saúde indígena deveria ser direta do Ministério da Saúde (MS), mas na 4ª Conferência, em 2006, foi referendada a permanência da FUNASA como gestora do SasiSUS. Contudo, as diversas denúncias fizeram com que o controle social reivindicasse modificações na gestão do SasiSUS.

Em respostas às denúncias e atendendo às solicitações das lideranças indígenas foi criado um Grupo de Trabalho (GT) pela Portaria 3034 de 17 de dezembro de 2008 para:

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“discutir e apresentar propostas de ações e medidas a serem implantadas no âmbito do Ministério da Saúde, no que se refere à gestão dos serviços de saúde oferecidos aos povos indígenas”.

Composto por 26 membros, sendo 16 representantes dos povos indígenas designados pela Portaria 3035 de 17 de de dezembro de 2008, o Grupo de trabalho (GT) foi dividido em diversos subgrupos, a saber:
  1. Transferência das ações do Departamento de Saúde Indígena (DESAI) da Funasa para o MS;
  2. Organização da Secretaria Especial de Saúde Indígena;
  3. Organização de Câmara Técnica de Saúde Indígena no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite e das Comissões Intergestores Bipartite;
  4. Autonomia dos DSEIs;
  5. Seminários regionais;
  6. Diagnóstico da situação atual do saneamento básico nos DSEIs.

O processo de criação da Sesai envolveu muitas reuniões do GT e oficinas macrorregionais que ampliaram o debate com outros participantes. Esta história é longa e com muita articulação dos povos indígenas para garantir a sua participação.

Material complementar

A criação da SESAI

O vídeo: “SESAI”, do Canal Saúde da Fiocruz, de 2010, fala sobre o processo de criação da SESAI, fruto de uma construção coletiva entre governo federal, profissionais da saúde e representantes de povos indígenas.

Para refletir...

Você sabe como foi organizada a assistência à saúde no seu território? Eram ONGs ou municípios os parceiros da FUNASA nos primeiros 10 anos do SasiSUS?

E a transição das ações entre a FUNASA e SESAI, trouxe mudanças para o seu território?

SESAI

A Secretaria Especial de Saúde Indígena, SESAI, foi criada na estrutura do Ministério da Saúde pelo Decreto 7.336 de 19 de outubro de 2010 a partir das discussões e recomendações do GT.

A SESAI assumiu, então, todas as responsabilidades pelo SasiSUS. Segundo o Decreto 7.336/2010 suas atribuições eram:

Art. 42. À Secretaria Especial de Saúde Indígena compete:

  1. coordenar a implementação da mediante gestão democrática e participativa;
  2. coordenar o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena para a proteção, a promoção e a recuperação da saúde dos povos indígenas;
  3. orientar o desenvolvimento das ações de atenção integral à saúde indígena e de educação em saúde segundo as peculiaridades, o perfil epidemiológico e a condição sanitária de cada Distrito Sanitário Especial Indígena, em consonância com as políticas e programas do Sistema Único de Saúde;
  4. coordenar e avaliar as ações de atenção à saúde no âmbito do Subsistema de Saúde Indígena;
  5. promover a articulação e a integração com os setores governamentais e não governamentais que possuam interface com a atenção à saúde indígena;
  6. promover o fortalecimento e apoiar o exercício do controle social no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, por meio de suas unidades organizacionais;
  7. identificar, organizar e disseminar conhecimentos referentes à saúde indígena; e
  8. estabelecer diretrizes e critérios para o planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações de saneamento ambiental e de edificações nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

Fonte: DECRETO Nº 7.336, DE 19 DE OUTUBRO DE 2010

A estrutura de organização da SESAI é dinâmica e teve diferentes formatos ao longo dos anos. O formato de organização mais recente está de acordo com o decreto Nº 11.098, DE 20 DE JUNHO DE 2022:

Organograma da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. A Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde possui cinco órgãos de assessoria direta: a “Coordenação-Geral de Planejamento, Orçamento e Monitoramento da Execução Financeira”; a “Coordenação-Geral de Projetos de Saúde Indígena”; a “Coordenação-Geral de Participação Social na Saúde Indígena”; a “Coordenação-Geral de Demandas de Órgãos Externos da Saúde Indígena”; e o “Gabinete”. A Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde também possui dois departamentos diretamente subordinados: o “Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena”; e o “Departamento de Projetos e Determinantes Ambientais da Saúde Indígena”. Também diretamente subordinados à Secretaria, estão os “Distritos Sanitários Indígenas”.
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Transição entre Funasa e Sesai

Como a responsabilidade pela gestão do SasiSUS era da Funasa, esta instituição tinha a posse de todas as construções, equipamentos e carros que tinham sido adquiridos para prestar assistência à população indígena. Além da posse, era ela a titular de todos os convênios e contratos firmados, além de ser a Funasa a detentora do orçamento do SasiSUS.

Ao criar a Sesai a principal tarefa era a transferência de todos estes bens e convênios/contratos e do orçamento da Funasa para a Sesai.

Apesar de ser bastante óbvio e parecer simples, esta tarefa é complexa e requer uma série de ações jurídicas, como aprovação de lei transferindo o orçamento, termos de doações dos bens (que vão de prédios, barcos e carros a geladeiras, balanças, mesas e cadeiras) rescisões de convênios e contratos pela Funasa e estabelecimento de novos convênios e contratos pela Sesai.

Com o passar dos anos a organização da Sesai se modificou. A última alteração ocorreu em maio de 2019 pelo Decreto 9.795, que revisou as atribuições da SESAI extinguindo o Departamento de Gestão da SESAI e retirando das suas atribuições a “gestão democrática e participativa”, o que preocupou especialistas e lideranças como pode ser visto no relato de Paulo Tupiniquim para a reportagem da ABRASCO.

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“Esse decreto traz uma preocupação muito grande porque deixa a SESAI fragilizada. O departamento que foi extinto é um dos mais importantes, era onde estava a gestão e o controle social”, diz o líder indígena Paulo Tupiniquim (...) Agora [com o novo decreto], o que a gente entende é que o controle social está fora da SESAI”, diz Paulo Tupiniquim”.

Atualmente, as atribuições da SESAI são:

Art. 46. À Secretaria de Saúde Indígena compete:

  1. viabilizar o direito do paciente indígena a intérprete, quando este se fizer necessário, e a acompanhante, respeitadas as condições clínicas do paciente;
  2. - garantir dieta especial ajustada aos hábitos e restrições alimentares de cada etnia, sem prejuízo da observação do quadro clínico do paciente;
  3. promover a ambiência do estabelecimento de acordo com as especificidades étnicas das populações indígenas atendidas;
  4. facilitar a assistência dos cuidadores tradicionais, quando solicitada pelo paciente indígena ou pela família e, quando necessário, adaptar espaços para viabilizar tais práticas;
  5. viabilizar a adaptação de protocolos clínicos, bem como critérios especiais de acesso e acolhimento, considerando a vulnerabilidade sociocultural;
  6. favorecer o acesso diferenciado e priorizado aos indígenas de recente contato, incluindo a disponibilização de alojamento de internação individualizado considerando seu elevado risco imunológico;
  7. promover e estimular a construção de ferramentas de articulação e inclusão de profissionais de saúde dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas - DSEI/SESAI/MS e/ou outros profissionais e especialistas tradicionais que tenham vínculo com paciente indígena, na construção do plano de cuidado dos pacientes indígenas;
  8. assegurar o compartilhamento de diagnósticos e condutas de saúde de forma compreensível aos pacientes indígenas;
  9. organizar instâncias de avaliação para serem utilizadas pelos pacientes indígenas relativamente à qualidade dos serviços prestados nos estabelecimentos de saúde;
  10. fomentar e promover processos de educação permanente sobre interculturalidade, valorização e respeito às práticas tradicionais de saúde e demais temas pertinentes aos profissionais que atuam no estabelecimento, em conjunto com outros profissionais e/ou especialistas;
  11. promover e qualificar a participação dos profissionais dos estabelecimentos nos Comitês de Vigilância do Óbito;
  12. proporcionar serviços de atenção especializada em terras e territórios indígenas; e
  13. em relação especificamente aos hospitais universitários:

    a) instalar ambulatórios especializados em saúde indígena, visando promover a coordenação do cuidado especializado ao usuário indígena, porta de entrada diferenciada e a qualificação de profissionais em formação;

    b) realizar projetos de pesquisa e extensão em saúde indígena; e

    c) realizar projeto de telessaúde.

  14. promover ações para o fortalecimento da participação dos povos indígenas.

Fonte: DECRETO Nº 11.358, DE 1º DE JANEIRO DE 2023

Para assistir...

Estrutura da SESAI

O vídeo “Estrutura da SESAI” apresenta a estrutura da SESAI e os profissionais da SESAI explicam as principais funções de cada setor.

Fonte: Youtube

Como visto no organograma da SESAI, os DSEIs estão subordinados a ela. Assim, a SESAI é a responsável por coordenar, implementar e avaliar as ações de atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil, elaborando as diretrizes gerais que devem orientar os DSEIs.

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Autonomia dos DSEIs

A autonomia financeira e política dos Distritos Sanitários é uma pauta constante do movimento social. Não é possível pensar em ações únicas para todos os territórios.

A diversidade de características e de povos que vivem em cada DSEI faz com que as necessidades também sejam muito diferentes. O tipo de veículo para transporte, os medicamentos, a alimentação, os recursos para as práticas tradicionais de cuidado e diversas outras situações precisam ser pensadas para cada DSEI e até para cada comunidade.

Para escutar...

Entenda mais sobre a autonomia financeira e política do DSEI com Mariana Maleronka, ex-diretora de atenção à saúde indígena no período de 2012 a 2014.

Apesar da criação da SESAI, alguns dos problemas que vinham sendo enfrentados pela FUNASA continuaram:

  • ações na justiça pelo modo precário da contratação dos profissionais pelas parcerias com as ONGs;
  • em algumas regiões a FUNASA pagava por consultas com médicos especialistas – como, por exemplo, oftalmologista, ortopedista, cardiologista – e exames, sendo que estes poderiam ser realizados pelo SUS.
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Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI)

Depois de todo o debate que teve em 2013 na 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena sobre a contratação de profissionais, em 2014, o Ministério da Saúde propôs a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), um instituto público de direito privado que seria responsável pela execução das ações de saúde do SasiSUS.

Esta proposta, que não tem nenhuma relação com as recomendações da 5ª Conferência, transferiria a responsabilidade das ações de saúde que hoje estão com o Ministério da Saúde, por meio da Sesai, para o INSI, ou seja, terceirizaria a execução das ações, dividindo opiniões, não apenas pela proposta em si mas pela falta de debate com as comunidades.

O Projeto foi encaminhado para votação nos Conselhos Distritais de Saúde Indigena (Condisi ), contudo o tempo era curto e não permitiu o debate necessário com as bases.

Nas votações dos 34 Condisi, somente em 29 deles a proposta do INSI foi aprovada com recomendações, sendo rejeitada nas demais (DSEI Alagoas e Sergipe, DSEI Cuiabá, DSEI Litoral Sul, DSEI Porto Velho e DSEI Xingu).

Foram diversas as mobilizações de indígenas no país se manifestando contrários à proposta do INSI, assim como o Conselho Nacional de Saúde se manifestou contrário.

Hoje esta proposta que é registrada como projeto de Lei 3501/2015 está com a tramitação parada no Congresso Federal, e o modelo de contratação dos trabalhadores para os territórios indígenas segue indefinido.

Veja a repercussão da proposta de criação do INSI nas reportagens abaixo:

Como alternativa para a contratação de pessoas, a Sesai definiu o fim das parcerias que existiam com as ONGs e municípios e passou a fazer um Chamamento Público para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos que apoiassem as ações dos DSEIs, contratando profissionais e atuando na realização das ações de assistência nos territórios indígenas.

Esta ação também rompeu com a atuação dos municípios na contratação de profissionais e prestação de assistências diretamente nos territórios indígenas, com uma única exceção, a assistência nas aldeias que se localizam no município de São Paulo.

Agora que já compreendemos as responsabilidades da SESAI é hora de conversar sobre os DSEIs.